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Perícia indireta em psicologia

O conhecimento técnico se torna uma ferramenta importantíssima para o direcionamento jurídico do processo.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Atualizado às 13:48

Olá colegas Migalheiros!

Venho neste artigo de hoje falar de um assunto pouco abordado, mas muito útil nos processos cíveis e penais: a perícia indireta. Já viram isso? Mais frequente em casos de avaliação para se apurar o discernimento da pessoa para ato da vida civil (ex.: testamento, doação, contratos) quando a pessoa não está mais viva.

Em geral, os atos da vida civil são personalíssimos (somente a pessoa pode realizar, sem procuração ou representação), tem seus rituais e exigências próprios, e são revogáveis quando houver a menor suspeita de que aquela pessoa não esteja em pleno discernimento na época de realização daquele ato. Importante destacar que não depende se a pessoa cujo ato esteja sendo questionado estivesse sob regime de curatela ou tutela antecipada na época. Em se tratando de demanda que tenha por objeto a invalidade de um ato civil (ex.: testamento), as provas indiretas constituem as verdadeiras "rainhas" das provas, as provas por excelência.  O que se precisa é fazer uma análise da hipótese de existência de algum transtorno mental ou neurológico que poderia alterar o discernimento daquela pessoa na época em que tenha realizo o ato civil que agora está sendo questionado.

Não devemos confundir o discernimento com o estado de capacidade. Embora a redução do estado de capacidade em alguns casos influencie no discernimento (estados senis ou demenciais que dificultem não apenas a realização de atos simples como cuidados pessoais ou reconhecimento de pessoas) como também a manifestação de vontade, algumas oportunidades de manifestação espontânea da vontade podem ser prejudicadas por outros fatores, como por exemplo: coação ou manipulação do beneficiário, desconhecimento da existência de outro beneficiário (ex.: não saber da existência de um filho que poderia ser incluído no rol de beneficiários do testamento), interesses escusos do beneficiário em cobiçar bens mais valiosos do testamentário, etc. Por isso, nem sempre será possível associarmos com o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Os peritos técnicos para avaliar essas hipóteses são: psiquiatra forense ou psicólogo forense. O psiquiatra forense pode avaliar o prontuário médico daquela pessoa cujo ato está sendo questionado, para ver se havia algum diagnóstico que comprometesse o funcionamento mental à época da realização do ato. O psicólogo forense também pode analisar documentos médicos e processuais (se houver), com o mesmo objetivo: se poderia ter havido algum comprometimento mental ou neurológico na época da realização do ato civil em questão. Porém, pode ir mais além. A Psicologia Jurídica sempre se vale da multiplicidade de fontes, não podendo ser reducionista a uma quantidade limitada de fontes.

O psicólogo forense pode fazer a sua própria avaliação, não somente analisando a documentação judicial e extrajudicial, como também realizando a Avaliação Psicológica das pessoas envolvidas (aquela(s) que questiona(m) e aquela(s) que é(são) beneficiária(s)). Inclusive, entrevistar e aplicar instrumentos psicológicos (testes, inventários e escalas) validados e reconhecidos pelo Sistema SATEPSI-CFP, para conhecer o perfil de personalidade e, eventualmente, intenções tanto do(s) beneficiário(s) como daquele(s) que esteja(m) suscitando a nulidade do ato civil daquela pessoa falecida.

Ou seja, a prova técnica se torna indispensável nesses casos. Como o psicólogo estará analisando documentos de uma pessoa que já faleceu (lembrando que o direito de impugnar a validade do testamento só vai caducar cinco anos após a data do seu registro (art. 1.859 do Código Civil)), realizará uma perícia indireta, ou seja, baseada em documentos.

O juiz nomeia um perito, e as partes podem indicar assistentes técnicos para formular quesitos e redigir pareceres de manifestação convergente ou divergente em relação ao laudo do perito. Lembrando que, conforme escrevi em outro artigo , o assistente técnico também pode realizar a sua própria avaliação, conforme dispõe o § único do art. 8º da Resolução CFP nº 08/2010, assim como § 3º do art. 473 do CPC (2015):

Resolução CFP 08/10:

Art. 8º - O assistente técnico, profissional capacitado para questionar tecnicamente a análise e as conclusões realizadas pelo psicólogo perito, restringirá sua análise ao estudo psicológico resultante da perícia, elaborando quesitos que venham a esclarecer pontos não contemplados ou contraditórios, identificados a partir de criteriosa análise.

Parágrafo Único - Para desenvolver sua função, o assistente técnico poderá ouvir pessoas envolvidas, solicitar documentos em poder das partes, entre outros meios (Art. 429, Código de Processo Civil). (sublinhei).

Código de Processo Civil (2015):

Art. 473: (...)

§ 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia. (sublinhei)

Ou seja, existem muitos caminhos para se interpretar e compreender a realidade dos fatos. Utilizando-se os procedimentos corretos, é possível chegar-se a conclusões idôneas. Mesmo se houver divergências, o debate científico saudável se apresenta sempre como o melhor caminho para se apresentar argumentos que influenciarão no convencimento do juiz. O conhecimento técnico se torna uma ferramenta importantíssima para o direcionamento jurídico do processo.

Espero ter contribuído para as reflexões e questionamentos importantes acerca do tema. Disponibilizo-me ao debate saudável.

Agradeço a atenção, e aguardo a todos nos próximos artigos!

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Coord. PG Psic. Jur UNISA e UNIFOR. Prof. SEWELL/SECRIM. Colab. Comissões OAB/SP e "Leis & L.etras" Autora livros Psic. Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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