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O comunicado CGJ 2501/21 e a qualidade da entrevista prévia de avaliação em depoimento especial (DE)

Neste artigo, venho trazer uma informação que descobri posteriormente à redação de um artigo, em que vivenciei uma situação semelhante à que retratei naquele artigo.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Atualizado às 14:26

Olá colegas Migalheiros!

Neste artigo, venho trazer uma informação que descobri posteriormente à redação de um artigo, em que vivenciei uma situação semelhante à que retratei naquele artigo.

Lembram-se quando em falei, em outro artigo1, que, enquanto assistente técnica, estava frequentemente me deparando com casos em que o psicólogo convocado judicialmente a realizar o Depoimento Especial (DE) de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência, não fazia nenhuma avaliação psicológica de personalidade, memória, inteligência, atenção, vínculos familiares, etc., e já fazia indevidamente os quesitos em entrevista prévia, "treinando" a criança para o DE, emitindo relatórios sob critério de "aptidão" (???) de que "a criança sabe contar direitinho o relato de abuso"?

Pois é. Além de todas as impropriedades desse procedimento, que descrevo naquele artigo, descobri outro argumento que desconstrói tal procedimento, dessa vez genuinamente legal: quando o psicólogo age dessa forma, além de desviar sua função para se tornar mero "produtor de provas", sem compreender o contexto da acusação e avaliar sua veracidade, autenticidade e credibilidade, está também violando um Comunicado da Corregedoria de Justiça 2501/212, que determina os critérios e procedimentos para realização da entrevista prévia como parte integrante do DE, nos seguintes termos:

(...)

VII. DEPOIMENTO ESPECIAL - DINÂMICA:

  1. designação de audiência para tomada de depoimento especial deve ser precedida de nomeação de defensor à criança/ ao adolescente e de prazo para que as partes formulem quesitos referentes à avaliação técnica da criança ou do adolescente (não se trata de perguntas ou questões a serem dirigidas à criança);
  2. a designação de audiência para tomada de depoimento especial será feita em harmonia com a pauta dos profissionais da equipe técnica, com antecedência suficiente para aproximação da equipe técnica com a criança e/ou o adolescente e sua família, desde logo liberado acesso aos autos para consulta pelos técnicos;
  3. o depoimento especial deve seguir os protocolos científicos (art. 12, lei 13.341/17):
  • entrevistas preliminares de avaliação da família e da criança e/ou do adolescente a cargo dos profissionais da equipe técnica;
  • fase de rapport (estabelecimento de vínculo entre o técnico e a criança e/ou o adolescente).
  • no dia marcado para o depoimento:

> abrir oportunidade para que criança e/ou adolescente conheça a sala de audiência e as pessoas que assistirão o depoimento;

> o depoimento deve ser feito segundo a técnica de relato livre;

> perguntas de esclarecimento feitas pelo técnico;

> intervalo, durante o qual o Magistrado colhe perguntas das partes, avalia-as sob o aspecto jurídico e psicossocial em colaboração com a equipe técnica e as repassa, em bloco, para serem formuladas livremente pelo técnico;

> fechamento;

> abertura de prazo para apresentação do laudo final pela equipe técnica.

Portanto, a entrevista preliminar precede a audiência para tomada de depoimento especial. Trata-se de uma fase de rapport (estabelecimento de vínculo entre o técnico e a criança e/ou o adolescente), ato preparatório no qual os profissionais especializados esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais (art. 12, inciso I, da lei 13431/17).

O trabalho de contato prévio do corpo técnico do juízo com criança é um ato preparatório ao depoimento especial, de modo a aproximar e familiarizar a criança com o psicólogo do juízo e com o procedimento do depoimento especial.

Durante esse atendimento, o psicólogo e assistente social não entram a fundo na questão de mérito da causa. No relatório, a equipe explora percepções da criança e de seu núcleo familiar, e verifica se a infante tem condições de prestar depoimento especial.

A entrevista preliminar realizada pela Setor Técnico com a criança não adentra a fundo o mérito da causa, nele não há previsão de participação de defesa, assistência, Juízo ou MP e a ausência destes não traz nenhum prejuízo nem ao julgamento nem a nenhum dos acusados, visto que o pré-atendimento é ato preparatório para o depoimento especial, a qual será realizado em data diversa, com participação do juízo, Ministério Público, réu e Defesa, assegurada a ampla defesa e contraditório, inclusive com indicação de assistente técnico para acompanhamento.

Em outro caso semelhante, em outra comarca, o psicólogo designado para realizar a entrevista prévia me tranquilizou, disse que faria outros procedimentos lúdicos com a criança para avalia-la previamente, e por fim constatou que a criança não teria condições de participar do DE.

Quando o primeiro psicólogo de Santo André entrevistou a criança conforme os quesitos do MP, "contaminou" completamente a prova, influenciou o desempenho da criança para o DE, "treinou" as respostas da criança, além de revitimizá-la, pois repetiu os mesmos procedimentos no dia do DE. Para esse profissional inepto, aptidão para participar do DE significou: "saber se a criança sabe contar direitinho o relato do abuso físico sofrido pelo pai", não fez uma avaliação psicológica nos termos da Resolução 31/22 (que revogou a anterior, 09/18), desviando sua finalidade para "produtor de provas" e transformou a criança em "testemunha de acusação".

No segundo caso, ocorrido na comarca de Hortolândia, o psicólogo realizou outros procedimentos que constataram a inviabilidade da participação da criança no DE, sem adentar no mérito da acusação de violência sexual, em que constatou que: "(...) indica dificuldades de compreensão espaço/temporal não sendo capaz de identificar onde mora, onde estuda, onde está (se é perto ou longe de casa, quanto tempo demora, etc), da mesma forma não consegue determinar horários (se estuda pela manhã ou tarde, os horários de alimentação, de dormir ou acordar, identificando apenas se é dia ou noite). Evidencia-se, também, dificuldades em relação à memória, não identificando marcadores como o dia do aniversário, início das aulas, nome de professores, atividades de final de semana, o que indica dificuldades quanto a fixação e evocação." Essa é a diferença fundamental entre um trabalho idôneo e o inepto (de Santo André). E, sendo ambos profissionais do Judiciário, têm obrigação de conhecer o referido Comunicado o CGJ, enquanto eu, como assistente técnica, vim a tomar conhecimento posteriormente, por despacho judicial do processo do meu cliente em Hortolândia.

Reitero aqui a importância de que o psicólogo convocado pelo Judiciário a realizar o DE faça uma avaliação psicológica durante a entrevista prévia, com instrumentos validados e reconhecidos pelo SATEPSI-CFP que ponderem: aspectos da personalidade, processos cognitivos, vínculos afetivos da criança com todos os membros e com a pessoa acusada (atenção que, no Comunicado, quando fala em "(...) entrevistas preliminares de avaliação da família e da criança e/ou do adolescente a cargo dos profissionais da equipe técnica; (...)" não está excluindo a pessoa acusada, fazendo ou não parte do círculo familiar, então nada justificaria o profissional excluí-lo da lista de entrevistados e avaliados na Entrevista Prévia ao DE.

Era o que eu queria manifestar neste artigo, alertando os advogados que acompanham casos de DE que não aceitem entrevistas prévias em que o psicólogo formule os quesitos, sem avaliação psicológica das pessoas envolvidas, pois isso enviesa a qualidade do procedimento.

Agradeço a atenção e me disponibilizo ao debate saudável.

Até o próximo artigo!

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1 SILVA, D M.P. Lei da Alienação Parental: o que mudou? Migalhas, Ribeirão Preto, 01/02/2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/380914/lei-da-alienacao-parental-o-que-mudou.

2 COMUNICADO CONJUNTO Nº 2501/2021 - CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA E COORDENADORIA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em: https://www.aasptjsp.net.br/2021/11/24/comunicado-conjunto-no-2501-2021-corregedoria-geral-da-justica-e-coordenadoria-da-infancia-e-da-juventude-do-tribunal-de-justica-do-estado-de-sao-paulo.

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Coord. PG Psic. Jur UNISA e UNIFOR. Prof. SEWELL/SECRIM. Colab. Comissões OAB/SP e "Leis & L.etras" Autora livros Psic. Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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