Mais um episódio da série "vai acabar no Judiciário": a revogação do Perse
É certo que a revogação do Perse pela MP 1.202/23, se realmente for oficializada com a conversão em lei, será apenas mais uma das inúmeras causas de aumento do contencioso tributário no Brasil, que, infelizmente, parece não ter fim.
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024
Atualizado às 14:18
Nos últimos momentos de 2023, o poder executivo surpreendeu a todos com a edição da Medida Provisória (MP) 1.202/231, publicada em 29/12/23, que, entre outros assuntos, revogou o art. 4º, da Lei 14.148/21, conhecida como "Lei do Perse", como mais uma das ações para o aumento da arrecadação federal em 2024.
Tal dispositivo da lei federal que foi revogado é o que prevê uma das principais medidas do Perse, qual seja a redução a zero das alíquotas de IRPJ, CSLL, Pis e Cofins, pelo prazo de 60 meses, para as empresas do setor de eventos.
Ou seja, o Governo Federal antecipou o fim do benefício fiscal criado pelo Perse e, de acordo com a MP, a produção de efeitos da revogação ocorrerá gradativamente: a partir de 1º de janeiro de 2025 para o IRPJ, e a partir de 1º de abril de 2024 para a CSLL, o Pis e a Cofins.
É importante relembrar que o objetivo do Perse foi mitigar os danos sofridos pelas empresas do setor de eventos em decorrência da pandemia de Covid-19, considerando que esse setor foi fortemente impactado pela crise de saúde que assolou o país (e o mundo) em 2021. Por isso, foi concedido o benefício fiscal de alíquota zero de IRPJ, CSLL, Pis e Cofins para essas empresas, por prazo certo e mediante o atendimento de determinadas condições.
Neste ponto, é válido mencionar que o CTN veda a revogação e a alteração da isenção concedida por prazo certo e em função de determinadas condições (art. 178).
Embora a isenção e a redução de alíquota a zero sejam institutos tributários diferentes, o STJ os equipara porque ambas as situações produzem o mesmo resultado, que é a exoneração tributária. Por isso, o STJ considera que a vedação do art. 178, do CTN, é aplicável às hipóteses de alíquota zero (REsp n. 1.725.452/RS), sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica.
Para o STF, as isenções concedidas sob condição onerosa, ou seja, por prazo certo e mediante o atendimento de condições determinadas, não podem ser livremente suprimidas (Súmula n. 544/STF) porque geram direito adquirido ao contribuinte beneficiado (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal), e configura majoração indireta de tributo.
No caso do Perse, o benefício de alíquota zero foi concedido pelo prazo certo de 60 meses, além de estar condicionado ao atendimento de determinadas condições definidas na própria Lei do Perse (art. 2º) e nas normas regulamentadores posteriores, como a inscrição no Cadastur, por exemplo.
Portanto, é possível afirmar que a redução de alíquota a zero se trata de isenção condicionada concedida por prazo certo, logo, não poderia ser revogada a qualquer tempo, muito menos ter o seu termo final antecipado, como feito por meio da MP 1.202/23 (art. 6º), o que revela a sua inconstitucionalidade.
A antecipação do fim do benefício é questionável porque fere a proteção da confiança legítima dos contribuintes, que criaram a expectativa de ter o benefício por 60 meses e fizeram planejamentos e provisionamentos com base nisso, além de desrespeitar o princípio da segurança jurídica.
A MP 1.202/23 foi questionada pelo Partido Novo, por meio da ADIn 7587, ajuizada em 09/01/2023, na qual se alegou a inconstitucionalidade da revogação do benefício do Perse, justamente pela violação da segurança jurídica e do direito adquiridos dos beneficiários do programa. Além disso, a ADIn tem pedido de concessão de medida cautelar para suspender os efeitos da MP até o julgamento definitivo, o qual não foi apreciado até a data da elaboração deste artigo.
De acordo com a matéria publicada no último dia 15/01/20242 no site do Estadão, o presidente do Senado Federal, o Senador Rodrigo Pacheco, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teriam chegado a um acordo para evitar o desgaste entre os poderes legislativo e executivo, que envolve a edição de nova medida provisória que manterá a revogação do Perse.
O cenário atual indica que a questão da revogação inconstitucional do Perse vai acabar nas mãos do judiciário, assim como ocorreu com diversas outras questões relacionadas ao Perse, como a exigência (por portaria) de prévio Cadastur, por exemplo.
Vale lembrar que os processos tributários duram mais de 18 anos3, considerando as fases administrativa e judicial, e o contencioso tributário brasileiro representou 73% do PIB em 20184.
Nesse contexto, é certo que a revogação do Perse pela MP 1.202/23, se realmente for oficializada com a conversão em lei, será apenas mais uma das inúmeras causas de aumento do contencioso tributário no Brasil, que, infelizmente, parece não ter fim.
_____________
1 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/mpv/mpv1202.htm. Acesso em: 17 jan. 2023.
2 KENNEDY, Roseann. Haddad e Pacheco alinham duas MPs para garantir desoneração da folha e arrecadação do governo. Estadão, São Paulo, 15 jan. 2024. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/coluna-do-estadao/haddad-e-pacheco-alinham-duas-mps-para-garantir-desoneracao-e-arrecadacao-do-governo/. Acesso em: 17 jan. 2024.
3 LEORATTI, Alexandre. Processos tributários duram em média 19 anos no Brasil. JOTA, 28 nov. 2019. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/contencioso-tribuario-processos-28112019. Acesso em: 17 jan. 2024.
4 MESSIAS, Lorreine Silva et al. Contencioso tributário no Brasil: relatório 2020: ano referência 2019. São Paulo: Insper, Núcleo de Tributação, 2020. Disponível em: https:// www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2020/07/Contencioso_tributario_Relatorio2019_092020_v2.pdf. Acesso em: 17 jan. 2024.


