Federação partidária
A nova forma de união dos partidos: dúvidas sobre a Federação Partidária e suas vantagens.
quarta-feira, 20 de setembro de 2023
Atualizado às 14:15
Introdução
Recentemente instaurou-se na sociedade brasileira dúvidas e debates cotidiano acerca das federações partidárias, especialmente com base no fato de que no ano de 2022 aconteceram eleições para alguns dos principais cargos na organização do Estado do Brasil, com destaque para aquele que teve que ocupar a Presidência da República. Neste sentido, partidos tradicionais entabularam discussões acerca da formação de uma federação com ampla visibilidade a partir da circunstancia de que envolve debate e discussão de diversos partidos políticos.
Há diversos países que adotam em seus sistemas partidários a possibilidade de adoção de federações e confederações partidárias, Portugal é um deles e tem sido um dos modelos em que se inspiram os brasileiros para modificar seu próprio sistema partidário, a chamada Geringonça que aparentemente encontrou ascensão e queda no pós-pandêmico governou o país ao longo de quatro anos coligando partidos à esquerda do espectro político orbitando em torno dos socialistas.
Por este motivo, surge a pergunta-problema que guiou a pesquisa que aqui se resume em artigo, o que é uma federação partidária e quais suas vantagens? Para responder a esta iremos perpassar os conceitos de federação e confederação, assim como suas diferenças, o sistema partidário brasileiro e suas recentes reformas e finalmente quais as vantagens da formação de uma federação.
Desenvolvimento
Em 2022 o Sistema Partidário Brasileiro inaugura a possibilidade de formação de federações partidárias, assim, a Constituição Federal do Brasil - CF é reconhecida por ter sido o documento político que lançou as bases para a construção da nova democracia e como tal procurou se afastar de normas existentes no período ditatorial e que limitavam severamente a liberdade dos brasileiros.
Uma das cláusulas que confirmaram esse movimento disse respeito exatamente aos paridos políticos cuja existência ao longo dos 21 anos de ditadura era limitada, assim, o constituinte assentou na Constituição no artigo 17 o modelo do pluripartidarismo sem outro tipo de restrição que não os critérios de representatividade impostos pela regulamentação da lei 9.096/95.
Esse modelo acarretou na existência de múltiplos partidos que se constituíram em pequenas legendas sem grande força ou representatividade e que atuam de forma a criar disfunções na própria democracia do país, por este motivo foi reformado o sistema através da lei 14.208 de 28 de setembro de 2021.
Quanto à essa interpretação, Argelina Figueiredo e Fernando Limongi (2001), críticos desse viés, narram que, nesse sentido, a combinação de um sistema presidencialista com o federalismo, bicameralismo, multipartidarismo e representação proporcional parecia ser uma composição "explosiva" para a estabilidade da democracia brasileira (LIMONGI, 2006b), pois o Executivo precisaria formar grandes coalizões partidárias para aprovar sua agenda de governo. Assim, segundo essa tendência, questionada pelos autores referidos, previa-se um sistema com forte tendência à inoperância, quando não à paralisia. (Lemos, Apud. Limongi, 2020 p. 22)
Essa postura é acompanhada por diversos autores que argumentam que os arranjos institucionais adotados pelo Brasil acarretaria em volatilidade eleitoral resultando em sua total debilidade e imobilização, especialmente ao lado da volatilidade ideológica, sendo certo que partidos operam segundo lógicas diferentes a depender da unidade da federação em que estão posicionados naquele momento (Guarnieri, 2019, p. 232)
A redação do artigo 17 da Constituição Federal foi alterada pela Emenda Constitucional 97/17, passando a prever apenas duas formas de superação da cláusula de barreira imposta para atingir a diminuição no número de legendas, pela obtenção mínima de 3% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados em ao menos 9 estados da federação e desempenho mínimo de 2% dos votos válidos em cada um deles; ou pela eleição de ao menos 15 deputados federais distribuídos em pelos 9 estados. (Silva, 2020, p. 39)
A difícil superação desta clausula vem ao lado da inserção de um mecanismo amenizador através da alteração do art. 11-A da lei 9.096, de 19 de setembro de 1995 - Lei dos Partidos Políticos que passa a ter a seguinte redação "dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária".
O desenho intenta corrigir o rumo e nele destaca-se "a criação de uma federação partidária para atuar com "identidade política única", garantida sua autonomia" (Almeida, 2020, p. 134). Neste aspecto, a federação partidária consistiria em uma união de ao menos dois partidos para disputa das eleições proporcionais como se uma única agremiação política fosse, porém, preservando a autonomia política de cada um deles.
O intuito é o de criação de uma nacionalização nos partidos que suplante essa volatilidade que surge em atenção a diferenças regionais e locais, uma vez que "sistemas partidários nacionalizados refletem um importante componente da dinâmica da competição partidária, possui um efeito sobre fatores como a sobrevivência da democracia, competição política e no comportamento do legislativo e nas políticas públicas" (Morais, 2019, p. 55)
A constitucionalidade da federação foi afirmada pelo STF que na ADIn/7021, sob relatoria do Ministro Barroso e ajuizada pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB julgou e ementou o que segue:
4. A federação partidária possui importantes pontos de distinção em relação às coligações, que em boa hora foram proibidas. As coligações consistiam na reunião puramente circunstancial de partidos, para fins eleitorais, sem qualquer compromisso de alinhamento programático. Tal fato permitia, por exemplo, que o voto do eleitor dado a um partido que defendia a estatização de empresas ajudasse a eleger o candidato de um partido ultraliberal. Ou vice-versa. A fraude à vontade do eleitor era evidente. 5. Já a federação partidária, embora assegure a identidade e a autonomia dos partidos que a integram (art. 11-A, § 2º), promove entre eles: (i) uma união estável, ainda que transitória, com durabilidade de no mínimo 4 (quatro) anos (art. 11-A, § 3º, II); (ii) requer afinidade programática, que permita a formulação de estatuto e de um programa comuns à federação (art. 11-A, § 6º, II), e (iii) vincula o funcionamento parlamentar posterior às eleições (art. 11-A, § 1º). Em tais condições, as federações não implicam transferência ilegítima de voto entre partidos com visões ideológicas diversas e, portanto, não geram os impactos negativos sobre o sistema representativo que resultavam das antigas coligações proporcionais.
Nota-se que as coligações partidárias que sempre foram permitidas do país e receberam críticas por sua volatilidade, uso eleitoreiro e desarranjos internos nas ideologias funciona de forma diversa da federação. A principal diferença é a formalidade e o prazo da união dos partidos, na coligação há uma união mais informal e que, portanto, são rapidamente dissolvidas, além disso, não demanda maior compromisso programático-ideológico, servindo apenas a interesses para atravessar o pleito.
A federação, por outro lado, exige a união ao longo de quatro anos existindo afinidade ideológica e estabilidade. Neste caso a federação deve seguir analogamente a um partido único, ainda que os partidos que a compõem mantenham autonomia e independência interna.
Conclusão
Aparentemente a federação partidária tem por vantagem a possibilidade de criação de blocos com afinidade ideológica que devem ser estáveis e funcionar em conjunto por ao menos quatro anos, reduzindo, com isso, a fragmentação dosistema brasileiro e a necessidade de cooptação por parte do executivo, aprimorando, com isso, a democracia do país.
Nota-se também que existem incentivos para evitar o funcionamento como uma união de ocasião e mantendo problemas que se verificavam nas coligações anteriormente permitidas, uma vez que requerem afinidade programática, que permita a formulação de estatuto e de um programa comuns à federação (art. 11-A, §6º, II), e vinculam o funcionamento parlamentar posterior às eleições.
Ao lado disso, há a preservação da autonomia e independência partidárias, princípios caros aos valores constituídos pelo Brasil, permitindo ainda a superação de clausula de barreira legal por partidos pequenos ou "nanicos", cujas siglas melhorariam seus resultados eleitorais por gravitarem em torno de uma única com partidos maiores.
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Brasil (2021). Supremo Tribunal Federal. ADI 7021 MC / DF - Distrito Federal. Medida Cautelar Na Ação Direta De Inconstitucionalidade. Relator(A): Min. Roberto Barroso. Requerente: Partido Trabalhista Brasileiro - PTB. Publicação Processo Eletrônico Dje-243 Divulg 09/12/2021 Public 10/12/2021
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Megbel Abdalla Ribeiro Ferreira
Advogado e sócio do Escritório MPG Advogados, Membro do Instituto Brasileiro de Processo Civil, Especialista em Constitucional pelo IDP, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FACAM e Mestrando em Direito pela Universidade Portucalense através do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública - CECGP.


