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As testemunhas e os informantes no Tribunal do Júri

No Tribunal do Júri a acusação e a defesa podem arrolar testemunhas e informantes que entendam ser capazes de comprovar a tese, com uma importante diferença entre eles: o compromisso com a verdade.

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Atualizado em 1 de março de 2024 10:31

Tanto na fase de instrução quanto na fase de plenário, as partes, defesa e acusação, podem arrolar testemunhas e  informantes que entendam ser capazes de comprovar a tese, havendo uma importante diferença entre eles: o compromisso com a verdade.

Nem todos que depõem em juízo têm o dever de dizer a verdade. Apenas as testemunhas têm esse dever, conforme o artigo 203 do CPP:

"Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é pa rente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade."

E quem pode ser testemunha? Toda pessoa, nos termos artigo 202:

"Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha."

As "testemunhas" são, em regra, pessoas que tiveram algum contato com os acontecimentos e podem com a sua versão ajudar a esclarecer os fatos. Devem possuir certa imparcialidade em relação aos fatos e as pessoas envolvidas (réu e vítima), inclusive, como visto, se comprometendo em dizer a verdade sob pena de incorrer em crime de falso testemunho.

Entretanto, para alguns casos, a lei entende que pelas condições particulares da pessoa que presenciou os fatos não pode ela ser considerada testemunha, mas apenas informante, é o caso por exemplo de pessoa que têm algum parentesco, amizade íntima ou inimizade com o réu ou com a vítima, a qual por conta dessa proximidade pode, voluntária ou involuntariamente, falsear a verdade ou apresentar uma visão distorcida da realidade, in casu qualquer uma das pessoas elencadas nos artigos 206, 207 e 208 do CPP:

  • Ascendente.
  • Descendente.
  • Afim em linha reta.
  • Cônjuge, ainda que desquitado.
  • Irmão.
  • Pai.
  • Mãe.
  • Filho adotivo do acusado.
  • Pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo.
  • Doentes e deficientes mentais.
  • Menores de 14 anos...

Nesses casos a lei permite que a pessoa não seja obrigada legalmente a dizer a verdade - comprometendo-se apenas "moralmente" em dizê-la.

Estas pessoas acima descritas prestam seu depoimento então na simples condição de informantes. Termo técnico que serve para diferenciá-las das testemunhas e não tem qualquer relação com a pecha de "informante da policia" ou algo do gênero.

Ao contrário, essas categorias de pessoas não tem o compromisso de dizer a verdade, em sua maioria, justamente pela sua proximidade com o acusado, que faz presumir ser mais difícil para elas dizer a verdade, seja por questões morais, afetivas ou profissionais.

Então o legislador, para não ter que prender todo mundo que não queira falar contra alguém próximo, achou por bem não exigir dessas pessoas o compromisso de dizer a verdade.

O que não impede a manutenção do dever moral de dizer a verdade e colaborar com a justiça.

Desse modo, a Justiça colhe o depoimento dessas pessoas, mas com "ressalvas", ou seja, seus depoimentos têm "menos força" do que os das testemunhas compromissadas, pois estas podem responder pelo crime de falso testemunho do Art. 342 do Código Penal e sair presas do julgamento, enquanto aquelas não respondem por nada se mentirem.

Ou seja, na hora de decidir, o Magistrado fatalmente leva mais em consideração o depoimento da testemunha do que do informante, principalmente se forem contraditórios.

O que muitas vezes promove graves injustiças, pois nem sempre quem é informante está mentindo e nem sempre quem é testemunha fala verdade.

Todos os dias acontecem erros judiciários desastrosos por conta de falsos testemunhos e falsas vítimas.

Entretanto, existe um lugar onde essa diferença entre testemunhas e informantes não tem qualquer validade prática: o  plenário do Tribunal do Júri.

No plenário do Tribunal do Júri os destinatários das provas são os jurados e não o juiz.

E os jurados, cidadãos da população convocados para decidir a causa, juízes leigos, sem qualquer formação jurídica ou compromisso com detalhes legais, pouco ou nada se importam com a classificação jurídica dos depoentes, para eles são todos seres humanos e são todos são iguais.

A mãe de um acusado, que na justiça comum ou na fase de instrução teria sido informante e tido seu depoimento valorado com ressalvas, no plenário do júri pode decidir a causa, caso os jurados sintam em seus olhos a sinceridade em afirmar a inocência do filho, por exemplo.

E podem tomar o depoimento de uma testemunha policial como mentira, por não acreditarem na forma com que conta os fatos ou nas suas contradições.

Todos são iguais para os jurados, que consideram mais o direito natural do que o legal.

Decidem em favor de quem for mais verossímil, suas "antenas" estão a todo momento buscando contradições nos depoimentos de quem quer que seja, bastando encontrar uma para já ligar o alerta de mentiroso.

Os peritos, por sua vez, são auxiliares técnicos que atuaram no processo, dentro ou fora da estrutura do estado, tratando de um ponto de análise técnico-científica ou que podem vir a esclarecer algum outro ponto no curso do processo. Por exemplo o médico legista que estabeleceu a causa da morte e pode ser arrolado para explicar melhor os termos do laudo de necropsia, ou um perito grafotécnico que pode ser arrolado para explicar o porquê determinada assinatura é verdadeira ou falsa, etc...

Na fase de instrução é possível arrolar até oito testemunhas por acusado e na fase de plenário até cinco testemunhas por acusado (nesse número incluídos os informantes e os peritos).

O arrolamento de testemunhas é uma questão muito delicada para ambas as partes, defesa ou acusação, isso porque a produção de provas com base no depoimento de testemunhas é sempre muito arriscado e imprevisível.

Por tratar-se de seres humanos, as testemunhas são suscetíveis a toda sorte de falhas, manipulações e pressões, podendo vir a comprometer inclusive a tese de quem as arrolou.

Foi-se o tempo em que a prova testemunhal era a prova mais relevante do processo. Modernamente sabe-se que, na verdade, se trata de uma modalidade de prova muito frágil, principalmente com os recentes estudos nas áreas da psicologia e neurociência que demonstram a incrível capacidade humana de falsear a realidade e criar falsas impressões e falsas memórias acerca dos acontecimentos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, há um forte movimento chamado "The Innocent Project" que tem o intuito de comprovar e derrubar as falsas convicções que motivaram a prisão de pessoas inocentes e restabelecer as suas liberdades.

Antes de se arrolar alguém para comparecer ao julgamento deve-se ter o máximo de certeza e segurança acerca do comportamento daquela pessoa e só fazer perguntas para as quais já se sabe a resposta.

O julgamento no Júri não é o local para "investigar" os acontecimentos e as testemunhas não servem para trazer nenhuma informação nova, o papel delas deve restringir-se apenas a comprovação da tese de quem as arrolou.

Se não houver a segurança quanto a conduta da testemunha e, principalmente, quanto a utilidade do seu depoimento, o melhor caminho é não arrolar a testemunha.

Evidentemente este é apenas um panorama geral sobre o tema da testemunhas, havendo todo um outro universo em relação às técnicas de oitiva e utilização dos depoimentos como meio de firmar a tese, mas esse é assunto para outro artigo.

Ronaldo Costa Pinto

VIP Ronaldo Costa Pinto

Bacharel em Direito pela PUC-PR. Advogado Criminalista com atuação nos casos de competência do Tribunal do Júri, Tribunais Superiores e Penal Econômico.

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