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Transação penal: Particularidades do instituto despenalizador cujo cumprimento é de "pena"

Lizandra Mansur Muzzi Duarte

Essa informação ao cliente e a análise da melhor resolução só demonstra a importância do bálsamo de uma defesa técnica qualificada nos atos pré-processuais e processuais de um agente cujo fato praticado tenha definição na lei penal.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Atualizado às 08:33

O instituto da Transação Penal tem por objetivo evitar a instauração do processo penal por meio de um acordo entre o titular da Ação Penal (Ministério Público ou Querelante) e o autor do fato delituoso. Para tanto, o acusado deve cumprir as exigências previstas no art. 76, da lei 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais - e deve cumprir, desde já, medidas restritivas de direito ou realizar o pagamento de multa em contrapartida ao não oferecimento da denúncia.

O momento procedimental adequado para o oferecimento da proposta de transação penal, portanto, é antes do recebimento da peça acusatória, quando inviabilizada a composição civil dos danos. Nos casos em que não realizada antes do início do processo, a circunstância de ele já estar em andamento não impede a efetivação do instituto consensual, como nos casos de desclassificação do crime ou reconhecimento de incompetência, quando, então, será oportunizada a formulação da proposta. Os pressupostos para a celebração da transação penal são 5, os quais falaremos a seguir, dando ênfase a cada um deles.

O primeiro pressuposto para a celebração do acordo é que a infração penal seja de menor potencial ofensivo, compreendidas as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima cominada seja de até 2 anos, cumulada ou não com multa. Nos casos em que uma infração de menor potencial ofensivo é praticada em conexão ou continência com outro crime, estabelecida a competência para julgamento fora do procedimento Sumaríssimo e, somadas as penas, ultrapassarem o limite estabelecido de 2 anos, os crimes devem ser analisados isoladamente, tal qual a prescrição, sendo possível a aplicação do instituto despenalizador em comento.

O segundo requisito, apesar de não tão observado na prática, é que a proposta deve ser oferecida quando não for o caso de arquivamento do termo circunstanciado. O que se percebe é que o Código de Processo Penal (CPP) e a Lei dos Juizados são omissos quanto ao tema, no entanto, para fins de arquivamento do termo, é cabível, por analogia, as hipóteses de não recebimento da peça acusatória e absolvição sumária previstas nos arts. 395 e 397 do CPP.

Não ter sido o autor da infração condenado à pena privativa de liberdade pela prática de crime é o terceiro pressuposto. Nesse caso, não são óbices, para o oferecimento da transação, as condenações à pena restritiva de direito ou multa pela prática de crime, nem a condenação pela prática de contravenção. No entanto, prevalece o entendimento de que a condenação definitiva pela prática de crime à pena privativa de liberdade, ainda que posterior ao fato delituoso, impede a transação, ainda que, para análise das circunstâncias objetivas e subjetivas, deva-se levar em conta o momento do fato delituoso.

Quarto e quinto requisitos consignam que o agente não tenha sido beneficiado anteriormente por esse instituto, contado o prazo de 5 anos, pois, dentro desse prazo, não se pode obter nova proposta; e que os antecedentes, conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e circunstâncias do delito sejam favoráveis, pois, caso contrário, não seria adequada a aplicação da transação penal.

Nos crimes ambientais, ainda há um sexto pressuposto, pois, de acordo com o art. 27 da lei 9.605/98 C/C art. 74 da lei 9.099/95, nos casos de crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta da transação somente poderá ser formulada quando realizado o prévio compromisso formal de reparar o dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

Passado o momento de análise dos requisitos, importante destacar que a transação penal pode ser oferecida oralmente ou por escrito e deve trazer de maneira pormenorizada as penas restritivas de direitos ou multa consistente da medida. É possível, ainda, que a proposta seja oferecida apenas em relação a um dos envolvidos quando nos casos de concurso de agentes, e, caso aceita, seus efeitos não se estendem aos demais.

Após a apreciação do autor, no caso de não ser aceita, haverá o consequente prosseguimento do feito. Do contrário, quando aceita a proposta, essa será submetida à apreciação do juiz, que avaliará sua legalidade e a homologará.

A decisão homologatória da transação penal não gera reincidência, nem reconhecimento de culpabilidade, tampouco efeitos civis ou administrativos, sendo registrada apenas para impedir a fruição do mesmo benefício dentro do prazo de 5 anos. Ainda assim, não há consenso em relação à sua natureza jurídica, se possui natureza declaratória, que é o entendimento que prevalece, ou de decisão constitutiva ou até de decisão condenatória imprópria, visto que há uma obrigação ao autor do fato de cumprir uma espécie de sanção penal, embora não reconhecidos seus efeitos secundários de sentença condenatória.

Diante de todo o procedimento descrito e da carga jurídica de seu entorno, dúvida não resta de que a preocupação maior que assola o polo passivo da demanda é de que, aceitando o acordo, a parte estaria "assinando" sua confissão, o que é uma inverdade. Muitas das vezes, também, as transações são aceitas por receio de responder a um processo penal, cuja mácula ainda se faz presente.

No entanto, conforme já dito, nem sempre são feitas corretamente as análises dos casos de arquivamento e viabilidade da ação penal previamente à proposta do instituto, e o que se percebe é a submissão à aplicação imediata de pena a quem sequer seria alvo de processo por ausência de elementos mínimos.

Por outro lado, realizada a referida análise e concluindo pela benesse do instituto, em que pese o cumprimento de penas restritivas de direito ou multa, cabe ao advogado informar e tranquilizar o seu cliente acerca do cumprimento de medida e não da pena em si, quando assim lhe for favorável. Essa informação ao cliente e a análise da melhor resolução só demonstra a importância do bálsamo de uma defesa técnica qualificada nos atos pré-processuais e processuais de um agente cujo fato praticado tenha definição na lei penal.

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DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 3ª Edição. Bahia: Editora JusPODIVM, 2015.

BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 26 de setembro de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

BRASIL. Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, em 3 de outubro de 1941; 120º da Independência e 53º da República.

BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.

Lizandra Mansur Muzzi Duarte

Lizandra Mansur Muzzi Duarte

Advogada.

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