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Constelação familiar como ferramenta para apoio ao sistema judiciário

A Constelação familiar, uma técnica terapêutica que demanda introspecção, visa identificar as raízes de conflitos ao estudar as dinâmicas de relações, proporcionando resolução e paz aos envolvidos.

domingo, 12 de novembro de 2023

Atualizado em 10 de novembro de 2023 14:55

Foi noticiado em 2018 que o juiz Sami Storch, que atua na Bahia, fez uso da Constelação familiar para resolver conflitos. Lembram desse assunto? Ou seja, 5 anos atrás o juiz por meio da técnica de Constelação conseguiu mostrar o que a filha realmente buscava e que não tinha correlação com os alimentos propriamente dito e deixar claro os sentimentos do pai. Resultado, a moça desistiu do processo e os dois se abraçaram e se emocionaram.

A Constelação familiar trata-se de uma técnica terapêutica, fruto de anos de observação, em que as pessoas, que desejam atuar com ela, devem fazer um trabalho interno para poder olhar com isenção o que se apresenta a sua frente. É preciso ter vivenciado o caminho para conduzir alguém; assim como fez o juiz e outros profissionais.

Além disso, a Constelação é um método que visa identificar a razão de um conflito estudando a base dos sistemas de relações, observando determinado indivíduo e suas interações para conhecer a origem, muitas vezes oculta, de uma questão e resolvê-la; muitas vezes trazendo paz aos envolvidos.

Recentemente, a - Associação Brasileira de Constelações Sistêmicas (ABC Sistemas) com o objetivo de promover a regularização da adoção da Constelação no contexto dos métodos consensuais de resolução de conflitos entrou com um pedido no CNJ. No último dia 17 de outubro, teve início o processo de análise da Constelação familiar ser utilizada no âmbito no judiciário. Sendo o cenário o seguinte até então: voto do relator conselheiro contra o uso da técnica porque, na visão dele, a prática utiliza um estereótipo de família imutável e misógino baseado em leis imutáveis trazendo o risco de uma revitimização; além de não possuir respaldo científico, não podendo ser adotado como política pública. Atualmente o tema está com vista para a conselheira Sanchotene.

A abordagem deste assunto nos leva por um caminho que vale muito a pena refletir. O cenário jurídico é milenar, existe a milênios antes de Cristo e a Constelação, surgiu nos anos de 1980, na Alemanha, sob a batuta de Bert Hellinger, que defendia a existência de um inconsciente familiar que tem grande importância e afetação na vida dos indivíduos e para as organizações. Por isso é bastante compreensível o desafio que o CNJ possui para examinar um tema tão novo com lentes antigas, formais e altamente "estruturadas" podendo chegar a uma inflexibilidade que causa a famosa morosidade.

Não obstante, sabemos que o Direito é uma ciência eminentemente social, cujo foco são as relações humanas, as relações sociais. Muitas questões, que são levadas ao Judiciário, constatam-se que são questões relacionadas a aspectos familiares relativos às disfuncionalidades na ordem das famílias, na hierarquia das famílias e no pertencimento. Por exemplo, filhos cuidados por avós viram irmãos de seus pais e isso causa desordem.

Outro aspecto importante estudado na Constelação familiar é o pertencimento, nascemos então pertencemos a uma família e a um lugar. Por vezes nota-se uma desordem de pertencimento. A exemplo do caso dos excluídos, abortos espontâneos ou não, há as exclusões sociais, como também os suicidas, pessoas deficientes etc.

Papel do constelador

Há uma doutrina vasta sobre o tema Constelação familiar e quem domina a técnica sabe que não há um estereótipo de família imutável e misógino baseado em leis imutáveis nesta prática. Muito pelo contrário, a prática é aberta e só no desenvolvimento dela é que o cenário de cada um vai se formando e emergindo para trazer a compreensão.

Tal ferramenta traz clareza de que é o ser humano que tem dentro de si tudo o que precisa para os seus processos de transformação, tomada de consciência e cura, devendo responsabilizar-se por seu processo de desenvolvimento. Ou seja, é algo mais sofisticado que aplicar a decisão de um terceiro (juiz) a determinado caso concreto envolvendo determinadas pessoas. A Constelação está a serviço da conciliação, da paz e do equilíbrio entre o dar e o receber. Ela ajuda a restabelecer o fluxo da vida, por meio do assentimento que é o SIM da alma para algo; e de trabalhar os emaranhados que a maioria das pessoas e famílias possuem.

Um exemplo é o caso de pessoas que não sabem mais se amam ou odeiam seu pai ou sua mãe, em razão de uma ação ou omissão. Com isso prejudicam-se as relações familiares.

Um emaranhado pode se arrastar por gerações, prejudicando os descendentes. Sabemos que as crianças são o reflexo dos adultos. E, mesmo sem intenção, por vezes, transmite-se aos filhos comportamentos que eles irão reproduzir sem refletir a respeito. Assim, é criado um ciclo de ações prejudiciais, os emaranhamentos.

Mesmo nas organizações acontecem esses emaranhados e podemos trabalhar por meio das constelações para trazer clareza e luz às relações melhorando o ambiente e a produtividade organizacional.

A Constelação, como ferramenta de apoio, não se restringe somente ao âmbito do Judiciário, pois aplica-se também no âmbito educacional, de saúde e como disse acima ao sistema corporativo.

Na saúde pública, a Constelação familiar foi indicada pela portaria 702, do Ministério da Saúde, de 2018, sendo que o SUS já realizou mais de 24 mil sessões de constelações familiares no país.

Explique-se também que a postura exigida para um bom constelador demanda saber ouvir, estimular a pessoa a emergir suas questões e as soluções, presença, acolhimento, ter total respeito ao contexto das pessoas, conexão, atenção, linguagem respeitosa.

Haja vista os grandes problemas do Judiciário e sua não efetividade em muitos casos, a sociedade já entendeu a importância da conciliação, mediação e arbitragem como técnicas eficazes para a solução de conflitos, pois as mesmas fortalecem a confiança não só pela celeridade com que resolvem a demanda, mas também pelo estado emocional de paz que envolve os participantes. Assim sendo, por que não colocar a serviço de quem necessita também a ferramenta de Constelação familiar?

Vamos dar uma chance às constelações? Assisti a várias e várias constelações, passei por elas na minha caminhada e não testemunhei cenários de piora para as pessoas mas sim cenários de maior compreensão sobre padrões familiares, nem sempre saudáveis, que se repetem de geração em geração e maior leveza e paz interna para os que vivenciam essa prática.

Viviane Ribeiro Gago

VIP Viviane Ribeiro Gago

Facilitadora em Desenvolvimento Humano, Autora: Biografia de uma pessoa comum, Olhares para os sistemas, Advocacia Corporativa e outros. Advogada e Mestre em Direito das Relações Sociais

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