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Conduta ilibada de atletas e famosos

A Psicologia precisa intervir na conduta dos atletas. Antes do atleta, existe um ser humano que precisa saber lidar com as emoções, comportamentos, valores morais, princípios éticos, e também saber respeitar as regras sociais, leis, instituições.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Atualizado às 13:57

Olá, colegas Migalheiros!

Hoje venho trazer um assunto um pouquinho diferente do que normalmente eu trato na Psicologia Jurídica: a questão dos limites da conduta de pessoa famosa, de referência, no caso, atletas.

Antes disso, uma pequena explicação: sou psicóloga jurídica há 25 anos, fui a pioneira a exercer a função de assistente técnica em ações de Família (desde 1998, época em que essa função só existia no papel, no CPC (1973) e a própria Psicologia desconhecia - embora, continue desconhecendo... - e só abordava a atuação do perito). Mas recentemente, por força das circunstâncias de ser mãe do Ricardo Perissini Olupona, 17 anos, atleta de vôlei de categoria de base, venho me dedicando aos estudos da Psicologia do Esporte.

Feitos esses esclarecimentos prévios, quero tecer alguns comentários acerca dos acontecimentos recentes envolvendo atletas: uma acusação de abuso sexual, e uma postagem de incitação ao crime.

Primeiramente, independente do mérito das condutas, como pessoa e profissional envolvida em questões esportivas, tenho que iniciar a discussão pensando na importância das implicações dos atos e palavras de atletas, que são ídolos para toda a sociedade, principalmente para as crianças. Sem idealizar ou idolatrar o atleta, penso que deve ter uma conduta ilibada. Envolvimento de atletas com substâncias entorpecentes, milícias ou traficantes, embriaguez ao volante, brigas em locais públicos, escândalos, conflitos conjugais ou familiares, fraudes fiscais, conduta antidesportiva contra outros atletas, arbitragem, imprensa e/ou torcedores, ou quaisquer formas de violência maculam a imagem do atleta, sendo difícil sua recuperação.

Temos que essas condutas resvalam na questão do crime, seja na sua prática (tentada ou consumada), seja na incitação pública ao crime (art.286 do Código Penal)1. E isso vai muito além da necessidade de punição à pessoa que praticou, também prejudica a carreira esportiva.

O que os atletas, clubes profissionais, instituições de esporte amador, e a própria sociedade precisam entender é a importância de haver uma compostura dos atletas, porque são ídolos, principalmente de crianças, a condutas deploráveis como temos visto recentemente envolvendo atletas de esportes de grande repercussão contrariam as mensagens q o esporte pretende dar, e esses atletas se tornam modelos negativos para as crianças...

Deve haver uma postura rigorosa dos órgãos representantes das categorias esportivas profissionais, nacionais e internacionais, como ocorreu recentemente em manifestação do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (COB) que emitiu, nesta sexta-feira (3/2), parecer sobre a representação realizada pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra determinado atleta que postou nas redes sociais uma enquete com conteúdo de incitação ao crime. De acordo com o parecer do órgão, o atleta está suspenso preventivamente de suas atividades esportivas até o término do processo.

"(...) No caso em análise, as ofensas, as incitações ao crime e as ameaças - ainda que algumas delas veladas já que postas em forma de pergunta ou interpretáveis por se tratar de imagem - foram todas elas praticadas contra a autoridade máxima do país, que ocupa o posto em razão de processo eleitoral democrático e escorreito. Fica justificada processualmente, dessa forma, a intervenção da Advocacia Pública nesse feito. Assim, fica acolhida a participação processual da Advocacia Geral da União nos termos solicitados. Demais disso, é importante analisar o ato - confessadamente praticado - para fins de aplicação de medida emergencial" (...). (WEB VÔLEI, 03/02/2023)

E mais grave ainda quando ameaça instituições nacionais, não há que se falar em "liberdade de expressão", o que é refutado pelo Conselho de Ética do COB em episódio específico de incitação ao crime:

"(...) A liberdade de expressão de atletas, dirigentes e corpo técnico não difere muito daquela atribuível a qualquer cidadão e, portanto, não se confunde com ofensas, ameaças, violência ou inconformidade com as instituições do Estado Democrático de Direito", diz parte do relatório divulgado hoje" (...). (WEB VÔLEI, 03/02/2023).

OK, punições à parte, que serão devidamente apuradas e aplicadas pelos órgãos competentes, preciso fazer minha manifestação pessoal a esses casos, especialmente do atleta do vôlei envolvido na incitação ao crime.

Como fã de vôlei desde os tempos da primeira seleção de projeção mundial (William, Xandó, Amauri, Bernardinho, Renan, Bernard e o seu famoso saque "jornada nas estrelas", quando eu e a galera toda do Ginásio do Ibirapuera literalmente "ia à loucura!"), e que vem acompanhando a evolução das seleções masculina e feminina ao longo dos tempos - jogadora amadora dos tempos de colégio, mas cujo desempenho não chegava nem aos pés do que o meu filho faz hoje, e que, particularmente, fiquei imensamente surpresa quando vi meu filho Ricardo se interessar justamente por esse esporte e ser selecionado para a categoria de base de clube de SP, confesso que é decepcionante ver um atleta (de vôlei ou de qualquer esporte) se envolver em ato ilícito ou ilegal. Toda a admiração que eu tinha pelo referido atleta "foi pelo ralo" pelo ato dele mesmo.

E depois, acontece a mesma coisa: o atleta faz aquele vídeo medíocre pedindo desculpas, com aquele discurso pronto: "eu não sabia", "eu não tive a intenção", "quem me conhece, sabe que eu não sou uma pessoa violenta", "jamais me envolveria com crime", etc,etc,etc...

O que falta para essas pessoas?

As punições são imprescindíveis, mas sabemos que elas só combatem o efeito de comportamentos inadequados. A Psicanálise já afirmava que as leis e punições existem justamente para conter nossos instintos, aqueles comportamentos primitivos que, se praticássemos, não teríamos civilização, continuaríamos em barbárie. Muito antes - e mais intensamente - do que termos uma legislação penal rigorosa e um sistema judicial eficaz, precisamos de movimentos e projetos de psicoeducação para conscientização da adequação (ou não) de determinadas condutas sociais:

  1. Liberdade de expressão não se confunde com agressividade, violência, ofensas, zombaria, deboche, hostilização, bullying;
  2. Internet não é "terra de ninguém", o anonimato não existe, mesmo que você retire do ar uma postagem, alguém salvou e vai usar como prova contra você;
  3. Atleta e pessoa famosa têm que usar essa condição para passar mensagens positivas, não para incitar à violência (ou, mais grave, ao crime), têm que se conscientizar que a internet ou mesmo sua fama não vão mantê-lo impune;
  4. Usar sua fama esportiva para praticar qualquer forma de violência prejudica não somente a imagem individual como também do clube que eventualmente represente. Inclusive, o mesmo clube de vôlei teve dois desses casos deploráveis envolvendo atletas na mesma semana. Não sei se o clube tem Psicólogo, ou mesmo se cada um dos atletas busca sua psicoterapia particular: se não, precisa implantar e intervir urgentemente, se sim, não sei o que está fazendo porque está produzindo resultados adversos (terapia iatrogênica, aquela que piora em vez de melhorar?);
  5. Violência de gênero (contra mulheres) utilizando não somente sua figura pública como atleta como também sua condição masculina, se torna um crime "duplo": macula a imagem do agente como atleta e como indivíduo.

A Psicologia precisa intervir na conduta dos atletas. Antes do atleta, existe um ser humano que precisa saber lidar com as emoções, comportamentos, valores morais, princípios éticos, e também saber respeitar as regras sociais, leis, instituições. Precisa saber que, apesar da fama, cada um tem o seu lugar na sociedade (e a fama não pode/deve "subir à cabeça" e dar ao atleta a sensação ilusória de impunidade, estar "acima das leis"), e ter a consciência de que são figuras públicas, ídolos admirados sobretudo pelas crianças (muitas crianças se espelham no sucesso do atleta, querem ser surfistas mesmo morando longe do mar, querem ser tenistas mesmo que batam bolinha de papel com a frigideira da mãe, querem assinar contratos milionários com clubes de futebol jogando de chinelos e chutando a bola feita com meias furadas...), somos um país carente de modelos positivos. Então absolutamente tudo o que o atleta faz, fala, come, veste, é imitado pelas crianças. A responsabilidade social e emocional é incalculável, e esse é um dos principais legados do Esporte.

Espero ter dado minha modesta contribuição às reflexões da importância da Psicologia para as questões esportivas e para a cidadania. É esse o legado que quero deixar a todos que acompanham o meu trabalho, e sobretudo ao meu filho caçula Ricardo Perissini Olupona, central do vôlei sub-17 de clube de SP.

Espero que tenham apreciado a leitura. Fico à disposição para o debate saudável.

Até o próximo artigo!

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1 CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

(...).

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Coordenadora PG Psicologia Jurídica UNISA. Prof.SEWELL/SECRIM. Colaboradora Comissões OAB/SP. Autora livros Psicologia Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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