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O futuro da advocacia: para onde iremos?

Compreendendo a relevância da valorização da advocacia, que abrange o cuidado com os profissionais e a ampliação do mercado de trabalho, destaca-se a necessidade de representatividade.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Atualizado às 09:24

Desde que a Ordem dos Advogados do Brasil foi criada, em 1930, transferiu-se para a própria classe a organização e controle da advocacia, o que foi essencial para que a maior entidade civil do País se tornasse independente e protagonizasse momentos importantes da história nacional.

Nos últimos anos, porém, a advocacia se agigantou em termos quantitativos, especialmente em decorrência da liberação dos cursos jurídicos no Brasil, em detrimento, sem dúvida, da qualidade. Somos mais de um milhão e trezentos mil inscritos espalhados em todo o País, o que implica a equação aproximada de um advogado para cada 164 habitantes. O mercado de trabalho acirrou-se de forma desmedida e, por consequência, não são poucos os atropelos aos princípios e regras mais comezinhos que regem a advocacia.  

Em tempos em que o MEC discute - e tende a permitir - que o curso de Direito possa ser realizado por EAD (ensino à distância) torna-se indispensável resgatar a participação efetiva da OAB na aprovação dos cursos jurídicos, com absoluto respeito ao parecer opinativo que emite por força do art. 54, inciso XV, do EAOAB. Mais do que isso: a OAB deve ter poder de veto, de modo a impedir a desmedida proliferação de cursos jurídicos que despejam incontáveis bacharéis despreparados no mercado, pois o Brasil é o País com maior número de cursos de Direito no mundo (mais de 1500), com exponencial crescimento na última década. A quantidade, porém, é inversamente proporcional à qualidade e, por isso, enseja o seguinte questionamento: o que fazer com os cursos vigentes, já aprovados pelo MEC? Exercer efetivo controle sobre a qualidade do ensino ministrado, de forma objetiva, em vista da média de aprovação no Exame de Ordem. Referido exame, que foi instituído na sistemática nacional pela Lei 4.215/63, é, sem dúvida, o principal instrumento de avaliação da qualidade dos cursos jurídicos. Realizado em duas fases, o Exame de Ordem aprecia os conhecimentos mínimos indispensáveis para o exercício profissional. Trata-se, conforme destacaram os Ministros Ayres Britto e Celso de Mello no julgamento do Recurso Extraordinário 603.583, de "salvaguarda social" capaz de impedir que pessoas "despojadas de qualificação profissional" e "destituídas de aptidão técnica" exerçam a advocacia.  

Assim, torna-se indispensável e urgente debater a criação de normas que impeçam a abertura de novas turmas por instituições de ensino jurídico que, ao longo dos três exames anuais, não tenham atingido percentual mínimo de aprovação, previamente estabelecido, dos bacharéis que formou. Trata-se de regra que, apesar de demandar reforma legislativa, atenderá aos anseios de aperfeiçoamento dos cursos jurídicos com a indeclinável necessidade de que haja maior dedicação aos alunos e ao preparo dos futuros operadores do direito. Antes disso, porém, é indispensável que o MEC ouça e acolha os pareceres emitidos pela Ordem dos Advogados do Brasil e, acima de tudo, respeite a opinião institucional voltada ao reconhecimento e credenciamento desses cursos.

Não se busca, aqui, combater as políticas públicas e os programas governamentais que facilitam o acesso ao Ensino Superior. O financiamento estudantil e a concessão de bolsas de estudos, mais do que possibilitar a desmedida expansão da rede de ensino, deve verterse para a qualificação e capacitação do aluno.

Apesar de ser apenas um entre os diversos pontos de reflexão acerca da advocacia no Brasil, a banalização do ensino jurídico é, sem dúvida, uma das principais causas do latente desrespeito à advocacia. Em vista do acirrado mercado de trabalho e falta de preparo, não são poucos aqueles que, sem orientação ou apoio oficial, ultrapassam os limites éticos na busca de se estabelecer profissionalmente. Buscam apresentar-se apresentar ao mercado de trabalho, mas, infelizmente, o fazem de forma desorientada e sem perceber que atingem a própria credibilidade e aviltam a profissão.  

A Ordem dos Advogados do Brasil pode ser o vetor de apresentação destes advogados por intermédio de plataforma oficial e mecanismos de buscas abertos a todos aqueles que necessitem de um profissional de advocacia. Critérios objetivos, tais como localização, área de atuação, apresentação de currículo, qualificação e incentivo decorrente da participação em cursos e eventos, entre outros, que não permitam subjetivismo ou falsas especulações, podem nortear a identificação de advogados que, sem custo pessoal e dentro dos preceitos éticos, tenham interesse em se apresentar para o público em geral ou outros profissionais que necessitem de correspondentes. Mais do que isso, a própria Ordem poderia se encarregar da divulgação desta ferramenta com a garantia de que o profissional que lá se apresenta está apto a exercer a advocacia sem qualquer impeditivo ético ou legal.   

Vários são os caminhos que ampliam o mercado de trabalho da advocacia e beneficiam todo o sistema, incluindo a sociedade e o Poder Judiciário. No País em que toda e qualquer questão é judicializada, o desenvolvimento da conciliação e mediação, realizada por advogados previamente credenciados junto ao Poder Judiciário, com a utilização da capilaridade das Subseções, especialmente em vista do aumento das custas judiciais, também é tema a ser debatido e desenvolvido. Não se trata de competir com o CEJUSC, que dispensa a participação de advogado, mas de buscar complementação do Provimento CSM 2.348/16 e regulamentar a participação da OAB/SP entre as Câmaras Privadas de Conciliação. Ganham todos: advocacia, sociedade e Poder Judiciário.

A valorização da advocacia, que compreende o cuidado com os profissionais e a ampliação do mercado de trabalho, exige, acima de tudo, representatividade. A maior entidade civil do País precisa retomar seu protagonismo e ser ouvida nos temas relevantes da sociedade. A essencialidade da advocacia não pode se tornar letra morta em nossa Constituição Federal.  

Carlos Kauffmann

Carlos Kauffmann

Advogado Criminalista, Professor de Processo Penal da PUC/SP, foi Conselheiro Seccional da OAB/SP e Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

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