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Formas de transferência das quotas após a constituição da holding familiar

Neste artigo, exploro os aspectos legais, benefícios e desvantagens de cada modalidade de transferência de quotas em uma holding familiar.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

Atualizado às 14:55

Grosso modo, a holding familiar é uma ferramenta de planejamento patrimonial e sucessório, voltada à organização e manutenção do patrimônio de uma família, mediante a constituição de uma pessoa jurídica voltada à consecução dos interesses de seus membros.

Por ser uma sociedade, necessariamente é composta por um capital social, correspondente ao valor de todos os bens pertencentes e integralizados na pessoa jurídica, cujo valor total é subdividido em quotas: bens que garantem o direito de voto, de fiscalização, de participar dos lucros, entre outros.

Se um dos interesses de uma família é evitar a sucessão, por exemplo, o patriarca e/ou matriarca, por deterem quotas de uma empresa, no caso, a holding, terão de cedê-las aos filhos.

Quem tem quotas é proprietário delas. E como se trata de obrigação prevista em lei o inventário de qualquer pessoa que tenha bens em seu nome, deve-se transferir tal propriedade antes do falecimento. Do contrário, a finalidade pretendida no momento do planejamento familiar não será concretizada.

Não existe uma forma melhor ou pior de se fazer a cessão, porque tudo depende das circunstâncias e necessidades da família. Partindo disso, cabe-lhe decidir o modo de transmissão das quotas. Vejamos, então, a seguir, as formas de cessão de quotas.

Compra e venda de quotas (transferência onerosa)

É permitida a compra de quotas pertencentes aos pais, pelos filhos. Mas, para que o negócio seja efetivado, existem algumas limitações previstas em lei.

Há a necessidade de autorização dos demais filhos e do cônjuge do vendedor a venda de bem entre o patriarca ou matriarca e um dos filhos, sob pena de o negócio ser anulado pela justiça.

Salvo se existir alguma deliberação no contrato social, no sentido de liminar ou ampliar o direito de cessão, o sócio pode ceder livremente a sua quota, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

Caso a holding seja composta por um único sócio, o parágrafo acima não tem utilidade prática. Mas fica a ressalva quando for composta por dois ou mais sócios.

A cessão é formada por um instrumento de cessão de quotas. Nesse documento constarão todas as cláusulas da compra e venda. Também há a possibilidade de a cessão ser elaborada na forma de alteração do contrato social. E para que o negócio produza efeitos, deverá ser registrado na Junta Comercial competente, no domicílio da holding.

Ainda, quem cede as quotas (cedente) poderá responder de forma solidária com quem recebe (cessionário) as quotas pelo período de 2 anos contados da averbação da modificação do contrato social, por todas as obrigações que tinha até o momento. É recomendável, assim, que a averbação seja realizada.

Lembro que as partes devem declarar a compra e venda de quotas em sua próxima declaração de Imposto de Renda, além de recolher o respectivo imposto.

Feita essa exposição geral a respeito da compra e venda de quotas, caso a família opte por esse modo de cessão, quais seriam as consequências?

Partindo da premissa de que a família pretenda a segurança patrimonial perante terceiros, o controle dos bens e da sociedade e evitar a sucessão por inventário, feita essa exposição geral a respeito da compra e venda de quotas, caso a família opte por esse modo de cessão, quais seriam as consequências?

Podemos verificar que existe uma burocracia a mais nos casos de compra e venda de quotas, tendo em vista a exigência de que terceiros autorizem a efetivação do negócio. Assim, vão existir custos a mais, mesmo que seja somente tempo, para a coleta das autorizações.

Outro risco existente é o de simulação da cessão de quotas. Imagine que um filho pretenda adquirir as quotas da holding, mas não tem recursos financeiros para fazê-lo. Se a família auxiliá-lo na compra e venda, o Fisco irá caracterizar o negócio como se fosse uma doação, o que enseja a cobrança do ITCMD e multas pela fraude tributária.

Sem contar na possibilidade de ficar caracterizada a ocultação de patrimônio no imposto de renda, pois os valores utilizados pelo filho nunca foram declarados. E também na chance de o Fisco entender que as quotas possuem valor de mercado maior do que o valor nominal das quotas previsto no contrato social. Sobre essa diferença de valores acaba incidindo o ITCMD.

Por se tratar de uma cessão onerosa, quem recebe as quotas arca com recursos próprios para a sua aquisição, de modo que o bem será comunicado no casamento, a depender do regime de bens estabelecido pelo filho e o cônjuge. Há, portanto, o risco de comunicação do patrimônio com terceiros, o que enseja prejuízos à familia num eventual divórcio, uma vez necessária a partilha dessas quotas sociais.

Ainda, o patriarca ou matriarca cedentes das quotas não vão poder gravar os bens com cláusulas restritivas, como as de incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversibilidade, cuja possibilidade existe na doação de bens, justamente por se tratar de um contrassenso: ninguém vende bens para manter o controle sobre eles.

É possível ao cedente instituir o usufruto das quotas e vender aos herdeiros somente a nua-propriedade, de forma a preservar a si o poder político sobre os frutos. Fica o questionamento, porém, dentro do planejamento elaborado pela família, se vale a pena a compra e venda de quotas, uma vez que, segundo as necessidades comuns do mercado, pode apresentar mais desvantagens do que vantagens, conforme o planejamento elaborado por determinada família.

Doação de quotas (transferência gratuita)

Constituída a holding, os patriarcas podem optar pela antecipação da herança legítima, bem como pela transferência da parte disponível de seu patrimônio, mediante a doação das quotas aos filhos, reservando para si o usufruto.

Efetuada a doação, os filhos passam a ser os nu-proprietários das quotas, ao passo que os patriarcas reservam para si o usufruto dessas quotas, possibilitando-lhes o direito de obter os frutos decorrentes da atividade, sem prejuízo de serem inseridas, no contrato social, cláusulas reguladoras do direito de voto e administração.

Os direitos do usufrutuário recaem somente sobre os frutos. Se o intuito do patriarca é permanecer com o direito a voto, tal fato deve constar na escritura de doação das ações, bem como no acordo de sócios, pois a possibilidade do usufrutuário consumir o principal só fica prevista mediante regras claras.

Em regra, existe o intuito de proteger o patrimônio da interferência de terceiros. Por isso, a doação pode ser gravada com cláusulas restritivas: incomunicabilidade, inalienabilidade, impenhorabilidade e reversibilidade.

Especificamente, a incomunicabilidade pode estender-se aos frutos decorrentes da atividade empresarial exercida.

Vale ressaltar que, como a legítima é um direito constitucional, no caso de doação de legítima, existe um entendimento do STJ no sentido de que o art. 1.848 do CC aplica-se igualmente à doação.

Ou seja, no caso de inserir cláusulas restritivas na doação da legítima, deve existir justa causa para as imposições, sob pena de não produzirem efeitos.

As quotas são bens móveis e, por se tratar de doação, incide ITCMD, cuja alíquota varia conforme o Estado onde a doação será efetivada.

Como desvantagem, ao doar a nua-propriedade de um imóvel, o doador, no caso, o patriarca, tem a desvantagem de perder a prerrogativa de aliená-lo sem a anuência expressa do nu-proprietário, o filho.

No meu ponto de vista, é a modalidade de transferência de quotas mais vantajosa, tendo em vista as cláusulas restritivas apontadas acima, que se prestam a resguardar os interesses familiares ao passar das gerações.

Sobre a possibilidade de inserção de cláusula de transferência automática de quotas

Partindo da premissa de que muitas pessoas não querem passar pelo processo de inventário nem arcar com a carga tributária dos bens sobre os bens a inventariar, os juristas inventam, dentro de suas possibilidades, novas formas de solucionar as necessidades apresentadas por seus clientes.

Uma dessas possibilidades é a polêmica cláusula de transferência automática de quotas após o falecimento dos patriarcas, diretamente aos filhos. Deste modo, elabora-se uma disposição no contrato social, com base no art. 1028, I e III, do Código Civil. Essa possibilidade, aliás, foi ratificada no Recurso ao DREI 14022.116144/2022-57.

Vejamos o seguinte: se uma pessoa falece com bens em seu nome, é aberta a sucessão de modo imediato. A partir desse momento, transmite-se a herança como um todo unitário aos herdeiros legítimos, no caso de sucessão legal, e testamentários, quando a sucessão regular-se por disposição de última vontade. Trata-se de aplicação simples do princípio da saisine, sem muitas novidades.

Também é certo que a herança é direito constitucional, sendo vedada qualquer negociação a respeito de herança de pessoa viva. Além disso, em decorrência de sua natureza jurídica, tem primazia à autonomia privada, especialmente porque cria limitações à negociação de quinhões e à disposição por testamento e doação, por exemplo.

Se essas são as regras principiológicas do direito sucessório, e pelo fato de todos os bens, antes da partilha, pertencerem ao espólio, não há como uma cláusula societária determinar como se dará a transferência das quotas.

Aliás, sequer é possível dizer que se trata de uma "disposição de última vontade". Para tanto, a lei prevê o testamento, cuja elaboração, aliás, é personalíssima.

Então, suponhamos que uma pessoa tenha quotas em seu nome e preveja, no contrato social de sua holding, uma cláusula de transmissão automática de quotas aos filhos.

De pronto, o "negócio" pode ser considerado inexistente na ordem jurídica, por inobservância da forma para a transmissão de herança.

Mas como o DREI entendeu pela possibilidade de tal cláusula, poderíamos pensar na incidência do art. 116, parágrafo único, do CTN, no sentido de que o Fisco poderá desconsiderar atos praticados com o fim de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo, uma vez que tal cláusula poderia representar uma forma de evitar a tributação do ITCMD.

Vamos além. Caso as quotas sejam transferidas independentemente de partilha, o direito de propriedade e posse dessa quota é indivisível e regulado pelas regras do condomínio.

Cada quota é considerada como um bem individual.

Segundo o art. 1056 do Código Civil, a quota é indivisível em relação à sociedade. Em sequência, o parágrafo primeiro prevê que, no caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido.

Se estamos falando de bem em nome de falecido, deve haver inventário. Mas se não existe inventário aberto, quem será o responsável pelas deliberações sociais?

Esse ponto é fundamental, porque se há o intuito de facilitar a transmissão das quotas, por outro lado, cria-se um embaraço considerável à administração da sociedade.

E por que um contrato social faria uma previsão de transmissão automática, de modo a evitar o inventário, mas ao mesmo tempo determinaria um responsável pelas deliberações sociais, que seria, no caso, o inventariante? A cláusula, em seus termos, seria contraditória com sua própria finalidade.

Fato é que o inventário é uma obrigação legal, pois, para além de ser o meio para a partilha de bens deixados, aos respectivos herdeiros necessários, se presta, ainda, à proteção do direito de terceiros quanto às obrigações contraídas pelo falecido, além de servir para a arrecadação do Estado onde será aberta a sucessão.

Enquanto participantes da ordem jurídica, podemos questionar a sua demora, o seu custo e sua viabilidade. Nem sempre será possível evitar o inventário, mas é possível, no mínimo, planejá-lo. Isso já é suficiente para evitar transtornos futuros, numa eventual necessidade de sua abertura.

Ressalto, por fim, que se o objetivo é evitar a sucessão pelo processo de inventário, os bens dos pais precisam ser transferidos aos filhos, ainda em vida.

Conclusão

O planejamento sucessório oferece uma série de ferramentas para a organização patrimonial de uma família. Apesar dos anseios pela busca de benefícios fiscais, dispensa de inventário e proteção, segurança e controle patrimoniais, não podemos nos esquecer do básico: a observância às regras do jogo.

Leonardo Scholl

Leonardo Scholl

Advogado inscrito na OAB/PR nº 111.921, atuante em inventários e no planejamento sucessório básico e complexo.

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