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O Código de Defesa do Consumidor não privilegia a defesa do consumidor em detrimento do fornecedor

Seja você um consumidor, pessoa física ou jurídica, ao questionar o "excesso" de proteção do Código de Defesa do Consumidor, tenha cuidado, pois você pode ser o próximo a necessitar dessa "proteção em excesso".

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Atualizado às 14:25

Recentemente, em meu Instagram, onde compartilho diariamente questões práticas de Direito do Consumidor com milhares de seguidores, deparei-me com o seguinte comentário: "Deveria existir um CDE, Código de Defesa do Empresário! Somos sempre tratados como culpados, enquanto os consumidores são considerados inocentes. Isso não é justo!". Diante desse posicionamento (que, desde já, discordo veementemente), optei por argumentar tecnicamente sobre os motivos pelos quais essa opinião não se alinha com os objetivos do Código de Defesa do Consumidor.

Primeiramente, é fundamental reconhecer que a proteção do consumidor é um direito fundamental, assegurado pelo Art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal.

Para reconhecer a fragilidade de um consumidor, basta tentar cancelar um plano de telefone celular e passar horas aguardando; realizar uma compra online e não receber o produto, sem qualquer retorno da loja; financiar um veículo em inúmeras parcelas e descobrir que existe um defeito oculto; ser vítima de um golpe bancário e perder anos de economias em minutos; adquirir uma viagem que é cancelada sem justificativa na véspera; ter seu nome indevidamente negativado; ou não conseguir utilizar seu plano médico quando mais precisar. Isso, entre muitos outros exemplos.

No entanto, se você, caro leitor ou leitora, nunca vivenciou essas situações, você poderá ser considerado (a) uma pessoa de sorte!

É importante destacar um pouco do contexto histórico. Em 15 de março, comemoramos o Dia Mundial do Consumidor. Você pode se perguntar por que essa data? Ela marca o discurso proferido pelo então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, perante o Congresso Americano em 15 de março de 1962.

Na ocasião, Kennedy defendeu a necessidade de proteger o consumidor por meio de direitos fundamentais, como segurança, informação, declarando: "Consumidores somos todos nós".

Portanto, desde 1962, em nível mundial, reconhecemos a importância do consumidor. Muitos fornecedores que questionam o "excesso" de proteção ao consumidor esquecem que eles próprios são consumidores em suas vidas pessoais e comerciais. Sim, fornecedor, você também pode ser considerado um empresário-consumidor, utilizando-se do Código de Defesa do Consumidor, conforme previsto na chamada Teoria Finalista Mitigada, complementada pelo Art. 2º do CDC, que reconhece a possibilidade do empresário-consumidor: "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final".

Por que é tão crucial a proteção do consumidor? A resposta é simples. O consumidor é a base de qualquer economia de um país. Pense na cadeia comercial: Fabricante > Importador > Comerciante > Consumidor. Se o último deixa de adquirir produtos ou contratar serviços, toda a cadeia comercial se desfaz. Além disso, a figura do consumidor desempenha um papel essencial na geração de empregos e na arrecadação de tributos para o Estado. Cada transação financeira gera impostos, que são direcionados ao Estado. Portanto, sem a proteção do consumidor, o restante da economia desaparece. É simples assim!

Quanto à legislação de proteção ao consumidor, ela não é incompatível com a livre iniciativa empresarial e o crescimento econômico. Os empresários têm a liberdade de exercer suas atividades econômicas, desde que respeitem os direitos do consumidor. Por exemplo, eles podem elaborar contratos de adesão, estipular cláusulas contratuais conforme desejarem e lançar produtos ou serviços no mercado de consumo, entre outros exemplos relacionados à liberdade empresarial. A regra é clara: "fornecedores que respeitam o Código de Defesa do Consumidor não enfrentam problemas".

A legislação do consumidor não apenas é considerada um microssistema jurídico, mas também se baseia em princípios, destacando-se o princípio da Harmonização dos Interesses e o Princípio do Equilíbrio nas Relações de Consumo. Esses princípios buscam equilibrar as responsabilidades entre consumidores e fornecedores, sem favorecer uma parte em detrimento da outra. A lei não foi criada com esse propósito e nunca será. Em uma relação jurídica, o fornecedor detém o conhecimento técnico, jurídico e informacional do produto ou serviço, enquanto o consumidor não possui conhecimentos específicos. Isso cria uma desigualdade, na qual as escolhas do consumidor são muitas vezes direcionadas pelos fornecedores.

Portanto, seja você um consumidor, pessoa física ou jurídica, ao questionar o "excesso" de proteção do Código de Defesa do Consumidor, tenha cuidado, pois você pode ser o próximo a necessitar dessa "proteção em excesso". Afinal, desde 1962, reconhecemos que todos somos consumidores.

Caio de Luccas

VIP Caio de Luccas

Advogado Especialista em Dir. do Consumidor. Professor Dir. do Consumidor. Presidente Comissão Defesa Consumidor da 35ª Subseção da OAB/SP. Pós-Graduado Dir. do Consumidor Universidade de Coimbrã (PT).

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