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Da visão antropocêntrica ao direito à vida dos seres sencientes

Ana Carolina Arantes de Souza Faria

Os animais, como seres sencientes, merecem que seu direito à vida, a liberdade e ao bem-estar físico e mental sejam respeitados, e para tanto, cabe ao legislativo na falta de estrutura governamental suprir as falhas da legislação e do modelo de execução que corroboram os órgãos estatais.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Atualizado em 21 de agosto de 2023 12:56

Ao contrário do que muitos têm pensado, o PL 523/23 há pouco aprovado pela Alesp demonstra o avanço que a proteção animal precisa como pauta.

As diversas interpretações consideradas ao PL revelam o quanto a falta de projetos, campanhas e principalmente políticas públicas à sociedade são necessárias para o enfrentamento de ações educativas para os animais e a todos que integram o seu meio.

Os animais, como seres sencientes, merecem que seu direito à vida, a liberdade e ao bem-estar físico e mental sejam respeitados, e para tanto, cabe ao legislativo na falta de estrutura governamental suprir as falhas da legislação e do modelo de execução que corroboram os órgãos estatais.

Não se pode negar que muitos são bem-intencionados quando fazem menção aos animais, mas poucos buscam entender a realidade sobre o bem-estar animal, ponderando as necessidades de cada espécie.

Apesar da inclusão dos pássaros na disposta "lista Pet", sob a égide de domesticação animal, relembramos que os animais têm por característica a vivência livre, sem interferência humana, exceto pelos cães e gatos que já possuem dependência social e alimentar.

Neste ponto, contrapõe-se as observações quando enfatizam a exploração animal através do comércio. Indo além, objetificam os animais quando citam a possibilidade de extinção das espécies.

Há de se pensar sobre quais espécies desenham a imaginação do ser humano.

Cães e gatos tiveram seus perfis criados para a produção de raças que pudessem atender às necessidades humanas e para além disso, para que servissem a finalidades que sustentassem seu ego.

São tantos animais abandonados, que a organizações civis e protetores independentes demandam ajuda, e a bem da verdade, a adoção de cães e gatos é a melhor das opções para quem gostaria de ter um animal de companhia.

Para quem não conhece a realidade por trás do conto de fadas que estimulam as revendas de animais, pode-se até legitimar suas atividades econômicas, porém não se atentam para o ambiente que a maioria destes animais vivem e muito menos para as matrizes que são estimuladas e se tornam fábricas de filhotes.

Diariamente nos deparamos com notícias sobre a venda e práticas que colocam os animais sob risco. Neste aspecto, para projetarmos uma possível extinção de espécies, temos que frisar as constantes práticas ilegais como o tráfico de animais, a venda de partes destes animais para o exterior como objetos de desejo ou afrodisíaco, o abandono e os maus-tratos, além do comércio de criadouros ilegais que pressupõem-se integrar a economia nacional.

A Constituição Federal enfatiza que cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de zelar pela defesa e preservação do meio ambiente, ao passo que incumbe ao Poder Público a efetividade deste Direito por meio da proteção da fauna e da flora, sendo vedadas as práticas que coloquem em risco a função ecológica, que provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade.

Com isso, importante alertar a quem interpreta a vida animal como base legal do direito à propriedade, sujeitando um ser senciente a tratamento de coisa, que a legislação vigente nem sempre se interpreta em benefício ao animal humano, ainda mais quando se ultrapassa as barreiras da sensibilidade e respeito à vida.

Mas voltando a tramitação do PL 523/23, trouxe a redação importante abrangência ao considerar e disciplinar o conjunto de requisitos que o criador deve obrigatoriamente garantir para o bem-estar destes animais, de forma a assegurar o alcance para diminuição dos maus-tratos e abandono dos animais domésticos.

Apesar de ser omisso quanto aos animais silvestres, o que também seria benéfico para o controle e venda destes animais, colaborando para a prevenção ao tráfico de animais silvestres e maus-tratos, restou adequado o enquadramento da norma para a proibição da criação e revenda de animais em Pet Shops e estabelecimentos comerciais, criando o CECA - Cadastro Estadual do Criador de Animais.

Isto porque, já é sabido que os animais que se encontram para revenda permanecem por grande período de tempo expostos e explorados para o comércio, prejudicando sua saúde e bem-estar, além de serem comercializados sem qualquer atenção ao protocolo de zoonoses.

Não se pode negar que a sanção do PL deverá dispor de melhor fiscalização para identificação de criadouros e comércios ilegais, bem como de Políticas Públicas para conscientização e educação da sociedade. Conquanto, o objetivo principal da proposta traz a vertente de se proibir a prática da venda de animais em estabelecimentos comerciais que demonstram incompatibilidade com a saúde e o bem-estar animal.

No mais, podemos aqui citar a existência de legislação de igual teor em outros países que corroboram da mesma visão, como é o caso da Lei AB 485 (Pet Rescue & Adoption Act) aprovada no estado da Califórnia/EUA em 2017 e a "lei Lucy" (The Animal Welfare - Licensing of Activities Involving Animals - Regulations 2018), aprovada de forma semelhante em 2018. Aliás, esta pauta já se trata de demanda exigida pela sociedade que acompanha e rebate posições antropocêntricas em desfavor dos animais.

Salienta-se que, assim como o Poder Público tem o dever de cuidar e garantir a proteção dos animais e de toda a biodiversidade, cabe a cada cidadão denunciar e buscar a adequada e correta solução para a defesa de todo ser vivo.

Comecemos por nós, a mudança que queremos e almejamos como sociedade para as presente e futuras gerações.

Ana Carolina Arantes de Souza Faria

Ana Carolina Arantes de Souza Faria

Advogada do Instituto Ampara Animal, especialista em Direito Animal e Direito Ambiental.

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