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A infame nota técnica 4/22 do Conselho Federal de Psicologia

A nota técnica deixa de ter qualquer valor ou finalidade, porque contaria pelo menos três leis federais: a lei 12.318/10 (a principal, que tipifica a alienação parental), a 14.340/22 (que acrescenta dispositivos à principal) e a 13.431/2017 (que tipifica a alienação parental como uma das hipóteses de violências sofridas pela criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência) - e ainda há quem diga que "essas leis não protegem crianças e adolescentes".

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Atualizado às 13:34

Olá colegas Migalheiros!

No artigo de hoje, venho comentar um assunto que já abordei em outros artigos, mas desta vez trago uma análise mais aprofundada dos motivos para afirmar a completa invalidade e inconstitucionalidade da nota técnica 04/22, emitida em 1/9/22 pelo Conselho Federal de Psicologia.

A nota técnica 4/22/GTEC/CG é oriunda do processo 576600003.000068/2022-53, que pretende apresentar diretrizes para a atuação dos psicólogos em casos em que precisam apurar a ocorrência (ou não) de alienação parental.

Já venho mencionando em outros artigos que o Conselho Federal de Psicologia, assim como o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, já se posicionaram contrários à vigência da lei 12.318/10, por questões ideológicas, e para tanto não hesitam em acolher acriticamente denúncias éticas irregulares e ilegais contra psicólogos que defendem a vigência e aprimoramento da lei, visando persegui--los implacavelmente, desqualificar seu trabalho e sua reputação, cercear a atuação profissional, conforme se verifica no excerto de sentença para censura pública que o CRPSP decretou para perseguir psicóloga que afirmava que o caso do seu cliente era tipificado como alienação parental, e a parte contrária denunciou a psicóloga assistente técnica do pai alienado, objetivando praticar atos de alienação parental impunemente, e manipular os conselheiros para que se tornassem "advogados administrativos" da denunciante:

(...)

No mérito do presente processo ético, há que se considerar os princípios fundamentais que sustentam o fazer psicólogo pautados na ética profissional. Na condição de psicólogas não nos cave a produção de juízo de valor alicerçado em princípios moralizantes e culpabilizantes sobre determinadas condições humanas. No fato em questão, vale ressaltar que a psicóloga processada utiliza concepções hegemônicas e patriarcais sobre o exercício da maternidade, questionando as condutas da denunciante sem considerar as situações de poder e opressão que envolvem a prática de alienação patriarcal, quando mulheres em situação de violência são revitimizadas pelo Estado atribuindo-as a realização de alienação parental, situação essa legitimada por 'esteriótipos' (sic, a ignorância ortográfica da conselheira!) do significado de ser mãe.

(...)

No caso, existem incorreções gravíssimas no posicionamento do Conselho:

  1. Não havia "juízo de valor" e sim um posicionamento profissional a serviço de uma das partes, típico de assistentes técnicos (que o CRPSP e CFP continua desconhecendo e confundindo com o de perito);
  2. Ilegitimidade de parte: assistentes técnicos somente devem prestar serviço de qualidade aos seus clientes contratantes, não às partes contrárias;
  3. Ausência de princípio de legalidade, pois a própria Resolução CFP 8/10 e o CPC determinam que o "assistente técnico é de confiança da parte" (e não "das partes");
  4. A psicóloga estava denunciando um ilícito civil cometido pela denunciante, tipificado na lei federal 12.318/10;
  5. A denunciante ocultou e distorceu informações para ludibriar as conselheiras, no intuito de torna-las suas "advogadas administrativas" (ex.: ocultou que lesionava propositalmente o filho e atribuía as lesões ao pai, cliente da psicóloga assistente técnica que ela denunciou);
  6. O posicionamento contrário à lei de alienação parental caracteriza-se pelo cunho ideológico de favorecimento ao gênero feminino, típico dos movimentos feministas extremistas e radicais, oriundos do século XVII.

Existem equívocos tautológicos e conceituais na argumentação da referida Nota Técnica, que a tornam inválida e inconstitucional. Assim, vejamos:

1. Em que pese uma Nota Técnica pretender ser uma referência na atuação de determinada categoria profissional, nenhuma Nota Técnica pode afrontar leis federais. No caso da Nota Técnica 04/22, está afrontando três leis federais: a 12/318/10 (lei da alienação parental), a 13.431/17 (lei de garantias de proteção à criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência, que elenca a alienação parental como uma das violências tipificadas, conforme art. 3º da lei nº 12.318/10) e a 14.340/17 (que acrescentou dispositivos à lei principal da alienação parental).

Por hermenêutica e pela hierarquia das noras jurídicas, temos que: se nenhuma lei ordinária pode afrontar a Constituição, e se temos uma nota técnica afrontando leis federais, consequentemente a nota técnica afronta também a Constituição, devendo ser extinta.

2. Conforme dito anteriormente a Nota Técnica 4/22 apresenta cunho ideológico, sendo que o Código de Ética dos Psicólogos (Resolução CFP 10/05) determina, dentre as vedações ao psicólogo, que:

Art. 2º - Ao psicólogo é vedado:

(...)

b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas,

religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito,

quando do exercício de suas funções profissionais;

(...)

Inclusive, deveria haver sanção em dobro quando o agente ideológico é o próprio Conselho, utilizando a máquina estatal como instrumento de poder, opressão e cerceamento da atuação profissional.

3. A lei 12.318/10 nunca se baseou na teoria do psiquiatra estadunidense Richard Gardner. Na realidade, os estudos empíricos que aquele profissional realizou, dentro da sua prática e do contexto social da época, foram trazidos ao Brasil por profissionais capacitados, analisados e comparados com histórias reais, de pessoas que estavam vivenciando situações semelhantes. A contribuição de Gardner para nossa lei 12.318/10 foi a atribuição do nome. Ocorre que Gardner falava em "síndrome" de alienação parental porque ele atendia as crianças que já chegavam com o discurso do(a) alienador(a) contra o(a) outro(a). A nossa lei fala em ATOS de alienação parental, e não em "síndrome", mas a Nota Técnica 04/20 do CFP utiliza de recursos inidôneos, como os sofismas, insinuando que a Lei se refere à síndrome, para ludibriar o incauto leitor de que a lei pretende patologizar os comportamentos.

O idealizador do PL que originou a lei da alienação parental aqui no Brasil utilizou dois recursos: um portal na internet para consulta do esboço da lei, para dúvidas, comentários, manifestações; e a escuta ativa dos pais, mães, avós, tios, primos, vítimas da alienação parental, de quem se extraíram histórias semelhantes aos dos estudos de Gardner e pesquisadores: não ter mais contato com os filhos, recusa injustificada dos filhos em ter contato, ser falsamente acusado(a) de abuso sexual, mudança injustificada de domicílio e escola, sem informações prévias nem posteriores. Ou seja, nunca foi um "copia e cola" dos estudos do Gardner.

Inclusive eu participei da elaboração do anteprojeto, em dois momentos: na insistência para que se incluísse o que se tornou o art. 5º da lei (que exige que o profissional ou equipe conheçam a alienação parental), e na escuta das histórias, compilação do material e discussão dos termos da redação e propostas ao PL. Nenhum dos que atualmente criticam a lei se dignou a colaborar na época.

4. Quando a lei tipifica a alienação nos termos do art. 2º caput, o faz em função dos relatos reais vivenciados pelas pessoas que contribuíram, com seus depoimentos. Poderíamos ter dispensado os estudos do Gardner e dado outro nome ao fenômeno. A tipificação seria exatamente a mesma.

5.  Quando a Nota Técnica 4/22 critica o inciso VII do art. 2º da lei da alienação parental, acerca da falsa denúncia, comete equívocos de interpretação (que sugerem ser propositais, como sofismas), de que se trataria de "denúncias sem provas", conduzindo o leitor a entender que "denúncias falsas são aquelas que não têm provas", quando a realidade é que existem muitas acusações verdadeiras, de violências verdadeiras, que infelizmente não podem ser provadas (não há evidências físicas, nem testemunhas, etc.). Ocorre que existem violências que não ocorreram, baseadas em provas frágeis, testemunhas suspeitas, que podem levar à condenação de inocentes, por interesses alheios ao direito de convivência da criança com aquele(a) genitor(a).

O fato de que a maioria das acusações de violência física e sexual contra crianças e adolescentes é feita pelas mães para incriminar os pais vem dos estereótipos de que "somente o homem tem a força física e a disposição sexual para causar dano a indefeso", mas quem sustenta essa afirmação esquece que mulheres também podem abusar sexualmente de crianças e adolescentes, assim como podem utilizar a violência sob argumento punitivo e "educativo" contra os filhos.

Quem lida diretamente com acusações de violências e abusos de quaisquer naturezas sabe, melhor que o CFP, que existe uma diferença significativamente larga entre denúncia sem provas e denúncia infundada. Não é a denúncia sem provas que se caracteriza por ser infundada. Existem violências fáticas que ocorrem sem que se consiga comprovação, sem evidências físicas, sem testemunhas, etc. A denúncia infundada é aquela que, dentro do contexto maior (ex.: litígio familiar, brigas por pensão, aumento da convivência, guarda compartilhada, etc.) "surge" repentinamente e com intenção exagerada, irreal, para impressionar e ludibriar as autoridades. A acusação infundada é aquela que comprovadamente se mostra inverídica (isto é, mediante análise das provas e do contexto). Mas tanto uma quanto outra devem ser devidamente apreciadas, dentro do contexto em que se inserem, o que só se consegue mediante qualificação e instrumentalização dos psicólogos, não revogando a lei.

6. As distorções da prática da alienação parental se devem justamente à ausência de qualificação dos psicólogos, insuficiência de instrumentos apropriados e específicos para avaliar, assim como o cerceamento da atuação profissional decorrente da perseguição dos psicólogos promovida pelos Conselhos Federal e Regional de Psicologia de São Paulo, através de denúncias éticas que, se estivessem na instância judicial, seriam consideradas ineptas e seriam arquivadas, pelas irregularidades processuais e procedimentos gravíssimas e insuperáveis, mas das quais os Conselhos de Ética fazem "vista grossa", alegando "fiscalização da profissão" (sob cunho ideológico-político, não ético). Já mencionei tais irregularidades em outro artigo1.

7. O mau uso da lei não justifica sua revogação. A lei Maria da Penha também é frequentemente mal usada (veja: caso do Neymar), e nunca ouvi parlamentar ou conselheiro do CFP exigir sua revogação. O mau uso da lei se dede à ausência de qualificação e instrumentação dos psicólogos, agravado pelo cerceamento de defesa da Nota Técnica 4/22 do CFP, norma absolutamente ilegal e inconstitucional.

Concluindo: a Nota Técnica 4/22 do CFP consiste em um ato revanchista de um órgão que manipula informações para distorcer o entendimento e para cercear a atuação dos psicólogos, por não conseguir lidar com o fracasso de suas intenções inidôneas de revogar a lei 12.318/10 (e ainda ter que lidar com a vigência da lei 14.340/22, que acrescentou dispositivos à principal!), baseando-se em conceitos ideológicos. E existe um dispositivo específico do Código de Ética de que os psicólogos são proibidos de induzir a "convicções ideológicas". Então, que tal aplicarmos essa sanção aos conselheiros do CFP que elaboraram a Nota Técnica? Inclusive com pena em dobro por realizarem tal ato no exercício do cargo em função de poder?

Enfim, a Nota Técnica deixa de ter qualquer valor ou finalidade, porque contaria pelo menos três leis federais: a lei 12.318/10 (a principal, que tipifica a alienação parental), a 14.340/22 (que acrescenta dispositivos à principal) e a 13.431/17 (que tipifica a alienação parental como uma das hipóteses de violências sofridas pela criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência) - e ainda há quem diga que "essas leis não protegem crianças e adolescentes"... Por extensão, se nenhuma lei federal pode afrontar a Constituição, uma Nota Técnica que afronta leis federais também afronta a Constituição. Se considerarmos que, pelo princípio da Legalidade, só podemos fazer ou deixar de fazer algo em virtude de LEI, então os psicólogos devem seguir as referidas leis federais. Comprova-se aqui, a necessidade de REVOGAÇÃO da Nota Técnica 04/22, por ser absolutamente ideológica e juridicamente inconstitucional.

Era o que eu pretendia expressar no artigo de hoje. Agradeço a atenção da leitura até aqui. Coloco-me à disposição para o debate saudável.

Até o próximo artigo!

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1 SILVA, D.M.P. Lei da Alienação Parental: o que mudou? Migalhas. Ribeirão Preto, 01/02/2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/380914/lei-da-alienacao-parental-o-que-mudou.

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Coord. PG Psic. Jur UNISA e UNIFOR. Prof. SEWELL/SECRIM. Colab. Comissões OAB/SP e "Leis & L.etras" Autora livros Psic. Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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