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Locações de imóveis através de plataformas como o Airbnb: Questões legais sobre o aluguel e a validade de restrições condominiais

O Direito Imobiliário enfrenta desafios com locações temporárias em condomínios. A disseminação de plataformas digitais amplia essa prática, gerando questões sobre legalidade e interação com regras condominiais.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Atualizado em 27 de fevereiro de 2024 15:19

1. Introdução

O período de locação de imóveis temporários em condomínios tornou-se um dos maiores dilemas enfrentados pelo Direito Imobiliário, que regula e ampara os imóveis e seus proprietários no contexto jurídico brasileiro. Com a disseminação da tecnologia, diversas plataformas e aplicativos oferecem oportunidades para os proprietários disponibilizarem seus imóveis para locação, seja de forma integral ou parcial, visando vantagens econômicas e a atração de novos moradores para gerar uma renda extra.

Existem diversas vertentes relacionadas ao período de locação em condomínios residenciais, uma vez que essa prática vem se tornando cada vez mais frequente, seja por locações de curta ou longa duração, impulsionada em grande parte pela integração da tecnologia, que possibilita a divulgação por meio de aplicativos, plataformas e sites para interessados.

Diante dessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo expor como ocorre a interação entre locações temporárias e as regras condominiais, e até que ponto tais restrições impostas pelos condomínios aos proprietários e locatários são legais, exigindo-se a compreensão de como as legislações nesse contexto se aplicam a essa nova vertente.

2. Da viabilidade de locação para temporada 

A relação entre proprietários e locatários de imóveis tem ganhado grande destaque no que se refere à prática de aluguel ou uso de propriedades por meio de plataformas ou aplicativos para tal finalidade. No entanto, ainda há condomínios que resistem a essa prática como uma boa opção, uma vez que existem preocupações com a alta rotatividade de pessoas "desconhecidas", o que gera desconforto para aqueles que utilizam o condomínio como residência fixa. Além disso, há o argumento de que o compartilhamento de áreas comuns pode trazer insegurança e desconforto com a presença de pessoas que não fazem parte do quadro de proprietários, levantando o questionamento se a simples alteração do regulamento condominial ou a reestruturação de assembleias seriam capazes de resolver esses dilemas.

Preliminarmente, é importante destacar que, independentemente das decisões tomadas no âmbito dos condomínios, quanto à legalidade da locação por meio de plataformas, é evidente que estas, mesmo que temporárias, não deixam de ser consideradas locações residenciais, conforme expõe o artigo 48 da lei 8.245/91, que prevê a possibilidade de locação temporária para lazer, realização de cursos e tratamento de saúde do inquilino.

Art. 48: Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.

Consequentemente, seja qual for a razão temporária para a habitação do locatário, o Locador poderá exigir previamente o aluguel pelo tempo contratado e, inclusive, qualquer das modalidades de garantia previstas no art. 37 da lei 8.245/91 (caução, fiança, seguro de fiança locatícia, cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento) para atender as demais obrigações do contrato, conforme previsto no artigo 49 da mencionada lei.

Após o término do prazo estabelecido, caso o locatário permaneça no imóvel sem objeção do locador por mais de trinta dias, presume-se que a locação tenha sido prorrogada por tempo indeterminado. Nesse caso, não será mais exigido o pagamento antecipado do aluguel e dos encargos, nos termos do disposto no artigo 50 da lei 8.245/91.

Cabe ressaltar que se ocorrer a prorrogação, o locador somente poderá rescindir o contrato após decorridos trinta meses do seu início, ou nas situações previstas no artigo 471.

Por conseguinte, no que se refere à destinação residencial para locação em temporadas, mesmo que se utilizem meios eletrônicos para a efetivação das contratações, o TJ/SP já se manifestou, nos seguintes termos:

Condomínio Edilício. Ação de obrigação de não fazer. Condomínio que obsta a entrada de pessoas que celebraram com o apelante contratos de locação por temporada, restrição ao direito de propriedade. Matéria que deve ser versada na convenção do condomínio. Ocupação do imóvel por pessoas distintas em espaços curtos de tempo (Airbnb) que não descaracteriza a destinação residencial do condomínio. Precedentes. Recurso provido em parte, por maioria. (TJSP; Apelação Cível 1002697-72.2018.8.26.0704; Relator (a): Milton Carvalho; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV - Butantã - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/2/19).

Sobre o mesmo tema também já se debruçou o TJ/RJ:

Agravo de instrumento. Ação de obrigação de não fazer. Indeferimento da tutela antecipada. Condomínio. Locação por temporada. Possibilidade. Manutenção do decisum. Requisitos do artigo 300 do cpc/15 não configurados em sede de cognição sumária. Necessidade de dilação probatória no processo matriz. Decisão recorrida que não se revela teratológica, contrária a lei ou à evidente prova dos autos. Incidência do verbete nº 59, da súmula da jurisprudência deste e. Tribunal de Justiça. Desprovimento do recurso. Cuida-se, na origem, de ação em que o agravante alega que a parte ré, ora agravada, estaria exercendo atividade de hotelaria dentro do condomínio, sendo que o regimento interno proibiria o uso da unidade residencial para fins comerciais. Alocação por temporada. A locação por temporada encontra previsão legal no artigo 48 da lei 8.245/91 e é aquela contratada por prazo não superior a 90 dias. Entre os direitos do proprietário, está o direito de usufruir o bem, inclusive locando a terceiros, por temporada, não podendo tal direito ser limitado pela Convenção nem pelo Regimento Interno do Condomínio, sob pena de indevida interferência e restrição no direito exclusivo de propriedade do condômino sobre a unidade residencial. Dentre as prerrogativas dos titulares do domínio, insere-se a de locar, ou mesmo dar em comodato, bem imóvel. Repise-se, é vedada a locação comercial do imóvel em questão, mas não a locação por temporada, até porque, analisa-se a destinação do imóvel pelo fim que lhe é dado, que, no caso, é a moradia de turistas que visitam a cidade. Ademais, a parte agravada não comprovou o uso indevido do imóvel, não havendo especificação de condutas indevidas pelos locatários, tampouco qualquer situação inóspita criada no condomínio em função da locação do imóvel. Manutenção do decisum. Desprovimento do recurso. (TJ/RJ - 0054469-98.2017.8.19.0000 - Agravo de Instrumento - 1ª Ementa - des(a). Guaraci de Campos Vianna - Julgamento: 5/6/18 - 19ª Câmara Cível).

Assim, não havendo limitação na lei em relação à contratação por curtos prazos, é evidente a aplicação do direito privado naquilo que a lei não proibiu, sendo manifestamente permitido. Entende-se que o curto período de locação, por si só, não implica na alteração da destinação residencial do imóvel.

3. O entendimento que sustenta a impossibilidade locatícia por temporada em condomínios residenciais

Conforme abordado no contexto do tema relacionado à natureza residencial dos imóveis e suas permissões e/ou proibições, é importante observar que há uma corrente jurisprudencial de opinião divergente que sustenta que a locação por curtos períodos, especialmente por meio de aplicativos e plataformas digitais, não se enquadra na destinação imobiliária residencial.

De acordo com essa perspectiva, quando locados por curtos períodos, os imóveis residenciais perdem sua destinação. No entanto, esse entendimento conflita com o disposto no art. 48 da lei 8.245/91, que trata especificamente da locação por temporada de até noventa dias, sem exigência de prazo mínimo, como uma forma de locação residencial.

Nesse sentido, é o voto vencido do desembargador Pedro Baccarat do TJ/SP:

Apelação - ação de obrigação de não fazer - sentença de procedência - unidade condominial que passou a ser locada por curta temporada através de plataformas digitais - situação que se assemelha a hotelaria e hospedaria - característica não residencial - convenção condominial e regimento interno que preveem a finalidade estritamente residencial - impossibilidade do tipo de locação pretendida pelo autor - sentença reformada - recurso provido. (TJ/SP; Apelação Cível 1027326-50.2016.8.26.0100; relator(a): Cesar Luiz de Almeida; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/10/18.

O STJ também analisou o tema no REsp 1.819.075/RS, sob a relatoria do ministro Luís Felipe Salomão. Segundo o entendimento estabelecido no julgamento desse recurso, os conceitos de domicílio e residência, baseados na ideia de permanência e habitualidade, não são aplicáveis à hospedagem temporária anunciada em plataformas digitais.

De acordo com o STJ, trata-se de um contrato de hospedagem atípico, uma nova modalidade impulsionada pela tecnologia, na qual proprietários oferecem acomodações de baixo custo para pessoas sem vínculos entre si, por meio de plataformas digitais. Essa forma de hospedagem, embora aparentemente lícita, ainda não possui uma definição clara na doutrina ou na legislação brasileira e difere tanto das locações tradicionais quanto do aluguel por temporada.

O Tribunal ressaltou que enquanto a locação por temporada envolve a locação formal de um imóvel por até noventa dias, a modalidade de hospedagem atípica consiste no aluguel informal e fracionado de espaços residenciais, não se enquadrando nas categorias tradicionais de hospedagem oferecidas por hotéis e pousadas, nem nas leis que regulam esses estabelecimentos.

Foi decidido também que o direito do proprietário de usar seu imóvel em um condomínio residencial deve ser conciliado com os direitos dos demais condôminos à segurança, sossego e saúde, conforme as regras estabelecidas na Convenção de Condomínio. Esta, uma vez devidamente aprovada e registrada, tem força normativa e pode impor regras de destinação residencial às unidades, impedindo o uso para atividades como a de locação em questão.

Por fim, foi ressalvado que os condôminos podem deliberar em assembleia, por maioria qualificada, para permitir o uso das unidades condominiais para esse tipo de hospedagem, modificando a Convenção do Condomínio. 

Portanto, fica claro que a Convenção Condominial desempenha um papel relevante na regulamentação das locações de imóveis temporários por meio de plataformas como o Airbnb.

4. Conclusão

Infere-se que, com a evolução tecnológica, o mecanismo de redução de distâncias tornou-se inovador no que diz respeito à aproximação pessoal. Com a plataforma Airbnb, esse fenômeno não seria diferente, uma vez que muitos compartilham o mesmo objetivo de locar algo não permanentemente, mas com o propósito de manter um contrato de locação temporário, seja para descanso ou questões pessoais. Analisando a economia colaborativa, a plataforma proporciona a oportunidade de aproximação entre pessoas e o compartilhamento de suas experiências de vida.

No âmbito do Direito Imobiliário, conforme observado no estudo jurisprudencial, percebem-se questões de maiores debates nos imóveis localizados em condomínios, visto que o direito de propriedade se faz presente para todos os moradores, tornando o tema de maior complexidade e com diversas implicações sejam em relação aos contratos ou às convenções condominiais.

Em conclusão, é necessário destacar que, dada a complexidade dos aspectos jurídicos relacionados à locação de imóveis de curta temporada por meio de plataformas online, e considerando que o cenário jurídico está em constante evolução, é inegável que a legislação deve estar atenta às diversas mudanças nesse tipo de locação, visando garantir um equilíbrio justo entre os direitos dos proprietários, as normas condominiais e uma regulamentação adequada do setor, de modo a abordar de forma clara e atualizada as complexidades inerentes às locações temporárias por meio de plataformas digitais.

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BRASIL. Lei nº 8.245/1991. Brasília/DF, 1991.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.819.075/RS. Relator: Ministro Raul Araújo. Data de julgamento: 20/04/2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 1002697-72.2018.8.26.0704. Relator (a): Milton Carvalho. Data de Julgamento: 21/02/2019.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 1027326-50.2016.8.26.0100. Relator: Cesar Luiz de Almeida, 2ª Vara Cível. Data do Julgamento: 15/10/2018.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0054469-98.2017.8.19.0000. Relator (a): Guaraci de Campos Vianna. Data de Julgamento: 05/06/2018.

SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato Comentada Artigo por Artigo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p.236.

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1 Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:

I - Nos casos do art. 9º;

II - em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu     emprego;

III - se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio;

IV - se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinqüenta por cento;

V - se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.

§ 1º Na hipótese do inciso III, a necessidade deverá ser judicialmente demonstrada, se:

a) O retomante, alegando necessidade de usar o imóvel, estiver ocupando, com a mesma finalidade, outro de sua propriedade situado nas mesma localidade ou, residindo ou utilizando imóvel alheio, já tiver retomado o imóvel anteriormente;

b) o ascendente ou descendente, beneficiário da retomada, residir em imóvel próprio.

§ 2º Nas hipóteses dos incisos III e IV, o retomante deverá comprovar ser proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo.

Sidney Clesson Silva da Costa Filho

Sidney Clesson Silva da Costa Filho

Advogado. Pós-graduado em Direito Público e Direito Civil e Processo Civil.

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