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Reforma tributária e advocacia: Prognósticos e preocupações

Délio Lins e Silva Júnior, Joyce Leide Montalvão de Almeida e Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

A excessiva carga tributária pode onerar e aviltar a advocacia.

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Atualizado em 4 de julho de 2023 09:19

A reforma tributária reagiu com velocidade. As propostas, até então travadas em sua tramitação, agora avançam rapidamente no Congresso. A velocidade da reforma tributária é a velocidade da política. Depende das contingências do momento, das expectativas dos protagonistas e do aval da opinião pública. O Relatório do Grupo de Trabalho que analisou a PEC 45/19 revela os pontos centrais da discussão, exatamente como debatidos nas animadas audiências públicas.

Fechou-se um diagnóstico. Foram levantados e explicitados os principais desafios do modelo atual, que se esgota na própria seiva, e que exige intervenção. Há pontos comuns e convergentes entre as PECs 45 e 110/19. No entanto, no contexto dos textos que avançam, não há pontos comuns e convergentes para vários setores (especialmente da prestação de serviços). É o tema dos prognósticos e preocupações que seguem.

No conjunto dos grandes assuntos discutidos no Congresso desponta a concepção de um IVA moderno, na forma de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Entre outras soluções, o IBS solucionaria sobreposições entre ICMS e ISS, além, principalmente, de simplificar obrigações acessórias, um dos principais estímulos extrafiscais da reforma. A economia digital também é um ponto muito sensível, que exige soluções ousadas. 

Parece que se deve optar por um IVA único ou dual, pela justa e eficiente fixação de alíquotas desse IVA que se cria, por uma fórmula de "cashback", por um acordo em relação a regimes tributários favorecidos (Zona Franca de Manaus e Simples Nacional), por fundos regionais de desenvolvimento (inclusive na forma de compensações), pela convalidação dos benefícios de ICMS hoje existentes, a par de um regime bem desenhado de transição, tanto para o novo modelo, o que pode tomar anos, complicando o sistema, e, portanto, indo de encontro aos objetivos gerais da reforma, quanto para o necessário ajuste federativo.

Temos acompanhado atentamente esses passos, participando das audiências, debatendo, propondo, argumentando e identificando situações afetas às atividades da advocacia.

A indispensabilidade do (a) advogado (a) à administração da Justiça (art. 133 da Constituição) exige participação da classe, como atributo mesmo de um ponto qualificado nessa análise: a especialização decorrente do conhecimento do modelo tributário e seus efeitos na atividade advocatícia. Por isso, entre outros, nossa preocupação com a superlativa litigância em matéria fiscal, o que revela disfunções do Estado e da Administração Tributária. É o momento de profundas correções e intervenções.

Por exemplo, há notícias de mandados de segurança impetrados contra Delegados da Receita Federal para o envio de processos para a Procuradoria da Fazenda Nacional, com o objetivo de celebração de transação, da qual o Erário é o grande beneficiário. Constatamos que o contribuinte deve provocar o Judiciário, porque quer pagar, e porque o próprio Estado dificulta a tentativa de pagamento, no contexto do acordo que se pretende celebrar.

A propósito, é tempo da reforma tributária abandonar simbolicamente o substantivo "contribuinte", substituindo-o por "cidadão", o que melhor qualificaria o pagador de tributos, em um Estado Democrático de Direito, de plena participação e repartição dos ônus de manutenção do governo.

Registramos também fortíssima preocupação de que a reforma em andamento possa resultar em aumento da carga tributária suportada pela advocacia, o que, no limite, encarecerá os serviços, limitando o acesso do cidadão à Justiça, que é cláusula pétrea de direito constitucional, contido no inciso XXXV do art. 5º do texto de 1988. Uma tributação ótima é calibrada pela neutralidade, com impactos mínimos ou imperceptíveis na construção de preços e na oferta de alternativas. Além do que, é lição central em Adams Smith que a igualdade (ou desigualdade) tributária resulta da observação ou da negligência para com a máxima de que contribuíamos de acordo com nossas capacidades para com a conservação do Estado.

Como regra, uma sociedade de advogados recolhe hoje 3,65% do PIS/COFINS, quando optantes do modelo do lucro presumido. As sociedades que fazem opção pela tributação pelo lucro real recolhem 9,25%, isto é, quando submetidas ao regime não-cumulativo.

Há também a incidência de um ISS fixo (trimestral), tal como disposto no decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968. O advogado é mencionado no item 88 da lista originária de serviços tributáveis, bem como mais tarde no subitem 17.14 da lista anexa à Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003. Em 2003 menciona-se "advocacia" e em 1968 mencionava-se "advogados". Essa alteração é significativa e emblemática, na medida em que descortina mudança radical no exercício da profissão; de algum modo, o advogado generalista de banca própria transitaria para o advogado especialista de sociedade de advogados.

Preocupa o fato de que o IVA que se pensa (seja único ou dual) possa impactar significativamente esse quadro. Uma alíquota única de 25% é exponencialmente maior do que as alíquotas de PIS-COFINS (3,65%) ainda que adicionadas ao ISS, que só pode atingir a alíquota máxima de 5%. É só simular a conta. O efeito é previsível, e não se trata de evasão fiscal ou de planejamento malicioso. Algumas sociedades de advocacia tenderão a se dissolver, multiplicando-se em sociedades individuais optantes pelo Simples Nacional, revertendo-se a lógica da transição do Decreto-Lei n. 406 (advogados) para a Lei Complementar 116 (advocacia, o que pressupõe sociedade de advogados).

De outro modo, com efeito inverso, a sugestão da oferta de créditos para os serviços também pode afetar, pois ao mesmo tempo que pode haver benefícios, pode também acarretar malefícios, já que para o simples nacional não há créditos a serem utilizados, e pode ter que forçar o advogado  a se retirar do SIMPLES Nacional, para ofertar créditos aos seus clientes (esses podem procurar escritórios que ofertem a compensação dos créditos na prestação de serviços). Aqui também sobrecarregaria a carga tributária de maneira exponencial para esses advogados, já que a ampla maioria dos advogados encontram-se no tratamento diferenciado do SIMPLES. Ou seja, pode haver sérias complexidades no sistema, justamente o que a reforma busca evitar.

O efeito da reforma, mantido esse postulado, tem como resultado a retomada de um modelo que se mostrou pouco competitivo, denunciando-se a absoluta ausência de neutralidade que se verifica na reforma em andamento. Bem entendido, não haveria efeitos práticos para com advogados hoje optantes pelo Simples. Quanto às sociedades de advogados, a reforma prevê um IVA de 25% como substituto dos 3,65% do PIS-COFINS e do ISS de alíquota fixa.

Esse quadro será agudizado quando se discutir a tributação da renda que incidiria também sobre a pessoa física, no contexto da tributação de dividendos, que já foram tributados da pessoa jurídica. A incidência hoje se dá apenas em relação à pessoa jurídica (sociedade de advogados), recolhendo 34% os optantes pelo lucro real e recolhendo 7,68% os optantes pelo lucro presumido. Trata-se da incidência de IRPJ e CSLL, à qual se agregaria a incidência de IRPF, quando do recebimento dos dividendos.

Esse prognóstico é preocupante. A excessiva carga tributária pode onerar e aviltar a advocacia. Opera-se na vida real o conceito clássico de reverberação tributária, com a realista transferência da carga fiscal para o tomador do serviço, que ao ônus da angústia de litigar deverá acrescentar custos que limitarão seu acesso à justiça.

Esses custos parecem estar passando despercebidos no âmbito das discussões da reforma, ou omissos, pois advogados representam a defesa de lesão ou ameaça a direitos individuais ou coletivos, e são os primeiros a atuar no combate às injustiças, e uma justiça "cara" pode impactar em diminuição de prestação de serviços à sociedade na defesa desses direitos o aumento na infringência desses, podendo sobrecarregar ainda mais Defensorias Públicas, impactando nos direitos conquistados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Délio Lins e Silva Júnior

Délio Lins e Silva Júnior

Presidente da OAB/DF.

Joyce Leide Montalvão de Almeida

Joyce Leide Montalvão de Almeida

Advogada. Secretária-Geral da Comissão da Reforma Tributária da OAB-DF. Conselheira do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do DF. Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas.

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Presidente da Comissão Especial da Reforma Tributária da OAB-DF. Advogado. Livre-docente pela USP, doutor e Mestre pela PUC-SP. Foi Consultor-Geral da União e Procurador-Geral Adjunto da PGFN.

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