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Quando o crédito tributário passa a ser uma receita para a empresa?

Quando uma empresa ganha na justiça o direito de compensar crédito tributário, ela precisa reconhecer esses valores como uma receita, mas em que momento esse reconhecimento deverá ser feito?

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Atualizado em 23 de janeiro de 2024 12:59

Nos últimos dias, a Receita Federal do Brasil publicou a solução de consulta COSIT 308, de 15 de dezembro de 2023, cuja finalidade era informar para o contribuinte qual era o momento do reconhecimento da receita, para empresas do lucro real, que apropriaram créditos tributários decorrentes de decisão judicial.

Essa solução de consulta trouxe um verdadeiro alvoroço no mundo jurídico, pois afirma-se que a Receita Federal mudou o entendimento emanado na COSIT 183, de 7 de dezembro de 2021, mas será que houve mesmo essa modificação? Necessário analisar o que a COSIT 308 informou e o que foi alterado no entendimento da Receita Federal.

O reconhecimento da Receita, para fins fiscais, traz grandes implicações para as empresas do lucro real, pois é a partir dessa data que ela deverá tributar esses valores pelo IRPJ e pela CSLL.

Nesse sentido, a Receita Federal do Brasil entendia que os créditos decorrentes de uma decisão judicial seriam apropriados como receita na data em que se inicia a utilização dos créditos, através da compensação, esse era o teor da solução de consulta 183, de 07 de dezembro de 2021.

Esse entendimento era aplicado para os processos em que não ficou definido o valor a ser compensado, somente foi garantido o direito, sendo que os valores a serem compensados seriam informados na primeira declaração de compensação. Logo, seria nesta data que os créditos tributários originários de decisão judicial seriam computados como receita, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL.

Todavia, em dezembro de 2023, a Receita Federal voltou a se manifestar sobre o assunto, trazendo um entendimento diferenciado, mas antes de falarmos sobre essa nova posição do fisco federal é necessário entender o contexto da empresa que estava realizando a consulta.

A empresa que protocolou a consulta tributária que resultou na COSIT 308 era uma empresa de distribuição e fornecimento de energia elétrica, que esta sujeita as normas e fiscalização da Aneel. Assim, a empresa passa por auditorias externas independentes, para garantir que suas demonstrações contábeis e fiscais estejam de acordo com a legislação, de modo que traga mais segurança para o mercado.

Esta empresa obteve êxito no judiciário com a tese do século e foi permitida a compensação de créditos tributários em decorrência da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. No entanto, a decisão que possibilitou a compensação dos créditos não transitou em julgado ainda, desse modo, não é possível iniciar a compensação dos créditos, somente após o trânsito em julgado da ação será possível a primeira declaração de compensação.

Apesar da inexistência de trânsito em julgado da decisão que originou os créditos tributários, a auditoria independente determinou que os créditos fossem já contabilizados como uma receita para a empresa, haja vista que a chance de sucesso na demanda judicial é certa, pois existe um precedente consolidado no judiciário sobre o assunto.

Dessa forma, neste caso, houve o reconhecimento contábil da receita, ainda que não haja a disponibilidade jurídica e econômica dos valores, pois é necessário aguardar a finalização da demanda judicial.

Transportando essas premissas para o entendimento da Receita Federal, o órgão entendeu que, de acordo com as peculiaridades do caso analisado, o crédito tributário reconhecido contabilmente deveria ser adicionado à base de cálculo do IRPJ e da CSLL, como uma receita da empresa, pois a contabilidade já foi feita.

Na visão do fisco, as normas fiscais não oferecem nenhuma possibilidade de exclusão, pois as apurações contábeis da empresa devem ser utilizadas para a composição da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, logo, se a receita existe na contabilidade ela deve também existir na apuração fiscal.

Aqui vai um adendo, é necessário entender que as demonstrações contábeis devem sempre subsidiar as apurações fiscais, discrepâncias entre a contabilidade e o fiscal, resultam em erros e irregularidades, que podem trazer prejuízos para as empresas.

Retornando para o caso, a Receita Federal entendeu que, quando houver o reconhecimento contábil da receita, antes da entrega da primeira declaração de compensação, o marco temporal, ou seja, o momento de oferecimentos dos créditos tributários decorrentes de decisão judicial como uma receita, é a data do reconhecimento contábil.

Entretanto, o reconhecimento contábil do caso analisado somente ocorreu antes da entrega da primeira declaração por exigência da auditoria externa independente, realizada por força das normas da Aneel. Na grande maioria dos casos, o reconhecimento contábil ocorre quando a empresa já possui o trânsito em julgado da ação e já pode utilizar os créditos tributários reconhecidos na primeira declaração de compensação.

Nesse sentido, não houve uma mudança completa no entendimento da Receita Federal, o que houve foi a análise de um caso específico que, na visão do fisco, deveria ter um tratamento diferenciado, o que pode servir de orientação para os demais contribuintes que também fizerem o reconhecimento contábil antes da entrega da primeira declaração de compensação.

Agora para saber se o entendimento do fisco está correto é necessário fazer algumas ponderações. O reconhecimento contábil da receita impacta na apuração do IRPJ e da CSLL e não encontramos nenhuma possibilidade de postergação da tributação desta receita para o momento da entrega da declaração de compensação nas normas fiscais. Logo, para que isso ocorresse fiscalmente, seria necessário incluir uma exclusão temporária desses valores e uma adição posterior, o que demandaria modificação da legislação tributária (IN 1700/17 e RIR 2018).

Se analisarmos a legislação do imposto de renda e da contribuição social, verificamos que esse crédito tributário somente seria uma receita quando de fato estivesse disponível juridicamente ou economicamente para a empresa, o que não ocorreu, pois ainda falta o trânsito em julgado da ação.

Assim, o entendimento do fisco emanado na Solução de Consulta 308/23 poderá ser questionado no judiciário, pois a visão da Receita Federal observou as normas fiscais, sem adentrar nas questões jurídicas sobre a disponibilidade jurídica ou econômica dos valores.

Contudo, o entendimento tratado na COSIT 308/23 é aplicável a poucas empresas, pois a maioria das pessoas jurídicas no país não passa por auditorias independentes. E aqui está o ponto da discussão: a Receita Federal informa que o momento do reconhecimento da receita é ou a data do lançamento contábil ou a entrega da primeira declaração de compensação.

Desse modo, é necessário que o contribuinte fique atento, pois, se o reconhecimento contábil ocorrer conjuntamente com a entrega da primeira declaração de compensação, que é quando a empresa possui a disponibilidade jurídica e econômica dos valores, continua se aplicando o entendimento da COSIT 183/21, ou seja, a receita será oferecida a tributação somente naquele momento.

Portanto, a COSIT 308/23 não modificou o entendimento da Receita Federal, ela só trouxe a análise de um caso mais complexo, que possui peculiaridades e que deve ser observado por empresas maiores, que passam por auditorias independentes.

Sendo assim, o contribuinte deve ficar atento ao momento de reconhecimento da receita, bem como analisar se todo o valor a ser compensado seria tributado pelo IRPJ e pela CSLL, haja vista que o STF já reconheceu que a atualização monetária (SELIC) não seria tributada pelo IRPJ e pela CSLL - RE 1.063.187 (Tema 962).

Bruna Kanning

VIP Bruna Kanning

Consultora e Advogada Tributarista com mais de 3 anos de experiência. Especialista em direito tributário, com foco em planejamento tributário e defesas administrativas.

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