MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. A importância da oferta ativa de atendimento psicológico e psiquiátrico para policiais militares

A importância da oferta ativa de atendimento psicológico e psiquiátrico para policiais militares

Tragédias envolvendo policiais com transtornos mentais impactam a comunidade. Homicídio-suicídio em janeiro de 2024 levanta denúncias sobre a falta de acesso a saúde mental na polícia militar do Distrito Federal.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Atualizado às 16:14

Tragédias envolvendo policiais com transtornos mentais impactam a comunidade geral, além dos indivíduos envolvidos, suas famílias, seus amigos e a instituição em si. Em janeiro de 2024 houve o homicídio e suicídio entre dois policiais, sendo que colegas do autor relataram que este apresentava conhecidos problemas psicológicos.

Este evento alavancou denúncias sobre a dificuldade do acesso a atenção em saúde mental entre os policiais militares do Distrito Federal, com apenas um médico psiquiatra atender os cerca de 10 mil integrantes da tropa, dificuldade para realização de exames, sucateamento da rede de saúde disponível, entre outras.1

Apesar da disponibilidade de tratamento de saúde mental pelo Centro de Assistência Psicológica e Social - Caps e rede credenciada do sistema de saúde, é fundamental compreender que a oferta de avaliação, escuta, atendimento ou mesmo tratamento para policiais em sofrimento mental deve ser ativa, ou seja, sem esperar que o policial busque a ajuda ou que declare sua incapacidade mental para o porte de armas ou para o trabalho nas ruas. Isso se deve a fatores como:

  • A falta de insight, ou seja, que muitas vezes a pessoa em sofrimento mental não têm crítica de sua condição, ou não a compreende como um transtorno mental que necessita tratamento.
  • Sintomas específicos que diminuem a busca por ajuda, como o humor deprimido, a falta de energia, a fadiga, a desesperança, os medos e as preocupações, a desconfiança, entre outros.
  • Tabus, uma vez que infelizmente ainda há um preconceito contra a "loucura", medo do estigma, de ser rotulado, marginalizado, e inclusive de possíveis repercussões que possa ter no trabalho.
  • Falta de informação, pois é comum que o indivíduo não saiba diferenciar sintomas de quadros psicopatológicos, onde buscar ajuda, como é o tratamento, quais são seus direitos trabalhistas e previdenciários neste contexto, entre outras.
  • A demora na busca por tratamento por fatores contextuais, como percepção de falta de tempo, de logística, econômicos, entre outros.
  • A dificuldade no acesso ao tratamento, pois é um dado internacional que além do subdiagnóstico, o acesso ao tratamento é realidade para a minoria dos portadores de transtornos mentais.

Para tanto, além de deixar a porta aberta para aquele que deseje buscar autonomamente o tratamento, é necessário que haja uma política de rastreio de possíveis casos, com posterior confirmação através de avaliação diagnóstica. No caso de não confirmação de diagnóstico propriamente dito, é importante ofertar psicoeducação e/ou intervenção breve para o problema que traz sofrimento ao indivíduo.

Os possíveis casos de transtorno mental devem ser acompanhados, monitorizados, devido o risco individual e coletivo que supõe. 

Vale ressaltar, que a PM, como qualquer outra instituição, é responsável por seus colaboradores. Isso quer dizer que deve ter ações para a prevenção e promoção de saúde mental, e um fluxo de atendimento e monitoramento efetivo e eficiente para aqueles que possivelmente apresentam transtorno mental. 

Isso é particularmente importante nesta instituição, pois características do trabalho de policiais são consideradas fatores de risco para alguns adoecimentos mentais, como a exposição a situações com risco para a vida e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático, a testemunha da violência extrema e o Transtorno de Adaptação, o trabalho por turnos e os Transtornos do Sono, a sobrecarga emocional e física e a Síndrome de Burnout, entre outros.

De acordo com Francisco, Rodrigues e Pereira (2022)2, sobre os fatores de risco: 

Os principais fatores de risco psicossocial estão associados às demandas psicológicas de trabalho; ao conflito decorrente de conciliar trabalho, família e vida social; ao controle de trabalho; ao apoio social (de pares e superiores); à compensação resultante do trabalho; à insegurança no emprego; às condições de trabalho básicos (como salário ou horas de trabalho); e ao nível de justiça organizacional. 

No estudo realizado pelos autores citados foi possível analisar que aproximadamente 50,7% dos policiais entrevistados apresentou algum problema de saúde nos últimos 12 meses em decorrência do serviço, com média de 4,18 sintomas por indivíduo.  

Os principais sintomas apresentados foram dormir mal (52,40%); sentimentos de nervosismo, tensão ou preocupação (42,79%); sensação de cansaço generalizado (36,68%); dores de cabeça frequentes (32,75%) e sentimento de tristeza (27,07%), todos com muita relevância e impacto preocupante na saúde global dos militares.  

Infelizmente, as tentativas de suicídio entre policiais constituem preocupações significativas. Embora as estatísticas variem em diferentes regiões e estudos, existem evidências que indicam taxa mais alta de suicídio entre policiais, em comparação com a população em geral.  

Diversos fatores contribuem para a maior vulnerabilidade dos policiais, incluindo o estresse ocupacional, exposição a eventos traumáticos, falta de apoio social, problemas de saúde mental não reconhecidos nem tratados, acesso a armas de fogo e a cultura do silêncio, que muitas vezes permeia as organizações policiais. 

O estresse crônico, as experiências traumáticas e as dificuldades emocionais enfrentadas no trabalho policial contribuem para a deterioração da saúde mental e ao aumento do risco de suicídio, especialmente dos profissionais militares adoecidos sem o reconhecimento precoce da condição psicopatológica, para rápido atendimento. 

As condições de trabalho das autoridades policiais podem desencadear, agravar e cronificar adoecimentos mentais. As dificuldades e perigos que advém do labor de agentes de segurança pública é de óbvio conhecimento geral. Muitos policiais precisam ser afastados de seus cargos por desenvolverem problemas físicos, transtornos mentais e complicações nas funções cognitivas, afetivas e comportamentais. 

As repercussões funcionais globais podem ser parciais ou totais, temporárias ou duradouras sobre as capacidades laborativas para o exercício profissional seguro, no discernimento de atos da vida civil e sobre entendimento e/ou determinação na esfera penal. 

Em casos de crimes cometidos por policiais com transtornos mentais, é necessária perícia de psiquiatria forense, e muitas vezes de psicologia jurídica, para elucidações definitivas sobre possível Incidente de Insanidade Mental, para verificação da necessidade de aplicação de medida de segurança, ou seja, de tratamento.

As expressões doentias severas dos quadros clínicos psiquiátricos podem levar a deterioração global das funções mentais com geração de incapacidades - parciais ou totais - laborativas, cíveis e de entendimento/determinação, algumas vezes com prognóstico negativo, ou seja, pouca perspectiva de melhora a curto, médio e longo prazo.

As possibilidades de melhora dependem de imediato início das investigações clínicas amplificadas com solicitações de exames laboratoriais, neuroimagens e neuropsicológicos, se necessário. Com estes resultados, determinar condutas terapêuticas multiprofissionais contínuas, até obter máxima melhora.

A execução da proposta da assistência de saúde para o policial em medida de segurança deve ser em ambiente de tratamento que mais se ajuste ao caso, como em ambulatório ou ambiente hospitalar. Com estes recursos deve-se garantir as melhores condições de melhoria, como determinado na Constituição e na lei 10.216, que assegura o melhor tratamento de saúde mental, consentâneo com as necessidades.

É evidente que a saúde mental de policiais militares transcende ao indivíduo e a instituição, pois este estão em relação constante com a comunidade, impactando esta com seus comportamentos e atitudes. Tendo em vista que as especificidades da profissão, como o porte de armas, quando policiais estão adoecidos mentalmente, os resultados podem ser desastrosos para a segurança pública.

------------------------------

1 Rios A. Tropa doente: PMDF só tem um psiquiatra no quadro de médicos efetivos. Metrópoles. 15 de janeiro de 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/distrito-federal/tropa-doente-pmdf-so-tem-um-psiquiatra-no-quadro-de-medicos-efetivos

2 FRANCISCO, D. R. M.; RODRIGUES, A. P. G.; PEREIRA, G. K. Riscos psicossociais na saúde mental de policiais militares. HOLOS, 8. (2022)

Hewdy Lobo

VIP Hewdy Lobo

Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

Elise Karam Trindade

Elise Karam Trindade

Elise Karam Trindade, psicóloga inscrita no CRP sob nº 07/15.329; especialista em Psicologia Jurídica e Neuropsicologia. Coordenadora da equipe de Psicologia Jurídica da Vida Mental.

Ana Carolina Schmidt de Oliveira

Ana Carolina Schmidt de Oliveira

Psicóloga (PUC Campinas e UNIR Espanha), especialista em dependência química (UNIFESP), máster em psicologia legal e forense (UNED Espanha). Coordenadora pedagógica dos cursos de Pós-Graduação UNIP/Vida Mental.

Isabella Aguiar Lelis

Isabella Aguiar Lelis

Estudante do 10° semestre de Psicologia na Universidade Paulista, nessa mesma instituição é estagiária de Psicologia Jurídica, Clínica e Comunitária e atua como Assistente de Perícia na Vida Mental. Já atuou como estagiária em Psicologia Organizacional, com foco em Recursos Humanos e Recrutamento & Seleção, nas empresas Col Assessoria, WorkSolar e Resolut RH, e como Auxiliar de RH na Global Empregos.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca