A conformidade legal de empresas brasileiras com leis anticorrupção em contratos internacionais
Como empresas brasileiras podem garantir a conformidade legal estrita com as leis nacionais e internacionais anticorrupção ao celebrar contratos internacionais.
terça-feira, 3 de outubro de 2023
Atualizado às 14:06
Introdução
Em um ambiente global de negócios, as empresas brasileiras que atuam em acordos comerciais internacionais enfrentam o desafio de assegurar a conformidade de seus contratos e atos com as leis anticorrupção, tanto a nível nacional quanto a nível internacional. Nesse contexto, artigo propõe uma análise, sob uma perspectiva jurídica, das complexidades envolvidas na perspectiva de contribuir com a garantia dessa conformidade em contratos e atos internacionais. Examina-se a legislação relevante, bem como as medidas práticas e estratégias jurídicas que devem ser adotadas pelas empresas brasileiras.
1. Das cláusulas anticorrupção nos contratos internacionais de direito privado
As cláusulas anticorrupção são uma parte importante dos contratos de negócios internacionais1, especialmente porque muitos países têm leis rigorosas contra a corrupção e empresas que não cumprem essas leis podem enfrentar sérias consequências legais e financeiras. Essas cláusulas abordam a questão da corrupção de várias maneiras.
Em primeiro lugar, os contratos frequentemente começam com uma declaração de que ambas as partes concordam em cumprir todas as leis aplicáveis, incluindo leis anticorrupção como a lei de Práticas de Corrupção no Exterior dos Estados Unidos da América - FCPA2 ou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - UNCAC3. Além disso, as partes também se comprometem explicitamente a não se envolver em atos corruptos, como suborno, extorsão ou tráfico de influência.
Além disso, contratos podem exigir que as partes conduzam devida diligência para garantir que não estão fazendo negócios com empresas ou indivíduos envolvidos em atividades corruptas. Também podem permitir auditorias para verificar o cumprimento dessas cláusulas.
Em muitos contratos, as partes podem ser obrigadas a fornecer treinamento aos funcionários e agentes sobre as leis anticorrupção relevantes e a importância da conformidade. Além disso, as cláusulas anticorrupção podem incluir proteções para denunciantes que relatam atividades suspeitas de corrupção, incentivando a transparência e a conformidade.
Do ponto de vista prático, as penalidades por violações das cláusulas anticorrupção, que podem incluir rescisão do contrato, multas substanciais ou litígios, também são especificadas nos contratos.
Além de cumprir as leis anticorrupção internacionais, as partes também podem ser obrigadas a cumprir as leis anticorrupção locais dos países em que operam. E, em alguns casos, podem ser solicitadas a fornecer certificados de conformidade com as leis anticorrupção como parte da documentação contratual. Essas cláusulas também podem se estender a terceiros e subcontratados envolvidos no contrato para garantir que a conformidade seja mantida em todas as partes envolvidas. Sabendo disso, cabe analisar a legislação nacional e internacional, ratificada pelo Brasil.
2. Legislação anticorrupção nacional e internacional
a. Legislação brasileira anticorrupção
A lei Anticorrupção Brasileira, lei 12.846/134, é uma legislação que tem um impacto significativo nas operações de empresas no Brasil. Ela estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas por atos de corrupção praticados em seu nome ou em seu benefício, o que significa que as empresas podem ser responsabilizadas independentemente da comprovação de culpa individual de seus executivos ou funcionários. Essa legislação tem implicações profundas para as empresas brasileiras e exige uma análise jurídica profunda e a implementação de medidas rigorosas de conformidade.
A seguir, há alguns pontos importantes relacionados a essa legislação e é essencial que as empresas brasileiras estejam plenamente cientes deles:
- Responsabilidade objetiva: Já em seu artigo 1º, a lei introduziu a responsabilidade objetiva das empresas, o que significa que elas podem ser responsabilizadas por atos de corrupção mesmo que a alta administração não tenha conhecimento direto ou envolvimento nos atos ilegais. Isso torna crucial que as empresas estejam cientes das atividades realizadas em seu nome ou benefício.
- Sanções significativas: A legislação, sobretudo no artigo 6º, prevê sanções severas para empresas envolvidas em atos de corrupção, incluindo multas substanciais, proibição de participação em licitações públicas e até mesmo a dissolução da empresa. Portanto, a não conformidade pode ter consequências devastadoras para as empresas.
- Programas de conformidade (compliance): O art. 7º, inciso VIII, da dita lei, incentiva as empresas a desenvolver e manter programas de conformidade rigorosos. Isso não apenas ajuda a prevenir a corrupção, mas também pode ser considerado um fator atenuante em caso de violações. É essencial que as empresas estabeleçam políticas internas e procedimentos que estejam em conformidade estrita com as disposições da lei.
- Due diligence e auditoria interna: As empresas devem realizar due diligence adequada ao fazer negócios com terceiros, como fornecedores e parceiros, para evitar associações com entidades envolvidas em corrupção5. Além disso, a auditoria interna deve ser implementada para monitorar e avaliar continuamente a conformidade.
- Treinamento e conscientização: É fundamental que as empresas forneçam treinamento adequado a todos os funcionários sobre as implicações da Lei Anticorrupção e as políticas internas de conformidade. A conscientização é um elemento crucial na prevenção da corrupção.
- Denúncias internas (whistleblowing): A legislação também incentiva a criação de canais de denúncia internos para que os funcionários possam relatar atividades suspeitas de corrupção sem medo de retaliação. O artigo 7º, inciso VIII, da lei aborda o sujeito no sentido que haja "a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica" (grifo meu).
- Cooperação com autoridades: Em caso de investigações, a lei prevê no artigo 7º, inciso VII, que as empresas são incentivadas a cooperar plenamente com as autoridades, o que pode afetar a extensão das penalidades.
Em resumo, a lei Anticorrupção Brasileira representa um marco importante na luta contra a corrupção no país. Para evitar consequências legais graves e proteger sua reputação, as empresas brasileiras devem estar plenamente cientes dessa legislação, implementar programas de conformidade robustos e garantir que suas operações estejam em estrita conformidade com suas disposições. Além disso, a busca por aconselhamento jurídico especializado é altamente recomendada para garantir a conformidade eficaz.
b. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - CNUCC
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC)6, também conhecida como UNCAC (sigla em inglês), representa um marco crucial na luta global contra a corrupção. Esta convenção internacional foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e entrou em vigor em 14 de dezembro de 2005. O Brasil a ratificou no dia 15 de junho de 2005 e a promulga no dia através do decreto 5.687, de 31 de janeiro de 2006.
Seu objetivo central é fortalecer medidas de prevenção e combate à corrupção, tanto em nível nacional quanto internacional, abrangendo tanto o setor público quanto o privado. A UNCAC busca promover valores fundamentais, como integridade, responsabilização e transparência, em governos e empresas em todo o mundo. Destaca-se como o único tratado global que aborda a corrupção de maneira tão abrangente, até hoje com 189 Estados Partes.
A convenção compreende uma série de disposições e medidas destinadas a prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção. Isso engloba iniciativas preventivas, como a promoção da transparência e da ética nos setores público e privado, bem como a educação e conscientização pública. Além disso, a UNCAC estabelece medidas de aplicação da lei, obrigando os Estados Partes a investigar e processar atos de corrupção, além de cooperar em nível internacional para a extradição de suspeitos e a recuperação de ativos desviados.
Uma faceta importante da UNCAC é o incentivo à participação ativa da sociedade civil no combate à corrupção. Além disso, estabelece um mecanismo de revisão e monitoramento para avaliar o progresso dos Estados Partes na implementação das medidas anticorrupção. Essa abordagem contribui para a prestação de contas e exerce pressão sobre os países para que cumpram suas obrigações.
No contexto do Brasil, já que o país é Estado-parte da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção desde 2005, nos implica a obrigação de seguir os princípios e as obrigações estabelecidas por esse tratado internacional. A UNCAC oferece um sólido arcabouço legal para prevenir e combater a corrupção em transações comerciais internacionais, estabelecendo diretrizes específicas para empresas brasileiras em âmbito global.
Conclusão
Assegurar a conformidade legal em acordos comerciais internacionais para prevenir a corrupção é uma exigência crítica para empresas brasileiras que operam em um cenário global. O estrito cumprimento da legislação nacional e internacional, a realização da due diligence jurídica, a implementação de políticas internas robustas e o monitoramento constante são medidas cruciais do ponto de vista jurídico e doutrinário para mitigar os riscos de corrupção. Em um ambiente empresarial global caracterizado pela crescente complexidade regulatória, as empresas devem permanecer vigilantes em relação às mudanças legais e buscar constantemente melhorar suas práticas, mantendo assim uma postura anticorrupção sólida e eficaz.
Este artigo proporcionou uma análise, sob uma perspectiva estritamente jurídica e doutrinária, para empresas brasileiras, destacando a necessidade de prevenir a corrupção em acordos comerciais internacionais. A aplicação rigorosa dessas medidas é fundamental para preservar a integridade, a reputação e a sustentabilidade das empresas em um ambiente empresarial global onde a corrupção representa um risco considerável.
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1 YAN, Y. The Inclusion of Anti-Corruption Clauses in International Investment Agreements and Its Possible Systemic Implications. Asian Journal of WTO & International Health Law & Policy, [s. l.], v. 17, n. 1, p. 141-173, 2022. Disponível em: https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=bth&AN=157045535&lang=fr&site=eds-live. Acesso em: 29 set. 2023.
2 Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). United States Code, Title 15, Sections 78dd-1, et seq. Disponível em: https://www.investor.gov/introduction-investing/investing-basics/glossary/foreign-corrupt-practices-act-fcpa . Acesso em: 29 set. 2023.
3 Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC). Adotada em 31 de outubro de 2003. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf . Acesso em: 29 set. 2023.
4 Brasil. lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013.
5 GUIMARA~ES, Monica da Silva. Due diligence de integridade: gesta~o de terceiros frente a` lei 12.846/13. Disponi'vel em: https://comissaocomplianceaba.jusbrasil.com.br/artigos/1346610196/due-diligence-de-integridade- gestao-de-terceiros-frente-a-lei-12846. Acesso em: 29 set. 2023
6 Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC). Adotada em 31 de outubro de 2003. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf . Acesso em: 29 set. 2023.
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Brasil. lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013.
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC). Adotada em 31 de outubro de 2003. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf . Acesso em: 29 set. 2023.
Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada em 31 de outubro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1º fev. 2006.
Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). United States Code, Title 15, Sections 78dd-1, et seq. Disponível em: https://www.investor.gov/introduction-investing/investing-basics/glossary/foreign-corrupt-practices-act-fcpa . Acesso em: 29 set. 2023.
GUIMARA~ES, Monica da Silva. Due diligence de integridade: gesta~o de terceiros frente a` Lei 12.846/2013. Disponi'vel em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/due-diligence-de-integridade-gestao-de-terceiros-frente-a-lei-12846-2013/1346610196 . Acesso em: 29 set. 2023
YAN, Y. The Inclusion of Anti-Corruption Clauses in International Investment Agreements and Its Possible Systemic Implications. Asian Journal of WTO & International Health Law & Policy, [s. l.], v. 17, n. 1, p. 141-173, 2022. Disponível em: https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=bth&AN=157045535&lang=fr&site=eds-live . Acesso em: 29 set. 2023.


