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Por que estamos cegos à polarização tóxica disseminada por nossos representantes populares?

A polarização tóxica funciona como ferramenta estratégica para permitir reformas institucionais e movimentos formais e informais com o intuito de minar a democracia abrindo caminho para a autocratização.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Atualizado às 14:41

A polarização tóxica e a autocratização tendem a se reforçar mutuamente. Níveis extremos de polarização têm efeitos diretos e prejudiciais sobre os fundamentos democráticos da sociedade. Quando a polarização se torna tóxica, os diferentes grupos, normalmente, começam a questionar a legitimidade moral de grupos distintos, vendo esta oposição como ameaças existenciais- inimigos a serem eliminados. 

E neste cenário, representantes populares tornaram-se personagens cuja atribuição política é propagar a guerra cultural e de narrativas sem precedentes, apoiados pela "massa popular". São aqueles eleitos por sua verborragia e que mantêm sua "pseudo popularidade" por meio de likes que recebem de seus seguidores irascíveis que nem sempre são humanos - "robôs virtuais se passando por humanos", tornado esta massa uma cifra desconhecida, homogênea e que não difere o humano do não humano.  

E quais os seus efeitos? Esta polarização extremista engessa as práticas políticas democráticas e plurais, o diálogo, a persuasão e a formação de um novo consenso em campo de políticas públicas necessárias ao desenvolvimento. Ela representa uma divisão da sociedade onde se encontra em campo o binômio "nós contra eles", "esquerda contra direita", "amigos contra inimigos". Quando esse campo se alinha com identidades e interesses mutuamente homogêneos, antagônicos e segregacionistas, ele mina a coesão social e a estabilidade política. É isso que realmente queremos?

Pesquisas demonstram que cidadãos em contextos altamente polarizados, em muitas das vezes, estão dispostos a abandonar princípios democráticos, ou seja, a massa polarizada contribui para vitórias eleitorais de líderes antipluralistas, populistas e autoritários.

As pesquisas mapeadas pela V-DEM indicam que a polarização tóxica pode se decantar a partir de dois elementos constitutivos: a polarização da sociedade e a polarização da política. Ambas se materializam, principalmente, a partir dos discursos de ódio extremista e da violência.

Para esta análise, duas métricas são medidas:  no caso da "polarização da sociedade", verifica-se até que ponto as diferenças de opiniões resultam em grandes embates de opiniões e violências; e no caso da "polarização política", que mede até que ponto a sociedade está polarizada em campos políticos antagônicos e como e onde estas diferenças afetam as relações sociais e políticas públicas para além das discussões políticas.

Outra métrica aplicada pela V-DEM é o uso do "discurso de ódio dos partidos políticos" para medir a frequência com que os principais partidos políticos o utilizam como parte de sua retórica. Este indicador captura até que ponto o uso dessa retórica pelos partidos políticos afeta diretamente o nível de polarização.

As polarizações tóxicas tendem a subir sistematicamente para níveis cada vez mais extremos. Por exemplo, a polarização no Brasil começou a subir em 2013 e atingiu níveis tóxicos com a vitória eleitoral do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro em 2018, atingindo seu auge nas eleições de 2022. De acordo com o V-DEM, desde que assumiu o cargo, Bolsonaro se juntou a manifestantes pedindo intervenção militar na política brasileira e o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Além disso, promoveu a militarização da política e a politização das Forças Armadas em larga escala de seu governo e levou a população a desconfiar da legitimidade do sistema de votação tendo como consequência gravíssima a invasão da sede dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, conduzidos pelo movimento extremista de direita bolsonarista.

O Brasil testemunhou ataques perpetrados à democracia e às instituições republicanas, que resultaram na invasão do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, com depredação do patrimônio público desses símbolos dos princípios fundamentais democráticos e da força política brasileira. Estes atos foram tendentes a propagar o descumprimento e desrespeito ao resultado das eleic¸o~es de 2022, culminando com a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 e consequente busca do rompimento do Estado Democrático de Direito.

Estas métricas são extremamente importantes para mapear o nível de polarização de um sistema democrático. Quando a polarização se desenvolve ao nível tóxico o sistema democrático certamente sofrerá retrocessos, degradações e estará em risco. 

A polarização tóxica funciona como ferramenta estratégica para permitir reformas institucionais e movimentos formais e informais com o intuito de minar a democracia abrindo caminho para a autocratização.

Carina Barbosa Gouvêa

Carina Barbosa Gouvêa

Professora do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE) e da Faculdade de Direito do Recife (UFPE); Pós Doutora em Direito Constitucional Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE); Doutora e Mestre em Direito pela UNESA, Recife, Brasil.

Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

Professor Associado do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida (PPGD-UVA). Doutor em Ciência Política (IUPERJ) Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional (Puc-Rio). Coordenador do Laboratório de Estudos de Defesa e Segurança Pública (LEPDESP-UERJ).

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