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A autonomia das pessoas jurídicas para segregação de riscos operacionais e proteção patrimonial

O planejamento patrimonial é uma ferramenta essencial para proteger o patrimônio do empresário, especialmente aquele que tem contratos com a administração pública.

domingo, 2 de julho de 2023

Atualizado em 4 de julho de 2023 13:13

Empresários, de um modo geral, estão sujeitos a diversos riscos que podem afetar seu patrimônio. Afinal, o risco será sempre inerente ao exercício da atividade empresarial. Mas, para os empresários contratantes com a administração pública em procedimentos de licitação, estes riscos são ainda maiores: indefinição quanto à contratação/assinatura de contrato, demora excessiva nos pagamentos, suspensões não programadas, rescisões inesperadas etc. Essa triste realidade brasileira pode gerar efeitos nefastos ao exercício da atividade empresarial deste ramo, implicando na demissão de funcionário em razão do atraso no pagamento, não pagamento de tributos, perda da certidão negativa de débitos fiscais, entre outras.

Tal situação pode ocasionar, ao fim, execuções fiscais e trabalhistas que de fato ameaçam não só o patrimônio da empresa, mas o patrimônio pessoal dos sócios, com penhoras, indisponibilidades de imóveis e bloqueios de conta bancárias.

Neste artigo, vamos abordar a razão pela qual o empresário deve fazer um planejamento patrimonial e como a Holding Familiar pode ser uma ferramenta eficaz para proteger seu patrimônio.

Por que o empresário deve fazer um planejamento patrimonial?

Todo empresário está sujeito a diversos riscos que podem afetar seu patrimônio, como processos trabalhistas, fiscais e cíveis, além de problemas com fornecedores e clientes. Seja ele baixo, médio ou alto, o risco é inerente ao exercício da atividade empresarial no setor de serviços ou comércio de mercadorias. O empresário que não está disposto a correr riscos e sair da zona de conforto terá dificuldades em escalar seu negócio e/ou promover grande crescimento da sua empresa.

Dito isso, é importante que o empresário promova a segregação de riscos do seu negócio, separando-o dos seus ativos de não risco, que é justamente o seu patrimônio conquistado pelo árduo trabalho. O planejamento patrimonial é, portanto, a ferramenta que empresta segurança e estabilidade que tanto o empresário busca.

Para os empresários que têm contratos com a administração pública, o planejamento patrimonial é ainda mais importante. Isso porque, em caso de problemas com a administração pública, o empresário pode ser responsabilizado pessoalmente pelos prejuízos causados e está sujeito a multas impostas pelos Tribunais de Contas, bem como pode ser réu em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público. Nesse caso, o patrimônio pessoal do empresário pode ser utilizado para pagar as dívidas, o que pode levar à perda de bens e até mesmo à falência.

Com o planejamento patrimonial, o empresário pode proteger seu patrimônio pessoal e garantir a continuidade do negócio, mesmo em caso de problemas com a administração pública. Além disso, o planejamento patrimonial permite uma gestão mais eficiente do patrimônio, o que pode resultar em benefícios financeiros significativos para o empresário e sua família.

Por isso, é necessário que o empresário faça um planejamento patrimonial para proteger seus bens e garantir a continuidade de seus negócios, adotando medidas preventivas para proteger o seu patrimônio com a criação de uma Holding Patrimonial, sucessão de ativos financeiros, empresas offshore, estruturas em trusts, entre outras.

A Holding Familiar é uma das ferramentas mais eficazes para proteger o patrimônio do empresário. Trata-se de uma empresa que tem como objetivo gerir os bens e investimentos da família, protegendo-os de eventuais riscos e garantindo a continuidade dos negócios em caso de morte ou incapacidade do empresário.

Da legalidade da constituição de sociedade autônoma com a finalidade de segregação de riscos e proteção do patrimônio do empresário.

A Holding nada mais é que uma empresa limitada que, além de ser proprietária dos imóveis da família, pode deter a maioria das ações das empresas do grupo familiar.

Em que pese já ser uma realidade antes mesmo de sua edição, a lei da Liberdade Econômica (lei 13.874, de 20 de setembro de 2019) trouxe importantes modificações no Código Civil, principalmente em relação à autonomia da pessoa jurídica e enrijecimento das possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica com objetivo de atingir os bens particulares de seus sócios.

Para muitos isso ainda é uma novidade, mas a partir da alteração trazida pela lei da Liberdade Econômica o legislador previu expressamente a possibilidade de o empresário utilizar uma pessoa jurídica para fins de alocação e segregação de riscos, conforme prevê o parágrafo único do art. 49-A, do Código Civil:

Art. 49-A.  A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

Outra importante alteração do Código Civil se deu na reformulação quase que completo ao art. 50, que trata das possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica diante de certas e terminadas relações de obrigações, restringindo e emprestando definições objetivas importantes que autorizam o Poder Judiciário a promover este instituto:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela lei 13.874, de 2019)

§1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)

§2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela lei 13.874, de 2019)

  1. cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
  2. transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela lei 3.874, de 2019)
  3. outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)

§3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)

§4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)

§5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)

Em outras palavras, a partir de 2019 ficou mais claro que o empresário pode constituir diferentes empresas com o fim de alocar patrimônio e segregar riscos da sua atividade operacional e que esta estratégia está mais protegida contra o instituto (que é exceção no ordenamento jurídico) da desconsideração da personalidade jurídica.

Dessa forma, os bens e investimentos do empresário são transferidos para a Holding Familiar, que passa a ser a proprietária desses bens. Assim, em caso de processos trabalhistas, fiscais ou cíveis cujo fato gerador tenha ocorrido após a constituição dessa sociedade, os bens da Holding Familiar não podem ser atingidos, protegendo o patrimônio do empresário. Desta forma, estando o patrimônio pessoal do empresário separado do patrimônio da empresa, é possível atingir uma maior proteção em caso de problemas financeiros ou jurídicos.

Inclusive, em casos específicos, também é possível estender à pessoa jurídica a proteção de impenhorabilidade do bem de família estatuído pela lei 8.009/90, como ocorreu com o recente julgamento do Recurso Especial 1.514.567/SP, relatado pela Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, assim ementado:

CIVIL. PENHORA DAS QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA. EMPRESA FAMILIAR. IMÓVEL PERTENCENTE À PESSOA JURÍDICA ONDE SE ALEGA RESIDIREM OS ÚNICOS SÓCIOS. PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA PATRIMONIAL E DA INTEGRIDADE DO CAPITAL SOCIAL. ART. 789 DO CPC. ARTS. 49-A, 1.024, 1055 E 1059 DO CÓDIGO CIVIL. CONFUSÃO PATRIMONIAL. DESCONSIDERAÇÃO POSITIVA DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA PROTEÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. LEI 8.009/90.

  1. A autonomia patrimonial da sociedade, princípio basilar do direito societário, configura via de mão dupla, de modo a proteger, nos termos da legislação de regência, o patrimônio dos sócios e da própria pessoa jurídica (e seus eventuais credores).
  2. "A impenhorabilidade da lei 8.009/90, ainda que tenha como destinatários as pessoas físicas, merece ser aplicada a certas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às pequenas empresas com conotação familiar, por exemplo, por haver identidade de patrimônios." (FACHIN, Luiz Edson. "Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo", Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 154).
  3. A desconsideração parcial da personalidade da empresa proprietária para a subtração do imóvel de moradia do sócio do patrimônio social apto a responder pelas obrigações sociais deve ocorrer em situações particulares, quando evidenciada confusão entre o patrimônio da empresa familiar e o patrimônio pessoal dos sócios.
  4. Impõe-se também a demonstração da boa-fé do sócio morador, que se infere de circunstâncias a serem aferidas caso a caso, como ser o imóvel de residência habitual da família, desde antes do vencimento da dívida.
  5. Havendo desconsideração da personalidade em proveito de sócio morador de imóvel de titularidade da sociedade, haverá, na prática, desfalque do patrimônio social garantidor do cumprimento das obrigações da pessoa jurídica e, portanto, sendo a desconsideração via de mão dupla, poderão ser executados bens pessoais dos sócios até o limite do valor de mercado do bem subtraído à execução, independentemente do preenchimento de requisitos como má-fé e desvio de finalidade previstos no caput do art. 50 do Código Civil. A confusão patrimonial entre a sociedade familiar e o sócio morador, base para o benefício, será igualmente o fundamento para a eventual excussão de bens particulares dos sócios.
  6. Recurso especial provido para o retorno dos autos à origem, onde deve ser apreciada a prova dos autos a respeito da alegação de residência dos sócios da empresa devedora no imóvel.

Além disso, a Holding Familiar também pode ser uma ferramenta eficaz para a sucessão empresarial e patrimonial. Em caso de morte ou incapacidade do empresário, a Holding Familiar garante a continuidade dos negócios, evitando conflitos entre os herdeiros e garantindo a gestão profissional da empresa, que continuará a gerar riqueza em favor da família e evitará a necessidade de abertura de inventário daqueles bens que já foram incorporados à sociedade.

Aliás, é necessário esclarecer que, em regra quando o empresário falece, as quotas sociais que estejam em seu nome necessariamente devem ser objeto de inventário, não existindo a possibilidade de serem automaticamente transferidas para seus herdeiros, nem mesmo em caso de previsão em cláusula descrita no contrato social. Esta era uma prática comum, que tentava driblar, sem êxito, a necessidade de abertura de inventário e o recolhimento do imposto sobre a herança.

Outra vantagem da Holding Familiar é a possibilidade de planejamento tributário. Por meio da Holding, é possível reduzir a carga tributária sobre os bens e investimentos do empresário, aumentando a rentabilidade dos negócios e protegendo o patrimônio.

Isso ocorre, pois, realizando o planejamento sucessório dentro da Holding Familiar, é possível se prevenir quanto ao aumento do imposto sobre a herança (ITCMD), além de ter uma gestão tributária mais barata em locações e vendas de imóveis.

Para fazer um planejamento patrimonial eficaz, é importante contar com a ajuda de profissionais especializados, como advogados e contadores. Eles podem orientar o empresário na escolha das ferramentas mais adequadas para proteger seu patrimônio e garantir a continuidade dos negócios.

Algumas das medidas que podem ser adotadas no planejamento patrimonial incluem:

  • Criação de uma Holding Familiar: como já mencionado, a Holding Familiar é uma das ferramentas mais eficazes para proteger o patrimônio do empresário.
  • Constituição de Sociedade de Participação: a constituição de uma sociedade limitada pode ser uma forma de proteger o patrimônio do empresário, já que, além de a responsabilidade dos sócios ser limitada ao valor de suas cotas, acrescenta uma segunda camada de proteção ao patrimônio.
  • Seguro de responsabilidade civil: o seguro de responsabilidade civil pode proteger o empresário em caso de processos trabalhistas, fiscais ou cíveis.
  • Planejamento tributário: o planejamento tributário pode ser uma forma de reduzir a carga tributária sobre os bens e investimentos do empresário, aumentando a rentabilidade dos negócios e protegendo o patrimônio.
  • Seguro de vida: o seguro de vida é uma excelente ferramenta de planejamento patrimonial, tendo em vista sua característica de impenhorabilidade, além de não sofrer tributação sobre a herança, tampouco de imposto de renda. É excelente para fazer o carregamento de valore mobiliários para dentro da holding patrimonial.

Em um mercado cada vez mais competitivo e complexo, o planejamento patrimonial se torna uma ferramenta essencial para garantir a segurança financeira do empresário e sua família. Por isso, é importante que o empresário esteja sempre atento às melhores práticas de gestão patrimonial e busque orientação de profissionais especializados para garantir o sucesso do negócio e a proteção do seu patrimônio pessoal. Com o planejamento patrimonial adequado, o empresário pode ter a tranquilidade de saber que seu patrimônio está protegido e que sua família está segura financeiramente, mesmo em caso de problemas com a administração pública ou outros imprevistos.

Nesse sentido, o planejamento patrimonial é uma ferramenta essencial para proteger o patrimônio do empresário, especialmente aquele que tem contratos com a administração pública. Através da criação de uma holding familiar e de estratégias de gestão eficientes, é possível reduzir os riscos e maximizar os ganhos, garantindo a segurança financeira da família e do negócio. Além disso, o planejamento patrimonial pode trazer benefícios fiscais e evitar conflitos na sucessão empresarial.

Por fim, é importante destacar que o planejamento patrimonial deve ser visto como um investimento a longo prazo. Embora possa exigir um investimento inicial significativo, os benefícios a longo prazo podem ser enormes, garantindo a segurança financeira da família e a continuidade do negócio por muitos anos.

Portanto, se você é um empresário, especialmente aquele que tem contratos com a administração pública, não deixe de considerar o planejamento patrimonial como uma ferramenta essencial para proteger seu patrimônio e garantir a continuidade do negócio. 

Luiz Augusto Blasch

Luiz Augusto Blasch

Advogado especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório e Proteção e Planejamento Patrimonial Internacional. Membro do IBDFAM, da Comissão de Holding Familiar OAB/AM e CFO do BBH Advogados.

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