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Violência contra a mulher com deficiência: uma questão de vulnerabilidade social no Brasil

A violência contra a mulher é um dos maiores problemas sociais e jurídicos que o Brasil possui.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Atualizado às 13:11

A violência doméstica contra as mulheres compõe o grupo de feridas históricas do Brasil. Esse corte não para de sangrar mesmo com a adoção de suturas. Parece que o sangue que jorra do corpo da mulher com deficiência não comove. Por qual razão?

Essas linhas iniciais podem se traduzir nas seguintes palavras: A sociedade e as diversas instituições invisibilizam mulheres com deficiência, ao passo que seus agressores se sentem ainda mais confortáveis a cometer suas inúmeras formas de violências sem preocupações, quando o corpo que eles agridem dentro de suas casas é de mulheres com deficiência. Devem pensar: "Elas não podem fazer nada!"

São essas evidências que conduzirão as nossas discussões neste artigo. Para isso, sustentar-nos-emos em aportes teóricos da Interseccionalidade, compartilhado e atravessado por uma leitura que se elabora no feminismo negro, a partir de Carla Akotirene (UFBA), uma vez que, são as mulheres negras no Brasil as principais vítimas das violências dessa categoria. Somando-se a isso, as discussões dos campos social e antropológico da deficiência, a partir de Débora Diniz (UNB), em "O que é Deficiência?', e Anahí Guedes (UFSC), a partir do conceito de suas discussões sobre gênero nas políticas da deficiência e capacitismo e suas múltiplas formas de atuações e intervenções no corpo deficiente. Para argumentação e sustentação no campo jurídico, balizar-nos-emos na Lei Maria da Penha, de 11.340/06, em propostas de alterações constitucionais para fomentar política de atenção à violência de gênero, além de refletir sobre de que modo a Lei Maria da Penha representa e se concretiza como uma guinada na garantia de proteção às mulheres brasileiras, principalmente às com deficiência.

Dessa forma, as nossas discussões percorrerão por campos de estudos que, ora se suplementam, ora, se complementam. Sabendo-se que os primeiros deles se compõem na e pela observação dos fenômenos políticos, sociais e culturais, enquanto o segundo, o direito, tem como princípio fundamental, a instituição de marcos que possibilitam a existência de regulamentação para as ações individuais e coletivas. Sendo que, muitas das vezes, a instauração de inúmeros agentes regulatórios são, primeiramente, resultados de observatórios de estudiosos que desenvolvem seus saberes a partir dos fenômenos comportamentais de suas sociedades. Assim, quando, por alguma razão, determinado membro de uma comunidade ultrapassa os regramentos preestabelecidos e fundamentados pelo Estado, pune-se, baseando-se numa Constituição.

Culturalmente, em nossas sociedades modernas, alguns corpos são interpretados como de potência física e intelectual, enquanto outros, subjugados por apresentarem formas e comportamentos que desobedecem a padrões predefinidos por inúmeras instituições das sociedades. As mídias, por exemplo, fazem parte desse arcabouço cultural que impulsiona o consumo e descarte de determinados métodos e valorização de algumas estéticas.

Assim, o agenciamento da construção da normatividade do que é ser mulher perpassa pela existência de uma imagem configurada no campo visual e performático, assim como inúmeros outros estereótipos sociais. Além disso, a construção do imaginário do ser mulher se estabelece na cobrança de um corpo fértil, de tal forma que a sua função na sociedade também foi elaborada para que a mulher seja um terreno que deve ser e estar disponível e preparado para fecundar, produzir e nutrir os frutos de uma relação com um homem. Nesse sentido, Guedes (2017), vai chamar atenção sobre o que observa Ellen Samuels, quando argumenta que "as feministas não deficientes de fato procuram se distanciar do corpo deficiente em suas perspectivas de análises teóricas, a fim de provar que o corpo feminino não é doente ou deformado". Logo, a recusa do corpo da mulher com deficiência insere-a numa categoria de segundo grau e todas as questões que interpelam seu corpo, se tornam um problema dela, não só social e político, no caso da violência doméstica.

Mariana Varjão Alves Evangelista

Mariana Varjão Alves Evangelista

Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCsal). Especialista em Direito Penal e Processual Penal (Universidade Estácio de Sá).

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