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A traição pode ser crime de violência psicológica?

A quebra de confiança pode acarretar consequências jurídicas que ultrapassam, e muito, a separação de corpos.

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Atualizado às 14:16

Antes de tudo a traição em um casamento deixou de ser crime no ano de 2005, com a chamada "Abolitio criminis", pois a lei 11.106/05 retirou do código penal o tipo penal do crime de traição, mas esse primeiro parágrafo não responde à pergunta do título. 

 Com o advento do crime de violência psicológica em 2021, previsto no artigo 147-B do Código Penal, surgiram várias dúvidas, dentre elas se tudo o que abale o psicológico de uma pessoa poderia ser caracterizado como crime. Bem, primeiramente é importante destacar o texto do artigo 147-B do CP: 

"Art. 147-B.  Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:      

Pena - reclusão, de 6 meses a 2 anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave." 

Primeiramente percebe-se que o sujeito passivo do crime de violência psicológica necessariamente deva ser uma mulher, obviamente não importando se pessoa do sexo feminino ou que se entenda do gênero feminino. Já o sujeito ativo do crime pode ser tanto um homem, quanto uma mulher, pois não há no texto do artigo 147-B do código penal a especificidade de quem deva ser o sujeito ativo. Outro ponto interessante é que se a conduta constitui crime mais grave, não haverá o crime de violência psicológica mas sim o crime mais gravoso, como por exemplo o crime de tortura. 

A primeira parte do texto prevê que se a mulher sofrer dano emocional que prejudique e perturbe tal vítima em seu pleno desenvolvimento será crime. Imaginem então uma mulher que tenha conhecimento das traições do esposo, poderia então realizar uma notícia crime em desfavor do marido? 

 A resposta é depende. 

Caso a mulher, ao desconfiar do marido, contrate um detetive particular (Atividade regulamentada por normatização e reconhecida pelo STF)  para tentar ter conhecimento das traições e, seja constatado que o marido realmente está traindo, não será neste caso considerado o crime de violência psicológica, por mais que a mulher sofra dano emocional que a prejudique ou perturbe em seu pleno desenvolvimento por um único motivo: o crime de violência psicológica só existe na forma dolosa, ou seja, com a intenção de que o sujeito ativo cometa. 

Um exemplo de crime de violência psicológica, no ato da traição, seria o de o homem, com o intuito de vingar-se da esposa por qualquer motivo, informar a tal que houve a traição por parte dele, ou até mesmo mostre provas da traição para que a mulher tenha sofrimento psicológico. Havendo tal sofrimento psicológico por parte da mulher, pelo fato de o ato do acusado ser intencional, será caracterizado o crime de violência psicológica.  

A necessidade de o crime de violência psicológica existir somente na forma dolosa se dá pelo fato de o artigo 18 do Código Penal em seu parágrafo único prever que: 

"Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente". 

Como não há a forma culposa do crime de violência psicológica, não poderá um marido ser punido criminalmente se a esposa descobrir a traição por esta através de meios lícitos investigar, por outro lado, como dito, se o marido levar ao conhecimento da esposa as traições, para que tal mulher tenha o psicológico abalado e ocorra tal abalo, responderá tal marido pelo crime de violência psicológica. 

Poderia haver a forma tentada de tal crime? 

Caso o acusado conte para a esposa que a traiu, mostre provas como cartas de amor e, mesmo assim não haja o dano psicológico a tal mulher, pelo fato de esta conseguir resistir psicologicamente ao fato, poderá o acusado responder pela forma tentada do crime, conforme disposto no artigo 14, II do Código Penal:

"II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente." 

A dúvida é: não seria crime impossível? 

O crime impossível se dá quando há ineficácia absoluta do meio ou absoluta impropriedade do objeto, conforme prevê o artigo 17 do Código Penal, entretanto não é o caso, pois o acusado somente não conseguiu afetar a saúde mental da mulher pelo fato de esta manter-se inabalada através de esforço psicológico, o que não impede que tenha ocorrido a tentativa perfeita por parte do acusado. 

Mas sendo sincero, se infelizmente ainda há para alguns a dificuldade em registrar o crime de violência psicológica, imagino a forma tentada. 

 Agora imagine que marido e esposa sejam sócios de uma empresa, ambos utilizam a mesma sala e, eventualmente, o marido tem relações com uma empregada em tal sala, caberia o crime de violência psicológica? Também depende. Caso a esposa, ao flagrar o ato de traição, sofra dano à saúde psicológica e, o marido sabendo que a qualquer momento a esposa poderia entrar em tal sala, mas tal acusado movido pela emoção tenha passado a pensar "Se ela ver, que se dane, vou aproveitar o momento" será sim crime de violência psicológica, pois tal acusado assumiu o risco ao se relacionar com a empregada em local comum de trabalho com a esposa, o chamado "dolo eventual".  

 E a amante, também poderia responder pelo crime de violência psicológica? 

Se tal amante tinha a intenção de causar dano à saúde mental da vítima, pois era uma "patroa rigorosa", sim, responderá pelo crime na forma do concurso de pessoas previsto no artigo 29 do Código Penal - Outra situação que dificilmente veremos na prática. 

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. 

Por fim, independente da ação penal, há julgados cíveis inclinados no sentido de que aquele que trai deve pagar danos morais diante dos votos feitos no casamento, ou seja, mesmo que não haja o crime de violência psicológica pela falta do dolo, pode o ato doer no bolso. 

A quebra de confiança pode acarretar consequências jurídicas que ultrapassam, e muito, a separação de corpos. 

Wagner Luís da Fonseca e Silva

VIP Wagner Luís da Fonseca e Silva

Bacharel em Direito, aprovado no XXIII exame de habilitação da OAB. Pós-graduado em Direito Militar pelo Instituto Venturo. Pós-graduado em Gênero e Direito pela EMERJ. Policial Militar.

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