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A dilação do prazo recursal na lei 14.133/21 e o princípio do devido processo legal

O novo prazo de recurso da Nova lei de Licitações representa uma conquista do princípio da ampla defesa e do contraditório.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Atualizado às 14:25

No último sábado, em que a lei 14.133/21 se tornou mandamental no Direito Administrativo pátrio, cumpre destacar o avanço no sistema processual recursal licitatório deste novo diploma.

O Direito à ampla defesa, ao contraditório e o devido processo legal são princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito. Estes princípios tiveram origem na Magna Carta Inglesa de 1215, este documento foi elaborado com o intuito de limitar os poderes do Rei e fomentar a criação de um conselho de barões para fiscalizar os atos do poder real.

Tal carta apresenta em seu bojo o conteúdo garantista que inaugurou, e, inspirou, diplomas legais de grande relevo para a história constitucional da humanidade, como, por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 - obra prima do Direito, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadãos 1789, Constituição de Weimar de 1919 a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 e a Constituição brasileira de 1988.

Esta garantia legal, encontra-se expresso no artigo 39 da Magna Carta Inglesa em ipsis litteris:

       "No freeman shall be taken or [and] imprisoned or disseised or exiled or in any way destroyed, nor will we go upon him nor send upon him, except by the lawful judgment of his peers or [and] by the law of the land."

(Tradução para o português): "Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país."

A ideia de julgamento regular ou de harmonia com a lei fez florescer a ideia do - due process of law - devido processo legal, presente e consagrado no Direito Ocidental, não só expressos na seara do Direito Penal e Processual Penal, como também, presente em todos os ramos do Direito - como o processo administrativo - objeto deste texto, disposto na Constituição de 1988 da seguinte forma:

 "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"                  

O devido processo legal, assegura à parte que terá direito e garantias fundamentais resguardados durante a tramitação do processo administrativo, como, por exemplo, o direito à ampla defesa, ao contraditório e que a dosimetria da sanção será aplicada conforme os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

No tocante ao processo de sanção administrativa licitatória, este instrumento processual é de grande valia no Direito Administrativo, visto que tem no seu escopo a finalidade de apurar infrações administrativas cometidas pelo licitante ou pelo contratado.

As espécies de sanções administrativas a serem aplicadas aos contratados, conforme expresso no art. 56 da Nova lei de Licitações, pode ser, advertência, multa, impedimento de licitar e contratar ou a declaração de inidoneidade para contratar ou licitar com toda a administração pública.

Após instruídos provas e decisão de confirmação da apuração de responsabilidade da licitante ou da contratada. Dar-se-á, a Administração Pública, a possibilidade de a Licitante ou a Contratada o direito à recurso para reverter a decisão sancionatória.

No que concerne recursos de sanções administrativas, a lei de Licitações 8.666/93, anteriormente vigente na Administração Pública, fixava o prazo de cinco dias úteis, como expresso abaixo:

"Art. 109.  Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta lei cabem:

I - recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, nos casos de:

a) habilitação ou inabilitação do licitante;

b) julgamento das propostas;

c) anulação ou revogação da licitação;

d) indeferimento do pedido de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento;

e) rescisão do contrato, a que se refere o inciso I do art. 79 desta lei; (Redação dada pela lei 8.883, de 1994)

f) aplicação das penas de advertência, suspensão temporária ou de multa;"

Esse prazo de 5 dias úteis, exprimia um lapso temporal curto para a interposição de recurso por dois motivos. O primeiro, pelo fato de que menos de uma semana é um tempo curtíssimo para realizar os fatos inerentes ao processo recursal como, por exemplo, instruir provas, apresentar fatos e definir estratégia, pois, fazer tudo isso em 5 dias úteis, é uma via crucis para se chegar a uma decisão favorável.

Além disso, observa-se que em outros códigos do direito brasileiro, o prazo para interpor recursos é superior aos 5 dias úteis. Nesse contexto, é de se inferir que esse lapso temporal de mais dilatado para interposição de recurso presente no direito, como por exemplo o prazo de 15 expresso no Código de Processo Civil para Apelações e Agravos de Instrumentos. Tal prazo ajuda a parte a se encontrar em uma situação mais confortável e garantir a obtenção de resultados mais favoráveis, o que era desafiador para a parte se defender em 5 dias.

O código de processo administrativo corrobora com está afirmação, pelo fato de que, na ausência de estipulação de prazo no dispositivo legal específico, no bojo deste código garante um prazo maior para a interposição de recurso, como assevera o seguinte dispositivo:

Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.

Para solucionar esse problemática do prazo recursal curto, a nova lei de licitações - lei 14.133/21- inovou ao estipular um novo prazo recurso, um prazo mais dilatado e conforme contexto de aumento supracitados em parágrafos anteriores, como segue:

"Art. 166. Da aplicação das sanções previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 156 desta lei caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data da intimação.

Com isso, essa extensão de prazo além de ser uma inovação jurídica, oferece à Contratada a possibilidade de definir estratégias, instruir provas e construir e desenvolver uma argumentação consistente, o que garante uma possibilidade maior de defesa para as empresas contratadas pelos órgãos da Administração Pública.

Por fim, representa um grande passo para a consolidação do devido processo legal, no Direito Administrativo brasileiro, uma vez que o prazo de 15 dias úteis oferece à possibilidade mais célere, justa e congruente aos direitos fundamentais como o exercício pleno do direito à ampla defesa e ao contraditório. Dessa forma, ver-se-á, no direito pátrio a consolidação do elemento processual de 8 séculos de existência: o devido processo legal.

Gabriel Rocha de Almeida

Gabriel Rocha de Almeida

Estagiário Jurídico na Diretoria Jurídica - Bradesco Seguros. Graduando em Direito da UERJ. Membro da Septem Capulus - Comunidade de Jovens Empreendedores Jurídicos. Investidor do Mercado de Capitais.

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