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O futuro do direito ou apenas um 'objeto brilhante'?

A sociedade está em constante mudança e o direito sempre busca novas teses e leis para regular essas relações surgentes, mas é importante identificar o que é de fato novo e separar dos 'objetos brilhantes'.

sábado, 6 de janeiro de 2024

Atualizado em 5 de janeiro de 2024 14:58

Ano novo, vida nova!!! Assim, muitos dizem e assim começa a esperança de que coisas novas e boas aconteçam conosco. Esse é o momento em que muitos está se planejando, planejando o novo ano e pensando nas tendências, nas novas teses e no futuro do Direito e da Advocacia. Mas, enquanto você estuda e busca, já deparou envolvido na temida Síndrome do Objeto Brilhante?

A Síndrome do Objeto Brilhante representa uma metáfora que representa a busca das pessoas por coisas que reluzem, se esquecendo que já tem. A sua origem está no estudo de Teresa Pearson, "Why Does It Take So Long for New Ideas to Catch On?" (2015). Ela trata da diferença entre como as coisas demoram para sair da teoria para a prática e outras são aplicadas quase que imediatamente, além de que outras não se concretizam jamais, sendo esquecidas e abandonadas. Ela explica:

Admittedly, some of us have what is called the "Shiny Object" syndrome. You know, when you see a shiny new object and you just have to have it. We've all probably been there at least once or twice in our lives. But many people are slower to adopt anything new, and by then, most of us who chased the Shiny Object are either on to the next thing or we are asking what took them so long. But there is still more to the slow adoption rates. (1)

A Síndrome do Objeto Brilhante, como Teresa Pearson denominou, é, desta forma, o se deixar levar por uma coisa nova sem avaliar se essa coisa realmente tem fundamento ou se vai 'pegar'. Com a tecnologia é assim, tem coisas que vieram para ficar, outras passaram que nem nos demos conta, como por exemplo os antigos MP3. E o Direito não está vacinado dessa síndrome.

Queremos sempre algo novo, buscamos sempre novas teorias e surgem novas leis, novas teses dos Tribunais, novas interpretações de leis já existentes. Isso não é errado, pois a sociedade sempre trava novas relações e o direito precisa regulá-las, sendo que nem sempre as teses consolidadas se adequam para a solução, entretanto, algumas são "objetos brilhantes", ou seja, tem finalidade somente de atrair por ser novo e reluzente, nos fazendo esquecer do que realmente estar por detrás, do que realmente importa que é a relação social.

Mas, veja bem! Não estou dizendo para não explorar e estudar novos conceitos, teses, leis e buscar inovações. Afinal, a evolução é fundamental! No entanto, é muito importante e até crucial equilibrar a busca pelo novo com a valorização do que já foi consolidado e não se esquecer do que realmente é importante: a sociedade e a função do direito.

Segundo Tercio Sampaio Ferraz Junior (2003, p. 46), o Direito, como conhecemos, deriva da palavra diké, que era a deusa grega da Justiça e tinha como significado dar "limites às terras de um homem", ou seja, "era o poder de estabelecer o equilíbrio social". Por isso que o Direito tem como "simbolismo, à idéia de retidão e equilíbrio".

Paulo Nader (2014, p. 50) também explana:

As instituições jurídicas são inventos humanos que sofrem variações no tempo e no espaço. Como processo de adaptação social, o direito deve estar sempre se refazendo, em face da mobilidade social. A necessidade de ordem, paz, segurança, justiça, que o direito visa a atender, exige procedimentos sempre novos. Se o direito se envelhece, deixa de ser um processo de adaptação, pois passa a não exercer a função para a qual foi criado. Não basta, portanto, o ser do direito na sociedade, é indispensável o ser atuante, o ser atualizado. Os processos de adaptação devem-se renovar, pois somente assim o direito será um instrumento eficaz na garantia do equilíbrio e da harmonia social.

E citando, Consetini, afirma (NADER. 2014, p. 50) que "[...] o direito não é uma criação espontânea e audaciosa do legislador, mas possui uma raiz muito mais profunda: a consciência do povo [...]. O direito nasce da vida social, se transforma com a vida social e deve se adaptar à vida social."

Podemos depreender assim que o direito não existe senão em função da sociedade ao qual está inserido e para regular as relações sociais já existentes. Um direito que não está encaixado na sociedade ou que não busca regular uma relação já existente não tem função e 'não pega'.

Uma inovação jurídica, uma nova tese, ou mesmo uma nova lei, se não é reconhecida socialmente, ela não passa de um 'objeto brilhante' e logo será esquecido e trocado por outra, e pior, nunca será aplicada ou terá qualquer inferência na vida social. Não adianta termos um monte de teses e leis se elas não vão ser aplicadas ou elas somente têm finalidade no plano teórico.

Um exemplo foi, em 1998, a lei que obrigava os motoristas a terem um kit de primeiros socorros em seus carros, com a finalidade de agilizar o atendimento em caso de acidentes. Após diversas prorrogações da entrada em vigor e uma forte critica social sobre a capacidade dos usuários de utilizarem corretamente o kit, em meados de 1999 a lei foi revogada sem nunca ter vigido. (DIAS; CONSIGLIO. 2018)

Novas teses e novas leis, pensar no futuro do direito é crucial para a sua adequação à sociedade, mas é necessário manter o olhar crítico, valorizando tanto as teses jurídicas já estabelecidas quanto as inovações que podem transformar o cenário legal. É na harmonia entre o tradicional e o moderno que construímos uma base sólida e, ao mesmo tempo, abrimos portas para o futuro.

(1) É certo que alguns de nós temos o que é chamado de síndrome do "objeto brilhante". Você sabe, quando você vê um objeto novinho em folha e você simplesmente precisa dele. Todos nós provavelmente já estivemos lá pelo menos uma ou duas vezes em nossas vidas. Mas muitas pessoas demoram mais para adotar algo novo e, a essa altura, a maioria de nós que perseguimos o Objeto Brilhante já passou para o próximo passo ou está se perguntando por que demorou tanto. Mas ainda há mais nas lentas taxas de adoção.

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DIAS, Maria Clara; CONSIGLIO, Tereza. Relembre as medidas de trânsito que subiram no telhado depois de várias polêmicas. In. Auto Esporte. 2018. Disponível em: . Acesso em: 04 jan. 2024.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

Pearson T. Why Does It Take So Long for New Ideas to Catch On?. In. AADE in Practice. 2015. Disponível em: . Acesso em: 04 jan. 2024.

Nadialice Francischini

VIP Nadialice Francischini

Advogada desde 2005 ; Doutora em Direito; Mestre em Direito; Especialista em Direito Empresarial, Consumidor, Governança, Compliance e LPGD; MBA em Gestão Jurídica Aduaneira.

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