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Do grupo econômico ao empregador único - Responsabilidade dual

A estrutura societária de empresas como é o caso exemplificado via de regra seguem um padrão ou elas detém os mesmos "donos", ou então uma empresa é socia administradora da outra, ou seja, a estrutura societária destas empresas, nada mais que é que um engodo com intuito claro de burlar a legislação trabalhista e tributária aplicável ao setor bancário.

sexta-feira, 3 de março de 2023

Atualizado às 14:44

Muito pouco se fala no direito trabalho contemporâneo sobre a possibilidade livre de terceirização de atividade fim ou meio, pois, em razão de decisão do STF, no Brasil, é permitido a terceirizar qualquer atividade. Mas questão que surge atualmente é e se as empresas começarem a criar empresas para terceirar seus próprios empregados? Como fica essa relação, ela é fraudulenta? Ela ocorre? É isso que nos propusemos a responder nas breves linhas do texto abaixo.

Como iniciar essas linhas sobre a responsabilidade dual sem antes traçar algumas considerações sobre a sua aplicabilidade e o porquê de sua existência no mundo real e não no mundo meramente teórico.

Tenho observado nos últimos anos uma mudança cultural e na estrutura das empresas com as quais diariamente combato nas trincheiras dos processos trabalhistas, audiências, sustentações orais, etc.

De forma muito salutar e inteligente diversas empresas do ramo financeiro tem se utilizado de certas "brechas"na legislação para ao  menos formalmente criarem um engendrado sistema de empresas, leia-se grupo econômico -, tendo como um dos objetivos atingir a máxima capitalista de se atingir o maior lucro com o menor curso possível e não estou aqui a criticar yal metodologia, mas sim com intuito de apontar como agir enquanto advogado na defesa de interesses de seu cliente em casos desta natureza.

Via de regra essas empresas do ramo financeiro que menciono e com as quais labuto dioturnamente

No meu atuar como advogado trabalhista em um determinado seguimento, me deparo diariamente com situações fáticas que fogem muito do usual e básico processo trabalhista onde se discute o cumprimento ou não de determinada regra legal e do pagamento ou não de determinada verba, que me sinto na obrigação de traçar algumas breves linhas que possam auxiliar outros colegas e pessoas interessadas no tema a fim de trazer a luz onde e como fazer ruir certas estratégias empresariais não muito éticas, mas que dependem de um profundo conhecimento técnico para poder demostrar que aquilo que é desenhado e externado nem sempre é a verdadeira realidade das coisas.

Atualmente é muito comum a utilização por empresas do ramo financeiro montar estruturas organizacionais que visam, dentre outros objetivos, produzir maior lucro com o menor custo, e como isso é feito?

São criadas diversas empresas dentro do grupo econômico e cada uma dessas empresas realizam um aspecto de todo o processo produtivo, exemplificando:

O banco X cria em seu grupo a empresa Y cujo único objetivo é realizar a venda dos produtos e serviços do banco X, cria também a empresa Z que tem como único objetivo cuidar do RH dos empregados da empresa Y e do Banco X , cria também a empresa W que é encarregada de cuidar do teleatendimento do Banco X e assim por diante...

Se observa, portanto, que o banco é fragmentado em diversas empresas e cada uma delas representa um setor interno da instituição, ou seja, é um grupo econômico que na verdade é em si uma empresa só.

Esse pequeno e bem superficial introito tem como objetivo situar o leitor na realidade que pretendo demonstrar.

A figura do grupo econômico aqui relatada não se limita a mera identidade de sócios, mas se vê que o atuar destas empresas ou melhor de todas as empresas é única e exclusivamente convertido em benefício do banco ou melhor dizendo da empresa que capitania o grupo.

É certo também que a figura do grupo econômico na legislação trabalhista surgiu como meio de ampliação da garantia dos créditos trabalhistas em favor do empregado a fim de evitar manobras fraudulentas do empregador.

Na Exposição de Motivos da Consolidação das Leis do Trabalho, os autores esclarecem que a definição de empregador do art. 2º da CLT já está acompanhada da noção de empregador único, conforme revela o seguinte excerto: "Na introdução aperfeiçoou a redação dos artigos; inseriu a definição de empregador, que integra o conceito definitivo da relação de emprego, acompanhando-a da noção legal de empregadora única dada pela lei 435, de 17 de maio de 1937".

O efeito jurídico do grupo econômico como empregador único é, pois, nos termos da lei, a solidariedade das empresas dele integrantes em relação a todos os efeitos da relação de emprego, e não somente solidariedade no tocante às obrigações resultantes dessa relação.

A caracterização do empregado único implica, nesses termos, a solidariedade dual, ativa e passiva, dos integrantes do grupo em face do contrato de trabalho: solidariedade passiva resultante da responsabilidade pelo adimplemento dos créditos derivados do contrato de trabalho; solidariedade ativa em face dos direitos e prerrogativas que decorrem da existência do pacto laboral.

Além da doutrina juslaboral, a jurisprudência do TST indica o acolhimento da solidariedade dual, caracterizando todos os membros do grupo como empregadores, e não apenas garantidores dos créditos trabalhistas, por meio de algumas se suas Súmulas, v.g. 129 e 239 das seguintes súmulas:

Ou seja, segundo entendimento estabelecido na Súmula 129 do TST, salvo ajuste em contrário, existe um único contrato de trabalho entre o empregado e as empresas integrantes do mesmo grupo econômico, notadamente quando todo o atuar converte em benefício e prol da empresa que capitania o grupo sendo cada uma das empresas um setor do todo, desempenhando atividades de aferir maior lucratividade à apenas uma delas.

De outro ângulo, conforme a súmula 239 do TST, predomina o entendimento de que, salvo as exceções previstas, o empregado é bancário quando o seu empregador integra o mesmo grupo econômico do estabelecimento bancário, como ocorre com os trabalhadores de empresa de processamento de dados e é certo que tal situação é exatamente o que se verifica nestes autos.

Logo, segundo entendimento sumulado, salvo ajuste em contrário, existe um único contrato de trabalho entre o empregado e as empresas integrantes do mesmo grupo econômico

Sendo certo que com redação diversa, mas em sentido que vai ao encontro da tese da Responsabilidade Dual temos a Súmula n. 117 do TST dispõe que "Não se beneficiam do regime legal relativo aos bancários os empregados de estabelecimento de crédito pertencentes a categorias profissionais diferenciadas", logo a contrario sensu da citada Súmula impõe reconhecer que aquele que não integra categoria profissional diferenciada é, portanto, bancário.

Logo, o trabalhador, enquanto empregado da empresa-grupo, vincula-se à categoria profissional relacionada com a atividade preponderante desenvolvida pelo grupo de empresas, que no caso posto como exemplo é o Banco, pois, toda a dinâmica do Grupo Econômico é voltada aos interesses e em benefício exclusivo do Banco.

A estrutura societária de empresas como é o caso exemplificado via de regra seguem um padrão ou elas detém os mesmos "donos", ou então uma empresa é socia administradora da outra, ou seja, a estrutura societária destas empresas, nada mais que é que um engodo com intuito claro de burlar a legislação trabalhista e tributária aplicável ao setor bancário.

Para uma melhor compreensão do quão vantajoso é para um Grupo Econômico formado nestes moldes de forma a burlar a legislação trabalhista abaixo segue quadro comparativo entre a realidade de um trabalhador que é formalmente empregado de uma das empresas abaixo do grupo e como seria caso estivesse, tal trabalhador, corretamente enquadrado como bancário que de fato é:

SINDICATO DE COMERCIÁRIOS  

FENABAN

DIFERENÇAS

Piso salarial mais elevado da CCT: R$ 1.849,00

Piso salarial - após 90 dias da admissão: R$ 2.302,52

 

R$ 453,52 por mês.

Vale alimentação R$ 28,60 por dia útil trabalhado x 22 dias úteis R$ 629,20

Auxilio Refeição: R$ 31,37 por dia de trabalho x 22 dias úteis R$ 690,14

R$ 60,90 por mês.

Auxilio cesta alimentação - não prevê

Auxilio Cesta Alimentação: R$ 609,88

R$ 609,88 por mês.

13ª cesta alimentação - Não prevê.

13ª cesta alimentação: R$ 609,88

R$ 609,88 ao ano.

PLR - Não prevê

PLR e PLR adicional: 90% da remuneração acrescido do valor de R$ 2.457,29 e 2,2% do lucro líquido dividido pelo número de empregados até o limite de R$ 29.000,77

R$2.457,29 + 2,2% do lucro líquido dividido pelo número de empregados, observado o limite de R$ 29.000,77

Vale Cultura - não prevê

R$ 50,00 por mês

R$ 50,00. por mês.

Soma R$ 2.478,20

Soma R$ 6.160,66

Diferença total: R$ 3.682,46 ao mês.

O quadro demonstrativo acima, é um simples exemplo de quão imensos são os benefícios ao grupo econômico formado nos moldes aqui descritos ao burlar a legislação, e isso se levando em conta apenas um único empregado sendo certo que empresas deste ramo de atuação contam via de regra com número expressivo e quase incontável de trabalhadores, logo, ao multiplicarmos a diferença acima pelo número de trabalhadores nesta situação temos um valor certamente astronômico e isso, sem levar em conta os valores que deveriam ser recolhidos aos cofres públicos (INSS, IMPOSTO DE RENDA, FGTS, RAT, ETC.)

Assim é certo que a contratação dos trabalhadores formalmente por alguma das empresas do grupo, que não o Banco, podem ser vistas como setores do próprio banco constitui mero estratagema muito bem elaborado para mascarar a atividade primordial de Bancária exercida por esses trabalhadores e sonegar-lhes os direitos inerentes a essa categoria.

Assim, ao que tudo indica, a questão não se trata de simples ilicitude na terceirização tão somente, mas sim de enquadramento na categoria profissional correta, conforme os fatos vivenciados pelas partes (contrato realidade ou princípio da primazia da realidade). E neste ponto, conclui-se que o trabalhador é e sempre foi bancário, visto que existe um único contrato de trabalho entre o empregado e as empresas integrantes do mesmo grupo econômico, conforme dispõe a súmula 129 do TST.

Ainda e já finalizando os argumentos é de se destacar que a prática de reengenharia organizacional e reestruturação produtiva na qual organizações empresariais constituem novas empresas dentro do mesmo grupo econômico com o objetivo de afastar a responsabilidade de empresas agrupadas (especialmente, entidades bancárias) pelo pagamento dos débitos trabalhistas constitui clara tentativa de fraude à aplicação da legislação trabalhista, sendo nulo de pleno direito o contrato de trabalho firmado com as empresas do grupo o que no caso exemplificado gera como consequência o enquadramento dos empregados dessas empresas na categoria preponderante do grupo, no caso, bancária.

Por derradeiro é importante ressaltar que o enquadramento do trabalhador como bancário não decorre tão somente da configuração de ilicitude de terceirização, mas também da condição fática, de que as empresas pertencem ao mesmo grupo econômico e configuram, portanto, um empregador único, com todas as consequências de tal situação advindas.

Gabriel Lemos da Costa

Gabriel Lemos da Costa

Advogado, especializado em direito e processo do trabalho, atuante desde 2003, sempre na defesa de trabalhadores, principalmente na defesa de bancários e trabalhadores em instituições financeiras

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