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Princípio da boa-fé objetiva: Uma análise jurídica às alterações introduzidas pela lei 13.874/19

Gabriella Rezende Duarte

Isso é importante para estimular a atividade econômica e fomentar a livre iniciativa no país, sem comprometer a segurança jurídica ou a equidade entre as partes.

sábado, 1 de julho de 2023

Atualizado em 30 de junho de 2023 16:39

1. Introdução

A boa-fé objetiva é um princípio fundamental do Direito Contratual brasileiro, que tem como objetivo garantir a lealdade, honestidade e transparência nas relações contratuais. Com a aprovação da Lei de Liberdade Econômica, a boa-fé objetiva ganhou ainda mais relevância no ordenamento jurídico brasileiro. Neste artigo, discutiremos a importância da boa-fé objetiva e sua relação com a lei da Liberdade Econômica.

1.2. Da validade dos contratos celebrados inter partes-elementos objetivos, subjetivos, formais e principiológicos

É sabido que os negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais, quais sejam, os contratos, possuem requisitos legais, inerentes de regras e princípios contidos em nosso ordenamento jurídico para que possam existir e torna-los válidos.

Os contratos decorrem de negócios jurídicos que vinculam as partes a fim de regular interesses advindos de relações jurídicas de natureza patrimonial, como por exemplo o vínculo que une credor e devedor com vistas a determinada prestação.

O ser humano é um ser gregário, condicionado a conviver com os seus semelhantes para que viabilize a sua sobrevivência, em vista da impossibilidade de viver sozinho. A vida em sociedade possibilita a troca de experiências e conhecimentos, para sanar as suas necessidades físicas, psíquicas e biológicas. Para tanto, a humanidade evoluiu sua relação no meio social começando a negociar, ao passo que daí surgiram transações como a troca, a doação e o empréstimo.

Para a validade e plena eficácia dos contratos, no momento de sua celebração deverão ser observados os elementos contratuais concernentes ao ato, sendo eles o objeto do contrato, o preço convencionado e o acordo entre as partes. Ou seja, para que o contrato aconteça e seja executado é necessário ter um objeto e uma contraprestação, no caso de contratos onerosos, convencionados linearmente com os interesses demonstrados pelas partes.

Para que o contrato seja válido e possa produzir efeitos, deverão ser observados requisitos objetivos, subjetivos e formais, sendo que a não observância das referidas condições em sua integralidade, vicia o negócio jurídico o tornando inválido, sem efeito, com o risco de ser declarado nulo ou anulável.

Por outro lado, o nosso ordenamento jurídico conta ainda com o auxílio dos princípios legalmente previstos e direcionados pela Constituição Federal de 1988 e também pelo Código Civil de 2002, nos quais possibilitam a interpretação, compreensão e elaboração dos contratos, entregando uma maior segurança as partes contratantes. Os princípios da função social do contrato, da relatividade e da boa-fé, são os que mais se destacam para reger os contratos, portanto, são basilares para a celebração destes.

O objetivo final do contrato é o adimplemento, no entanto, este deverá ser ponderado, para impedir a disparidade em relação à onerosidade excessiva vinculada a uma parte e à vantagem desproporcional auferida pela outra. Sendo assim, o princípio da boa-fé resultará na observância da função social do contrato, para estabelecer deveres objetivos de conduta, sendo vinculado em todas as fases que perpassam a celebração contratual, ou seja, desde o estágio da formação do contrato, evoluindo para a contratação, até o momento da execução.

Diante dos fundamentos acima transcritos, se denota que o respectivo princípio corresponde a lealdade e confiança recíproca entre as partes, cujo a previsão está conceituada no artigo 422 do CC/2002, pelo que declara que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Pode ser afirmado que é de suma importância observar os requisitos objetivos, subjetivos e formais, além dos princípios que regem o ordenamento jurídico, como a função social, a relatividade e a boa-fé, para que o contrato tenha validade.

1.1. Análise da aplicação das alterações introduzidas pela lei 13.874/19 (lei da liberdade econômica) ao princípio da boa- fé objetiva

O princípio da boa-fé é um elemento intrínseco a própria formulação estrutural do contrato, tendo como norteadores a eticidade e o solidarismo.

Para que melhor se entenda, esse princípio basilar obriga as partes a contribuir e a preservar seus interesses de modo a garantir a existência de um ambiente mínimo que guarda ligação com o princípio do equilíbrio contratual, conforme nos direciona o art. 422 do Código Civil e os enunciados 25, da I Jornada de Direito Civil, e 170, da III Jornada de Direito Civil.

A relação contratual emana diretamente da declaração de vontade dos seus contraentes, sendo que o direito busca vedar a deslealdade, oportunidade em que a intenção e a vontade do declarante deverão coadunar com as expectativas e confiança deliberadamente geradas no destinatário.

Este é o sentido em que disserta a doutrinadora Judith Martins Costa (2018), nos termos em que leciona:

"A manifestação negocial, assim, constitui a confiança legítima, ao mesmo tempo em que o negócio jurídico se fundamenta na confiança gerada pela declaração negocial. Há, portanto, um dever de coerência contratual, a impedir a deslealdade comportamental. Essa é a razão pela qual o Ordenamento veda condutas deslealmente contraditórias, apanhando-as em figuras que especificam, parcelarmente, o conteúdo do princípio da boa-fé objetiva, o qual tem, dentre suas funções, a vedação ao exercício de direitos subjetivos que sejam "manifestamente contrários à boa-fé" (Código Civil, art. 187); e a imposição, às partes de um contrato, do dever de agir de modo probo e correto (Código Civil, art. 422). (MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, Capítulos Sétimo e Oitavo.)

A instituição da Declaração de Direitos de liberdade Econômica, reforçou ainda mais o princípio da boa-fé objetiva e provocou alterações importantes nos dispositivos legais que regem o mencionado princípio.

Com o advento da lei 13.874/19, lei da Liberdade Econômica, houve o distanciamento da intervenção estatal nas relações contratuais inter partes, com a modificação do artigo 421 do CC/2002, que passou a estabelecer o exercício da liberdade contratual com a observância dos limites da função social do contrato, prevalecendo o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual, o que conferiu força ao pacta sunt servanda.

Se encontra dentre as alterações introduzidas pela lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica), a modificação do art. 113 do Código Civil, o qual dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Em especial, as disposições contidas nos incisos I, II, III e V, do § 1° do referido artigo, estabelecem as regras para interpretação dos negócios jurídicos, em vista que o princípio da boa-fé objetiva deverá ser observado em todas as relações contratuais, tanto na formação, quanto na execução dos contratos (arts. 421 e 422 do Código Civil/2002), os quais compreendem os deveres de lealdade, transparência, honestidade, ética e probidade.

Além disso, a Lei da Liberdade Econômica inova ao permitir que as partes afastem a aplicação de normas legais quando estas contrariem a boa-fé objetiva ou a autonomia da vontade das partes. Essa inovação trazida pela lei 13.874/19, é importante para estimular a liberdade econômica e fomentar a livre iniciativa no país.

Com isto, é reafirmada a necessidade de que as partes colaborarem entre si, para que possibilitem a manutenção do equilíbrio e da promoção do solidarismo contratual objetivando a preservação de seus interesses. A relação contratual está diretamente ligada a manifestação de vontade de seus contraentes, ao passo que apenas se vislumbra um contrato, caso haja equivalência entre as prestações convencionadas e assumidas pelas próprias partes, a partir de critérios eminentemente subjetivos, internalizados pelos contratantes. Assim deverá subsistir um equilíbrio para que não perpetue à onerosidade excessiva vinculada a uma parte e à vantagem desproporcional a outra. (R. Fórum de Dir. Civ.- RFDC/ Belo Horizonte, ano 2, 4, set/dez. 2013).

Este também foi o sentido em que a doutrinadora Judith Martins Costa (2020) se manifestou, em seu parecer, acerca do pedido de declaração de nulidade do contrato de franquia, em ação judicial que tramitou no âmbito da Justiça do Trabalho com o intuito de fosse reconhecido o vínculo de emprego entre as partes contratantes. A doutrinadora supramencionada, esclareceu que o pleito formulado pelo autor da lide em questão, não se mostrava coerente com os fatos da relação jurídica mantida entre as partes, uma vez que não restou demonstrado sequer algum vício de consentimento na declaração de vontade do Autor quando da celebração do contrato de franquia com a empresa Ré. E, ausente vício de consentimento na formação do contrato de franquia, a pretensão do Autor violaria o princípio da boa-fé objetiva e resultaria em comportamento contraditório e oportunista. Vejamos os termos em que se manifesta a Professora Judith Martins-Costa, no parecer ora mencionado:

"Em síntese: importa em contraditoriedade desleal a atitude do Life Planner que, após celebrar contrato de franquia com Prudential; desenvolver a atividade por meio de pessoa jurídica por si constituída e controlada; receber comissões conforme o sucesso das contratações que intermediou; ter liberdade para planejar suas horas de trabalho; e jamais reclamar, por exemplo, da ausência de desconto, em sua remuneração, de parcelas típicas das relações trabalhistas; depois viesse a postular, na Justiça do Trabalho, a condição de empregado de Prudential. Por isso, não tenho dúvidas em afirmar que a ação proposta pelos Life Planners afronta manifestamente a boa-fé. (página 32 do Parecer da Professora Judith Martins-Costa) (g.n.)

Nesta percepção, se destaca a sintonia entre o pacta sunt servanda e a boa-fé que contribuem para a manutenção da segurança jurídica no ambiente negocial, além de ser salutar a contribuição dos contraentes através do diálogo, bom senso e até mesmo renúncias e sacrifícios para que os contratos tenham a sua função social cumprida, objetivada sistematicamente pelo nosso ordenamento jurídico.

2. Conclusão

A boa-fé objetiva é um princípio fundamental do Direito Contratual brasileiro, que deve ser observado por todas as partes envolvidas em um contrato.

Com a aprovação da lei de Liberdade Econômica, a boa-fé objetiva ganhou ainda mais relevância, sendo reconhecida como um princípio que deve ser observado em todas as fases do contrato. Além disso, a lei inovou ao permitir que as partes afastem a aplicação de normas legais em conformidade com a boa-fé objetiva e a autonomia da vontade das partes.

Isso é importante para estimular a atividade econômica e fomentar a livre iniciativa no país, sem comprometer a segurança jurídica ou a equidade entre as partes.

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https://www.migalhas.com.br/depeso/326146/a-lei-da-liberdade-economica-e-a-boa-fe-contratual-na-superacao-da-crise, acesso em 28 de março de 2023.

MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, Capítulos Sétimo e Oitavo.

MARTINS-COSTA, Judith. Parecer Oferecido a Prudential do Brasil Seguros de Vida S/A, pela Professora Judith Martins-Costa. De Porto Alegre para o Rio de Janeiro, em 07 de outubro de 2020.

R. Fórum de Dir. Civ.- RFDC/ Belo Horizonte, ano 2, n.4, set/dez. 2013.

Gabriella Rezende Duarte

Gabriella Rezende Duarte

Advogada do escritório Alex Santana e Antônio Fabricio Sociedade de Advogados, graduada pela Faculdade de Direito Milton Campos.

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