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As embarcações navais e as regras de conexão no Direito Internacional Privado

As regras de conexão nas demandas existentes no direito naval, envolvendo embarcações de bandeiras internacionais, suas especificações e utilização, para a resolução do direito enquanto norma a ser aplicada.

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Atualizado às 08:31

O presente terá como estudo a aplicação prática, com consequentes fundamentações em doutrina, onde serão delineadas a aplicabilidade da norma brasileira, contida no artigo 8º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro1.

Por regra, o Brasil adota que quando se tratar de bens, será aplicada a lei do país onde os bens estiverem situados.

Antes de adentrarmos no tema principal, é importante situarmos ainda um conceito básico que irá definir a usabilidade do artigo de lei acima exposto.

Devemos inicialmente conceituar o significado de "bens". Conceituando a palavra "bem", temos a definição dada pelo Dr. Pablo Jiménez Serrano, na obra Dicionário Jurídico Atualizado2, sendo o bem um produto que pode ser material ou imaterial, móvel ou imóvel, durável ou não, que se encontra disponível para aquisição por qualquer pessoa. Concluindo, é aquele item que faz parte do patrimônio.

O que pesa é conceituar se um navio seria um bem ou não. No entanto, pela simples leitura do conceito em dicionários da língua portuguesa, chegamos à conclusão de que o mesmo, ao integrar o patrimônio de determinado indivíduo, seja ele pessoa jurídica ou física, se enquadra no conceito apresentado.

Outro tema brevemente necessário a ser tratado seria a conceituação de Regra de Conexão, segundo Jacob Dolinger (2020), em sua obra de Direito Internacional Privado3, como sendo diretrizes estabelecidas pelo Direito Internacional Privado, que irão determinar qual a legislação competente sempre que houver uma situação jurídica passível de envolver mais de um sistema jurídico.

Essas regras, normatizadas pelo DIP, buscam objetivar um conjunto de leis que poderão ser aplicadas a situações jurídicas que estão ligadas a mais de um sistema legal.

Ultrapassados os conceitos acima, ao adentrarmos no tema central do presente, e após as conceituações básicas acima postas, temos que as embarcações e aeronaves se amoldam perfeitamente ao que determina o artigo 8º, §1º da LINDB, vejamos: 

Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares. 

Logo, verifica-se que, por regra, as embarcações deveriam, por lei, ter como critério de utilização o local do país em que for domiciliado o proprietário.

No entanto, devido à dinâmica em que esse bem é colocado, torna-se difícil determinar sua nacionalidade, uma vez que muitas vezes permanece por meses e talvez não retorne à sua nacionalidade inicial, devido à sua alta mobilidade mundial.

Dito isso, é importante entender qual seria o direito aplicável a determinada necessidade de embate jurídico possível. Os navios podem ser considerados um mundo sem fronteiras, devido à sua fácil mobilidade. No entanto, existem determinações legais com a finalidade de manter a ordem e determinar regras nos oceanos, como a determinação pela escolha da bandeira da embarcação. 

Da Nacionalidade e do Registro 

Para que possam navegar, as embarcações precisam do registro, e para o registro é necessária a nacionalidade ou o uso da bandeira. Diante disso, foi necessário haver regulamentações para organizar todo esse ordenamento jurídico futuro.

A Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar foi uma das ferramentas fundamentais para organizar todas as embarcações. Em suma, essa convenção determinou que os navios devem possuir apenas uma nacionalidade e hastear a bandeira correspondente ao local de seu registro, caso contrário podem ser considerados navios apátridas.

Esse termo é conhecido como um navio que não possui uma pátria definida, ou seja, não tem sua identidade comprovada, não carregando assim qualquer tipo de proteção ou preparo internacional. Vejamos o que diz tal Convenção4: 

ARTIGO 92

1. Os navios devem navegar sob a bandeira de um só Estado e, salvo nos casos excepcionais previstos expressamente em tratados internacionais ou na presente Convenção, devem submeter-se, no alto mar, à jurisdição exclusiva desse Estado. Durante uma viagem ou em porto de escala, um navio não pode mudar de bandeira, a não ser no caso de transferência efetiva da propriedade ou de mudança de registro.

2. Um navio que navegue sob a bandeira de dois ou mais Estados, utilizando-as segundo as suas conveniências, não pode reivindicar qualquer dessas nacionalidades perante um terceiro Estado e pode ser considerado como um navio sem nacionalidade.

É de suma importância entender que cada embarcação tem o dever de estar vinculada a uma nacionalidade e sempre ter sua identificação pela bandeira correspondente ao seu Estado de Registro, para evitar ser considerada uma embarcação apátrida. 

Da Bandeira de Conveniência 

A aquisição da nacionalidade acarreta inúmeras responsabilidades para as embarcações, tais como o cumprimento de obrigações fiscais, financeiras e a responsabilidade por obrigações decorrentes de tratados, como o mencionado anteriormente, além dos direitos trabalhistas, entre outros, que podem ser inúmeros dependendo do Estado de registro da embarcação.

Todas essas obrigações acabam gerando um custo maior na contratação dos serviços prestados por essas embarcações, resultando em ônus financeiros para os transportes e, consequentemente, uma alta valoração desse serviço.

Diante disso, para manter a competitividade, alguns proprietários dessas embarcações acabam escolhendo determinados Estados que oferecem melhores condições, as quais podem manter sua precificação com valores mais acessíveis aos destinatários desses serviços.

Essa prática é conhecida como bandeira de conveniência ou registro aberto, na qual a embarcação é desonerada de ter um vínculo efetivo com o Estado. No entanto, ainda é importante concluir o processo administrativo de registro.

Essa utilização é adotada pelos proprietários de frotas, que buscam regulamentação em países mais flexíveis, com exigências menos burocráticas, o que acaba facilitando algumas condutas que são repudiadas pela comunidade internacional.

Algumas das buscas por flexibilizações estão relacionadas ao baixo custo, à facilidade de registro, a incentivos fiscais e flexibilizações de questões de segurança, tanto das embarcações quanto da tripulação em si. No entanto, essa escolha às vezes pode trazer resultados negativos.

Por exemplo, no âmbito trabalhista, os funcionários a bordo são os mais prejudicados. Essa negligência das leis trabalhistas, mesmo as básicas, é veementemente repudiada pela Organização Marítima Internacional, pois coloca esses trabalhadores em condições indignas, podendo até ser insalubres.

Embora exista um benefício para os proprietários das embarcações, que em sua grande maioria se torna apenas econômico, as questões sociais, ambientais e de segurança, inclusive as internacionais, não podem ser comprometidas em prol dessas vantagens. É importante buscar um equilíbrio entre o interesse econômico e os demais direitos, para que a relação jurídica seja equilibrada.

Dos Navios Piratas 

Conforme discutido anteriormente, as embarcações devem sempre hastear a bandeira de sua nacionalidade, seja ela legítima ou por estratégia, como o uso da bandeira de conveniência.

Existem ainda os navios que não possuem uma nacionalidade definida, ou mesmo que a tenham, seus comandantes têm apenas o interesse de praticar ilicitudes dentro ou com essas embarcações.

Navio pirata, de acordo com o conceito de Martins (2008), pode ser compreendido como aquela embarcação utilizada com a finalidade de praticar a pirataria, ou seja, praticar saques, depredação, com o emprego de violência física ou moral, e em benefício próprio dos tripulantes.

Essa conceituação está bem definida inclusive na própria Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, em seu artigo 103, vejamos:

São considerados navios ou aeronaves piratas os navios ou aeronaves que as pessoas, sob cujo controle efetivo se encontrem, pretendem utilizar para cometer qualquer dos atos mencionados no artigo 101. Também são considerados piratas os navios ou aeronaves que tenham servido para cometer qualquer de tais atos, enquanto se encontrem sob o controle das pessoas culpadas desses atos.

A repressão à pirataria é dever de todo Estado membro que seja signatário da Convenção acima, norma esta determinada e regulada no artigo 100 da mesma, que estabelece que todos os Estados devem cooperar na medida do possível na repressão da pirataria em alto mar ou em qualquer outro lugar que não esteja sob a jurisdição de algum Estado.

Logo, é evidente que é responsabilidade de todo Estado membro, signatário da Convenção mencionada, esforçar-se na luta pela repressão e combate à pirataria, pois tal ato ataca toda a comunidade internacional. 

Conclusão

O presente estudo aborda a aplicação prática do artigo 8º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) no contexto de bens móveis, em particular embarcações. O referido artigo estabelece que a lei do país onde os bens estiverem situados será aplicada para regular as relações relacionadas a eles.

Para compreender a aplicabilidade desse princípio, são apresentados conceitos básicos, como o entendimento de "bem" como um produto material ou imaterial que faz parte do patrimônio, inclusive navios. Além disso, é explicado o conceito de regras de conexão, que determinam qual legislação será aplicada em situações envolvendo mais de um sistema jurídico.

No entanto, devido à alta mobilidade dos navios e à dificuldade de determinar sua nacionalidade, é essencial considerar a escolha da bandeira da embarcação como critério para definir a lei aplicável. A Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar estabelece que os navios devem ter apenas uma nacionalidade e hastear a bandeira correspondente ao seu registro. Caso contrário, podem ser considerados navios apátridas.

A prática da bandeira de conveniência, na qual os proprietários registram suas embarcações em países com regulamentações mais flexíveis, é abordada. Embora essa prática ofereça benefícios econômicos aos proprietários, questões sociais, ambientais, de segurança e até mesmo de direito internacional são comprometidas. É necessário buscar um equilíbrio entre interesses econômicos e outros direitos para garantir relações jurídicas equilibradas.

Por fim, o estudo destaca a pirataria marítima como uma preocupação internacional. Navios piratas são aqueles usados para cometer atos de saque e violência, e sua repressão é uma responsabilidade de todos os Estados membros. A Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar estabelece a cooperação entre os Estados no combate à pirataria em alto mar e em outros lugares fora da jurisdição de qualquer Estado.

Em conclusão, é fundamental que a aplicação da lei no contexto do direito internacional marítimo leve em consideração a nacionalidade das embarcações, a escolha da bandeira de conveniência e o combate à pirataria. Essas questões devem ser abordadas de forma equilibrada, considerando tanto os interesses econômicos quanto os direitos sociais, ambientais e de segurança, a fim de promover uma ordem jurídica justa e harmoniosa. 
______________ 

1 Brasil. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Institui a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.html. Acesso em: 18 jun. 2023.

2 SERRANO, Pablo Jiménez. Dicionário Jurídico Atualizado. Rio de Janeiro: Jurimestre, 2021. E-book. P. 85.

3 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmem. Direito Internacional Privado, 2020, (p. 311). Forense. Edição do Kindle.

4 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. Decreto nº 99.165, de 12 de março de 1990. 1990. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 21 jun. 2023 às 18:30.

______________ 

1.    Brasil. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Institui a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.html. Acesso em: 18 jun. 2023.

2.    SERRANO, Pablo Jiménez. Dicionário Jurídico Atualizado. Rio de Janeiro: Jurimestre, 2021. E-book.

3.    DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmem. Direito Internacional Privado. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. E-book.

4.    LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. Decreto nº 99.165, de 12 de março de 1990. 1990. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 21 jun. 2023.

5.    MUNIZ, Rafael. A nacionalidade do navio à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982: o vínculo efetivo entre o Estado e o navio. Dissertação de Mestrado em Direito. UNIVALI. Itajaí, 2009.

6.    BRASIL - PLANALTO. Convenção Internacional sobre Salvamento Marítimo. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2018.

7.    MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. 3. ed. Barueri: Manole, 2008.

Rodrigo Medeiros

VIP Rodrigo Medeiros

Advogado atuante há mais de 10 anos, inscrito na OAB/MS, sob o n 14.493, advogado atuante no Escritório Medeiros Advogados Associados, no Estado de Mato Grosso do Sul. Formado em Direito pela UCDB, pós Graduado em Direito Previdenciário, Direito Tributário e Pós-Graduando em Direito pela PUC/MG.

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