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Defensoria pública e medicamentos

Atualmente, as disposições acerca do fornecimento de medicamentos se revelam nos sentidos apresentados acima, destacando-se que o entendimento jurisprudencial pode (e deve) se alterar.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Atualizado em 25 de outubro de 2023 11:41

A Defensoria Pública é uma instituição essencial ao Estado Democrático de Direito, sendo que lhe compete, dentre outras atribuições, a promoção dos direitos humanos e a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, quais sejam, dentre outros, aqueles que não possuem condições econômicas para arcarem com as custas de um advogado particular

Nesse sentido, dispõe o artigo 134, caput, da Constituição Federal:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal .         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014) 

Portanto, a Defensoria Pública detém a função de lutar pelos direitos dos menos favorecidos, seja na seara administrativa ou judicial.

Posto isso, insta salientar que a saúde é um direito social, ou seja, exige a prestação efetiva por parte do Estado, conforme o artigo 6º, caput, da Constituição Federal:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Sendo assim, cumpre consignar que a Defensoria Pública possui capacidade postulatória para ingressar com demandas judiciais em favor dos necessitados, exigindo o fornecimento de medicamentos por parte dos entes federativos.

Vale dizer que o STF decidiu, no Tema 793, que os entes federativos são responsáveis solidários ao fornecimento de medicamentos.

Assim:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 

Restou pacificado no STF, inclusive, que a ação prestacional na área da saúde proposta contra qualquer dos entes federativos tramitará normalmente, inclusive na fase condenatória, sendo que, após, o ente responsável e competente para tanto deverá ressarcir o outro que suportou o encargo.

Frise-se que, apesar de existir uma legitimidade passiva solidária dos entes federativos, o cidadão poderá escolher livremente de qual deles cobrar a prestação na área da saúde, não havendo que se falar em litisconsórcio necessário, mas apenas facultativo.

Passa-se a explicar algumas situações peculiares de fornecimento de medicamentos.

 

Fornecimento de medicamentos não incorporados no SUS

O STJ, mais precisamente a sua Primeira Seção, pacificou o entendimento no Tema 106 de que para a concessão de medicamentos não incorporados em quaisquer atos normativos do SUS se faz necessária a presença conjunta de três requisitos, quais sejam:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

Deve, então, existir um laudo médico acerca da necessidade do medicamento, além da ineficácia daqueles fornecidos pelo SUS para o tratamento da doença.

Faz-se mister ainda a prova da impossibilidade econômica de a pessoa suportar os gastos do aludido medicamento.

Finalmente, deve haver o registro do medicamento na ANVISA.

Portanto, o defensor público ou o advogado particular devem possuir ciência de tais critérios cumulativos para pleitear o fornecimento de medicamentos não incorporados no SUS para que prestem a efetiva tutela ao jurisdicionado. 

Medicamento não incluído nas políticas públicas, mas devidamente registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 14, firmou algumas teses no caso de fornecimento de medicamentos não incluídos nas políticas públicas, porém devidamente registrados na ANVISA.

As teses são as seguintes:

a) nas hipóteses de ações relativas à saúde intentadas com o objetivo de compelir o poder público ao cumprimento de obrigação de fazer consistente na dispensação de medicamentos não inseridos na lista do Sistema Único de Saúde (SUS), mas registrados na Anvisa, deverá prevalecer a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar; 

b) as regras de repartição de competência administrativa do SUS não devem ser invocadas pelos magistrados para fins de alteração ou ampliação do polo passivo delineado pela parte no momento da propositura da ação, mas tão somente para fins de redirecionar o cumprimento da sentença ou determinar o ressarcimento da entidade federada que suportou o ônus financeiro no lugar do ente público competente, não sendo o conflito de competência a via adequada para discutir a legitimidade ad causam, à luz da Lei 8.080/1990, ou a nulidade das decisões proferidas pelo juízo estadual ou federal - questões que devem ser analisadas no bojo da ação principal; e

c) a competência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, I, da Constituição Federal, é determinada por critério objetivo, em regra, em razão das pessoas que figuram no polo passivo da demanda (competência ratione personae), competindo ao juízo federal decidir sobre o interesse da União no processo (Súmula 150 do STJ), não cabendo ao juízo estadual, ao receber os autos que lhe  foram  restituídos  em  vista  da  exclusão  do  ente  federal  do  feito,  suscitar  conflito  de competência  (Súmula 254 do STJ).

Destarte, a competência para julgar ações de fornecimento de medicamento registrados na ANVISA e não inseridos no SUS é a do ente federativo o qual a parte autora escolheu demandar.

O STJ reiterou que deve haver o redirecionamento do cumprimento da obrigação para o ente federativo competente ou o ressarcimento, não sendo passível de ampliação do polo passivo ou mesmo a ilegitimidade de parte, ressaltando-se a responsabilidade solidária já mencionada quanto à saúde.

Por fim, o STJ destacou que é o juízo federal quem decide se há interesse da União na lide e não o juízo estadual.

Medicamentos de alto custo

O STF fixou no Tema 6 o seguinte:

Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo. 

Destarte, compete aos entes federativos o fornecimento de medicamentos caros para portadores de doenças graves hipossuficientes economicamente.

Medicamentos sem registro na ANVISA, mas com importação autorizada

O STF fixou o Tema 1.161: 

Dever do Estado de fornecer medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária.

Sendo assim, o Estado possui o dever de garantir o medicamento que, não tendo o seu registro na ANVISA, é por ela autorizada a sua importação.

Medicamentos não registados na ANVISA e as operadoras de plano de saúde

O STJ fixou o Tema 990 de que as operadoras de plano de saúde, ou seja, as privadas, não são obrigadas a fornecer medicamentos.

As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA. 

Portanto, a seara privada não é obrigada a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA.

Ressalte-se que o simples fato de o assistido possuir plano privado de saúde não o exclui necessariamente de fazer jus à assistência jurídica da Defensoria Pública, na qualidade de hipossuficiente econômico.

Legitimidade para o fornecimento de medicamentos não padronizados no SUS, mas registrados na ANVISA 

O STF pacificou o seguinte entendimento no Tema 1.234:

Legitimidade passiva da União e competência da Justiça Federal, nas demandas que versem sobre fornecimento de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, mas não padronizados no Sistema Único de Saúde - SUS.

Destarte, as ações que tratam sobre fornecimento de medicamentos registrados na ANVISA, porém não padronizados no SUS, devem ser intentadas na Justiça Federal, haja vista que a legitimidade para figurar no polo passivo é da União.

Conclusão

A saúde, portanto, é um direito social a ser perseguido pelos cidadãos, sobretudo os necessitados, por meio da Defensoria Pública, exigindo a prestação do Estado para a sua efetivação, eis que se configura como um direito de segunda dimensão.

Atualmente, as disposições acerca do fornecimento de medicamentos se revelam nos sentidos apresentados acima, destacando-se que o entendimento jurisprudencial pode (e deve) se alterar.

Assim, compete ao advogado particular e à Defensoria Pública se atentarem ao pensamento atual da jurisprudência, porém não se olvidando da possibilidade de lutarem pela saúde dos jurisdicionados com base na Constituição Federal e na ungida igualdade material tão almejada pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e demais legislações pertinentes à espécie.

______________ 

BRASIL, Constituição da República Federativa do - 1988.

Tema 106 do Superior Tribunal de Justiça.

Incidente de Assunção de Competência (IAC) 14 do Superior Tribunal de Justiça.

Tema 6 do Supremo Tribunal Federal.

Tema 793 do Supremo Tribunal Federal.

Tema 990 do Supremo Tribunal Federal.

Tema 1.161 do Supremo Tribunal Federal.

Tema 1.234 do Supremo Tribunal Federal.

Rafael Augusto Damasceno Penati

VIP Rafael Augusto Damasceno Penati

Graduação na extinta Faculdade Uniseb. Pós-Graduação em Direito Penal no Damásio Educacional. Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil no Legale Educacional. Advogado autônomo.

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