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É possível a dispensa por justa causa de trabalhadores participantes dos atos antidemocráticos?

Trabalhadores participantes dos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023 podem ser dispensados por justa causa a luz da interpretação sistemática.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Atualizado às 14:41

É inegável que a invasão e depredação das sedes dos três poderes em Brasília por terroristas no dia 8 de janeiro de 2023 foi um grave atentado ao Estado Democrático de Direito. Tais ataques transcendem o limite constitucional da liberdade de expressão e do direito de reunião previstos na Constituição, o que convém apuração célere na esfera criminal dos crimes de atos terroristas, inclusive preparatórios (art. 2º, 3º, 5º e 6º da lei 13.260 de 2016), associação criminosa (art. 288 do Código Penal), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal), golpe de estado (art.359-M do Código Penal), ameaça (art.147 do Código Penal), perseguição (art.147-A, inciso I, §3º) e incitação ao crime (art. 286 do Código Penal), conforme decisões do Ministro Alexandre de Moraes1.

A tentativa de golpe contra a democracia brasileira também traz consequências para o mundo do trabalho, em especial, no que concerne a dispensa de trabalhadoras e trabalhadores participantes dos atos de vandalismo. Ressalta-se que o direito de dispensa possui natureza potestativa, pois condiciona a decisão da manutenção ou não do vínculo do trabalhador à vontade do empregador. Logo, pode a empresa escolher pela dispensa por ou sem justa causa, ainda que exista umas das hipóteses do rol taxativo do artigo 482 da CLT, ou até mesmo por uma mera advertência ou suspensão por até 30 dias, observada a proporcionalidade e razoabilidade entre a conduta e a pena.

Todavia, a imediata interferência dos atos democráticos nos direitos coletivos e transindividuais dos cidadãos brasileiros justifica uma eventual dispensa por justa causa diante da natureza da falta grave, respeitada a ampla defesa e o contraditório. Segundo o glossário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), "o golpe de estado é um ato de força contra o poder ou governo instituído, compondo outro em seu lugar"2. Ou seja: os atos terroristas violam o preceito constitucional da soberania popular e os direitos individuais fundamentais contidos na Carta Magna como cláusulas pétreas, dentre eles, o valor social do trabalho e de sua dignidade.

A tentativa de instituição de um estado de exceção pelos golpistas diverge de garantias constitucionais de preservação das empresas como a propriedade privada e sua função social, a livre concorrência e a ordem econômica, além da Agenda 2030 e dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, os quais são estruturados no papel do Estado Democrático de Direito na proteção dos indivíduos, no respeito aos direitos humanos pelas empresas e no acesso delas a mecanismos para remediar violações a direitos humanos.

Assim, por meio de interpretação sistemática, os trabalhadores participantes dos atos antidemocráticos podem ser dispensados por justa causa pelas empresas, já que há a caracterização de ato de improbidade e um atentado à segurança nacional (art. 482, "a" e parágrafo único da CLT), independentemente da condenação transitada em julgado do trabalhador golpista (art.482, "d" da CLT) a ocorrer posteriormente - hipótese também passível de justa causa.

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1 Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=500751&ori=1. Acesso em 18 de janeiro de 2023. 

2 Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/476-glossario/8029-golpe-de-estado. Acesso em 18 de janeiro de 2023.

Leandro Henrique Costa Bezerra

Leandro Henrique Costa Bezerra

Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto de Direito Público (IDP). Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Servidor do Ministério Público do Trabalho (MPT), lotado na Assessoria da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade).

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