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Como se estabelece nexo de causalidade em psiquiatria forense?

Em avaliação pericial, estes fatores etiológicos dos transtornos mentais devem ser investigados em profundidade.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Atualizado em 5 de setembro de 2023 13:54

Em perícias ou assistência técnica de psiquiatria forense e/ou psicologia jurídica no contexto do Direito do Trabalho, é comum que o psiquiatra e/ou psicólogo precise esclarecer se o transtorno mental do qual padece um funcionário de uma reclamada apresenta nexo de causalidade com seu labor nesta.

Por exemplo, em casos típicos em que o trabalhador inicia apresentação de sintomas de depressão e ansiedade após início de trabalho em determinada empresa, com necessidade de tratamentos e afastamentos do trabalho, se é questionado se estes sintomas realmente são decorrentes do trabalho ou se podem ter etiologia diversa.

Entre as teorias etiológicas da depressão e da ansiedade, compreende-se que dentro da esfera psicossocial são encontrados fatores relacionados ao local de labor, como: exigências excessivas de desempenho cada vez maior de trabalho, excesso de competição, ameaça permanente da perda do lugar que o trabalhador ocupa na hierarquia, perda do posto de trabalho, demissão, entre outros (Valente, 2014).

Saffi e Serafim (2015) afirmam que a depressão e ansiedade podem ser causadas por situações de estresse e assédio moral, o que pode indicar a relação entre os transtornos mentais apresentados pelo avaliado e o trabalho realizado junto à empresa reclamada.

A imagem 1 abaixo explica como é deve ser a avaliação pericial de saúde mental na área trabalhista:

Imagem 1: Fluxo de questionamentos da avaliação pericial na área trabalhista

Fonte: Oliveira, Rigonatti, Ribeiro (no prelo).

A imagem 2 esclarece como é estabelecido o nexo causal entre o trabalho e o transtorno mental apresentado pelo avaliado em questão.

Imagem 2: Fluxo para estabelecimento de nexo causal

 

Fonte: Elaborado por esta Assistência Técnica.

Em casos em que há evidentes eventos deteriorantes da saúde mental durante a labor, pode-se pelo menos concluir pela concausa. Em casos em que não há outros determinantes estressores em outras áreas da vida do avaliado, é natural que se conclua pelo nexo de causalidade.

Dessa forma, o perito ou o assistente técnico deverá esclarecer em seu laudo ou parecer os aspectos psicossociais que levaram ao adoecimento mental. Por exemplo, pode-se concluir o estresse no trabalho como determinante para o início, manutenção e gravidade dos sintomas, sendo coerente quando se avalia a cronologia do aparecimento dos sintomas, quando estes se manifestam com maior intensidade e pela ausência de outros fatores psicossociais de risco na história do avaliado.

É importante ressaltar que transtornos mentais, como os depressivos e ansiosos citados anteriormente, representam condições prevalentes na população em geral, ocorrendo pela combinação de múltiplos fatores, como pode ser observado na seguinte imagem 3:

Imagem 3: Causas de Transtornos Mentais.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Estabelecer relações entre transtorno mental e questões do trabalho representa um desafio. Segundo Ribeiro, Teixeira e Barros (2015, p.115):

Para que se afirme, portanto, que o trabalho tem influência na origem do adoecimento, a construção do raciocínio passa, após identificado o transtorno, a levar em conta sua natureza - se ansiosa, depressiva, psicótica, etc.- e a considerar se os aspectos laborais alegados poderiam, de fato, guardar nexo de causalidade, caso estejam verdadeiramente presentes. Além de haver plausibilidade clínica, é preciso considerar a relação temporal e a magnitude da intensidade: ter sido xingado uma vez pelo chefe é diferente de ter sido xingado durante todo o tempo de contrato (a última situação apresenta mais probabilidade de influenciar a origem do quadro do que a primeira.

[...]

O grande cuidado no estabelecimento do nexo é lembrar que todos os estressores da vida da pessoa contribuem para seu adoecimento, e, se quisermos dizer que a doença foi causada por vários fatores, corremos o risco de concluir que não há um "culpado". O estresse do trabalho, especificamente, deve ser apontado quando de intensidade relevante, superior aos outros estressores. (Ribeiro, Teixeira, Barros, 2015, p.116).

Em avaliação pericial, estas fatores etiológicos dos transtornos mentais devem ser investigados em profundidade, através de entrevistas com fontes colaterais; análise documental de textos, áudios, vídeos; testes psicológicos e neuropsicológicos; e exames médicos, laboratoriais, de imagem, entre outros, sempre em relação ao período pertinente ao processo, caso contrário não podem jamais serem descartados.

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Oliveira ACS; Rigonatti LF, Ribeiro HL. Direito do Trabalho: assédio moral e sexual no trabalho. In: Rennó Jr. Tratado de Saúde Mental da Mulher. Manole, no prelo.

RIBEIRO L.V, TEIXEIRA E.H, BARROS D.M. Perícia previdenciária e trabalhista. In: Barros DM, Teixeira EH. Manual de perícias psiquiátricas. Porto Alegre: Artmed, 2015.

VALENTE MSS. Depressão esgotamento profissional em bancários. Tese. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2014.

Hewdy Lobo

VIP Hewdy Lobo

Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

Elise Karam Trindade

Elise Karam Trindade

Graduada em Psicologia (ULBRA); Doutoranda em Novos Contextos de Intervenção Psicológica em Educação, Saúde e Qualidade de Vida no Instituto Superior Miguel Torga (Coimbra); Pós-graduanda em Psicologia Forense pelo IMED; Trabalha na área de laudos, perícias, avaliação neuropsicológica e psicodiagnóstica e supervisao técnica junto ao Instituto de Psicologia Prof. Jorge Trindade; Membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica (SBPJ); Consultora Consultiva da Sociedade Sul Brasileira de Psicanálise (PSYCHESUL).

Ana Carolina Schmidt de Oliveira

Ana Carolina Schmidt de Oliveira

Psicóloga (PUC Campinas e UNIR Espanha), especialista em dependência química (UNIFESP), máster em psicologia legal e forense (UNED Espanha). Coordenadora pedagógica dos cursos de Pós-Graduação UNIP/Vida Mental.

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