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A tecnologia no Direito: resistir ou aderir?

Como já foi presenciado em diversos momentos da sociedade, as mudanças que ocorrem nas relações das pessoas acarretam coisas boas e coisas ruins. O fato é que a civilização humana nos últimos dez mil anos evoluiu consideravelmente.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Atualizado às 08:25

Não é de hoje que a tecnologia causa transformações no mercado jurídico, assim como em todos os segmentos da sociedade. Mesmo que os profissionais da área passem uma imagem tradicional, as mudanças vindas com a transformação digital vão chegar até eles.

No Direito, a tecnologia impacta não só na rotina dos escritórios e departamentos jurídicos, mas também na gestão e na estratégia. O que observamos é que ela chegou para valorizar o ser humano, e não para substituí-lo. O que estão sendo substituídas são as tarefas repetitivas, para que as atribuições humanas sejam essenciais.

Mas estas mudanças não ocorreram de forma tão rápida. Para se ter uma ideia, os primeiros softwares jurídicos surgiram no mercado brasileiro há mais de 30 anos para auxiliar na operação e nos processos dentro dos escritórios, entre outras soluções, antes mesmo dos computadores se tornarem itens obrigatórios em qualquer negócio.

Mesmo com a popularização destes equipamentos e de outros tantos dispositivos, acompanhados de sistemas eletrônicos, programas e aplicativos, a tecnologia orientada aos advogados demorou para mudar seu dia a dia. O advogado tinha por tradição aquela rotina de processos repetitivos, como colher assinaturas físicas em uma procuração ou fazer um reconhecimento de firma em cartório.

Quem vinha conduzindo a mudança na vida dos advogados do ponto de vista tecnológico era o Poder Judiciário. Os profissionais do Direito se viram obrigados a adotar a tecnologia imposta pelo Estado, ao mesmo tempo em que apresentavam resistência na adoção de novas tecnologias por conta do apego às rotinas e ao presencialismo. A grande ruptura veio com a pandemia. Tecnologias como assinatura a distância, reuniões virtuais e gestão de equipes a distância tornaram-se essenciais.

Com essa queda da barreira inicial da adoção, o que o advogado passou a perceber? O campo de desenvolvimento da gestão passou a ser algo muito mais importante. Hoje, nós advogados contratamos com clientes em reuniões remotas, assinamos contratos em plataformas de assinaturas digitais e performamos em processo eletrônico, só para citar alguns exemplos do que já foi incorporado ao nosso dia a dia.

Rotinas repetitivas passaram a ser automatizadas. Isso permite que o ser humano seja valorizado, focando naquilo em que sua atividade é essencial, sem perder valor. A tendência é que nós mudemos um pouco o papel da tecnologia, que hoje está focada em automação de massa, mas ela vai trazer melhorias da gestão dos escritórios e diretamente na relação humana de advogados e clientes.

Tecnologia além das rotinas

Funções que antes tomavam muito tempo já não existem mais. Algumas foram superadas, como as impressões de cópias, por exemplo. Existiam empresas que faturavam milhões com estes serviços. Tudo o que não tem valor de conhecimento agregado do ponto de vista intelectual passou a não ser mais relevante.

No entanto, a tecnologia vai além da rotina (com robôs, automações e integrações entre vários sistemas). A integração das bases de informação passou a ser algo interessante, pois o grande valor que a tecnologia trará para os advogados está associado ao conteúdo das decisões que poderão ser melhorados a partir da organização e projeção, em perspectiva, dos dados gerados e coletados pelos diversos sistemas integrados. Assim, com dados em perspectiva, as decisões tendem a ser de melhor qualidade, contribuindo para melhores estratégias e melhores entregas aos clientes finais.

A partir da automação, o tempo excedente  deverá ser dedicado a melhorar a atividade cognitiva para gerar informação qualificada. Estou falando de Business Intelligence, de modelos preditivos de decisão, de análise de julgamento com base em comportamentos do poder judiciário, em predição de sucesso ou insucesso em determinadas teses, informe ou movimentação em tempo real.

Já existem modelos preditivos que, na medida em que você ajuíza uma ação e o STJ está julgando a pauta, já conseguimos predizer a chance de sucesso daquele comportamento da ação em nível inicial. Isso está criando novos mercados. Nessa linha de predição, os dados fornecem informações, mas a inteligência continua sendo humana. Embora o dado tenha uma predição, se o ser humano não usá-lo corretamente, ele não vai continuar evoluindo.  Por exemplo:  saber quantas pessoas são multadas por dia não faz sentido, mas extrair um insight daquele dado de quantas pessoas não deveriam ter sido multadas para se trabalhar teses de defesa em massa, aí faz sentido. 

Há um lado negativo?

No meio jurídico há quem olhe com preocupação para esses avanços, com receio de que a tecnologia possa excluir profissionais. Mas eu não vejo dessa forma. O profissional que vai ter sucesso é aquele que é melhor naquilo que faz. Antes havia uma gama de profissionais ocupados em atividades menos essenciais, por deficiência técnica. Num escritório tinha um advogado fazendo uma petição, juntando 200 petições por dia. Era um advogado quem fazia isso, mas hoje essa é tarefa de um robô. Se esse profissional ficar fora do mercado, não será por causa de uma tecnologia que o excluiu, mas sim por falta de qualificação do próprio profissional. A tecnologia valoriza o ser humano. Então ele tem que evoluir em sua área de atuação, com os skills e conhecimentos técnicos que sua  atividade exige.

Como já foi presenciado em diversos momentos da sociedade, as mudanças que ocorrem nas relações das pessoas acarretam coisas boas e coisas ruins. O fato é que a civilização humana nos últimos dez mil anos evoluiu consideravelmente. O autor Yuval Harari observou que "o homo sapiens nunca sofreu tão pouco quanto sofre agora". Então toda mudança tecnológica facilita nossa vida. Acho que não é questão de colocar prós e contras em uma balança, pois faz parte da evolução da espécie.

Aí vai da atitude de cada um impor um limite para a tecnologia, não é uma questão conceitual se ela é negativa, mas sim a maneira como as pessoas a usam, que pode ser negativa. Afinal, a tecnologia se destina a fazer bem para o ser humano, portanto é preciso que ele esteja em primeiro lugar.

Kazan Costa

Kazan Costa

Diretor de Aquisição da Preâmbulo Tech

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