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Apontamentos práticos sobre o acordo de sócios nas sociedades contratuais limitadas

A importância do Acordo de Sócios nas Sociedades Contratuais Limitadas como instrumento eficaz à clareza da relação entre os sócios, boa gestão da empresa e da atividade empresarial.

sábado, 9 de março de 2024

Atualizado em 8 de março de 2024 14:16

I - INTRODUÇÃO

Via de regra, as sociedades empresárias contratuais estabelecem as suas regras, objetivos, características e relações entre sócios por meio do seu contrato social. 

Todavia, é sabido que, em razão da dinâmica das relações sociais, o contrato social não exaure as possibilidades de como os sócios exercem os seus direitos e obrigações, haja vista que tais documentos se prestam apenas para formalizar a sociedade empresarial no mercado. Assim, surge a necessidade de se estabelecer, de forma acessória, um acordo de sócios. 

E as decisões que competem aos sócios nem sempre são unânimes. Aliás, as divergências podem causar grandes problemas e comprometer o negócio.

Nesse contexto, como derivação do acordo de acionistas (previsto na lei 6.404/76 - a famosa lei das S.A's) o acordo de sócios emerge como uma ferramenta paralela ao contrato social e fundamental para instituir a governança corporativa, garantir o bom funcionamento da empresa, a sua estabilidade, prevenção de conflitos futuros e estabelecer, de forma mais detalhada, direitos e obrigações entre os sócios. 

Este artigo abordará os aspectos práticos e básicos à sua elaboração, destacando a sua importância para o sucesso e crescimento da sociedade empresarial limitada, o tipo societário mais adotado em nosso país.

II - CONCEITO E TEMAS INDISPENSÁVEIS DE UM ACORDO DE SÓCIOS

Podemos dizer, de forma singela, que o acordo de sócios é uma convenção (contrato) parassocial (ou seja, paralela ao contrato social) que cuida das relações entre os sócios/acionistas de uma empresa, estabelece direitos, obrigações e faculdades aos seus signatários, sem vincular a sociedade. 

O ordenamento jurídico pátrio permite que os sócios (entre todos ou parte deles), integrantes de uma sociedade empresária contratual, estabeleçam "regras para sua atuação societária, extraordinárias ao contrato ou estatuto social"1.

Obviamente, o acordo de sócios não pode violar a lei e muito menos o contrato social. A sua finalidade é estabelecer obrigações e faculdades relacionadas à atuação dos sócios diante de determinadas situações previstas. 

Em outras palavras, trata-se de um contrato particular de relacionamento, no qual as partes integrantes disciplinam como funcionarão as "regras do jogo" entre eles, sendo documento vinculante entre os signatários. 

Assim, seguem os capítulos indispensáveis para um adequado acordo de sócios.

a) Identificação dos sócios signatários

O primeiro passo para a sua elaboração é a identificação dos sócios participantes. Isto inclui a nomeação de todos os sócios e a determinação de suas respectivas cotas na sociedade. 

b) Gestão da sociedade, governança corporativa e aprovação das contas

Definindo quais sócios participarão do acordo de sócios, é preciso definir qual ou quais sócios administrarão a sociedade.

Pode ser também que, neste acordo, se estabeleça que a administração competirá a uma pessoa fora dos quadros sociais, devidamente qualificado para o cargo. Ou então, o acordo pode estabelecer que seja criado um Conselho de Administração, indicando os integrantes, funções e prazo de mandato.

Outrossim, para uma boa gestão empresarial, recomenda-se que o acordo de sócios também estabeleça regras sobre apresentação e aprovação das contas, bem como estabelecer processos internos que orientam na tomadas de decisões, ou seja, um sistema de governança, garantindo transparência, responsabilidade e eficácia na condução dos negócios, preservando os interesses dos sócios. 

c) Compra e venda das cotas e preferência

Ultrapassada a questão da administração, outro tema importante a ser definido no acordo diz respeito à compra e venda de cotas e a preferência para a aquisição. Tratam-se de temas muito relevantes, pois têm como objetivo evitar o ingresso de terceiros indesejáveis ou estranhos à sociedade.

Sobre a venda de cotas, é comum o acordo de sócios estabelecer dispositivos sobre o direito e/ou obrigação de venda conjunta da participação na sociedade. Tais cláusulas são mais conhecidas como "Tag Along" e "Drag Along".

Com efeito, a cláusula "Tag Along" tem como objetivo proteger o sócio minoritário, permitindo que este, querendo, obrigue que a sua participação seja vendida nas mesmas condições da venda do controle da empresa pelos sócios majoritários, possibilitando que o minoritário participe de um grande negócio e saia da sociedade sem prejuízo.

Por sua vez, a cláusula "Drag Along" é o oposto da "Tag Along", haja vista que protege o sócio majoritário quando este vender a sua parte, obrigando os sócios minoritários a venderem as suas participações por valores e condições iguais. Esta cláusula permite que uma sociedade tenha 100% do seu capital adquirido numa única oportunidade. E, como se trata de uma venda forçada, esta cláusula costuma estabelecer condições mínimas para que isto ocorra, como definição de valor, termos e condições de pagamento. 

Claro que, em se tratando de compra e venda de cotas, deve ser feita prévia avaliação de mercado da sociedade e do valor das cotas, a ser feita por pessoa ou escritório profissional especializado para a correta aferição, a fim de resguardar os envolvidos. Nada impede, porém, que o acordo de sócios estabeleça parâmetros a serem observados na avaliação da sociedade.

d) Sucessão 

Outro tema que é de extrema relevância é o estabelecimento de cláusula sucessória no acordo de sócios.

Sobre o Tema o art. 1.0282 do Código Civil estabelece que as quotas de participação do falecido no capital serão liquidadas, para pagamento aos herdeiros, salvo: (i) se o contrato dispuser diferentemente; (ii) se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; ou (iii) se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Porém, a despeito da previsão legal insculpida no art. 1.028 do Código Civil, a lei não estabelece qual a forma de calcular o valor das cotas para sua liquidação.

Em outras palavras, no silêncio do contrato social, as cotas do falecido serão liquidadas e os herdeiros recebem o equivalente em dinheiro. Ou seja, pela lei, os herdeiros não ingressam automaticamente no quadro societário da limitada. Ainda, em situações em que a forma de cálculo da liquidação das cotas não esteja prevista, o momento da sucessão pode gerar conflitos entre herdeiros e os demais sócios, adiando a solução da questão e aumentando em muito os custos, tanto para os herdeiros quanto para a sociedade.

Por outro lado, a lei civil confere às sociedades contratuais a prerrogativa de criar regras diversas para a sucessão do sócio falecido, critérios de avaliação da sociedade e, ainda, estabelecer condições mínimas para o ingresso de herdeiros na sociedade.

À guisa de exemplo, pode-se estabelecer que, em caso de falecimento do sócio, somente poderá ingressar na sociedade o herdeiro que exercer uma ou mais de uma das atividades previstas no contrato social, mediante aprovação da maioria dos demais sócios, sendo a sua quota exatamente igual ao seu respectivo quinhão hereditário, tendo direito ao pro labore. Note-se que é uma regra bastante específica e que, por isso, recomenda-se a sua previsão em acordo de sócios. 

O mesmo que foi dito no item anterior sobre a avaliação prévia da sociedade e cotas vale também para a hipótese de falecimento do sócio. 

e) Distribuição dos lucros

Havendo lucro na sociedade, os sócios poderão estabelecer no acordo a forma como se dará a sua distribuição: total ou parcial. Sendo parcial a distribuição dos lucros, estabelece-se o quanto será distribuído entre os signatários do acordo e o quanto será destinado ao caixa ou para investimentos da empresa. 

Sobre a distribuição do lucro que o sócio falecido teria direito, o acordo de sócios pode estabelecer destinação diversa do cônjuge sobrevivente e seus herdeiros, desde que o morto seja signatário do acordo. 

f) Sócio que trabalha na sociedade

Como se sabe, a condição de sócio, por si só, não é requisito para trabalhar dentro da sociedade. 

Por outro lado, tampouco o sócio está obrigado a desempenhar funções na sociedade da qual faz parte, mesmo porque, o sócio teria que ter competência e especialidade no ramo objeto da empresa ou, pelo menos, nas atividades-meio da sociedade.

E, nesse sentido, o acordo de sócios pode estabelecer os requisitos para o sócio trabalhar internamente para a consecução dos objetivos sociais. E, uma vez sendo admitido o seu trabalho, o sócio terá o direito de receber o pró-labore.  

Além disso, é possível aos sócios definir o pró-labore livremente no acordo de sócios, tendo como valor mínimo um salário-mínimo, por questões previdenciárias. Mas, recomenda-se sua definição com base em critérios justos e proporcionais às atividades exercidas pelos sócios, observando-se a capacidade de pagamento da empresa.

g) Regras de concorrência e confidencialidade

É fundamental que o Acordo de Sócios estabeleça regras anticoncorrenciais e de confidencialidade a serem aplicadas ao sócio que se retira da sociedade. O objetivo é proteger a sociedade no mercado em que atua.

Com efeito, o acordo deve prever, por exemplo, que o sócio retirante não poderá ser diretor, sócio, empregado ou prestador de serviço de empresa concorrente por determinado período, bem como guardará sigilo de todas as informações comerciais confidenciais e protegidas pelo ordenamento jurídico. O período anticoncorrencial e de sigilo profissional que o sócio retirante deverá cumprir dependerá da relevância das informações a que o sócio teve acesso (2, 3 ou 5 anos). 

h) Solução de controvérsias

É importante que o acordo de sócios estabeleça uma cláusula de solução de controvérsias entre os sócios. 

Considerando a dinâmica das relações sociais, o ideal é não se dirigir ao Judiciário para resolver o conflito, dada a notória e inerente morosidade da atividade jurisdicional, sem falar que, quase sempre, o julgador não tem a especialidade que o assunto exige para a correta solução da controvérsia. 

O recomendável é estabelecer no acordo de sócios, a mediação como forma inicial de solução da questão controvertida e, caso seja infrutífera a resolução do conflito, as partes podem se dirigir ao Juízo arbitral para equacionar o litígio, evitando o litígio judicial. 

III - CONCLUSÃO

Cada empresa tem as suas particularidades. E o acordo de sócios é um instrumento essencial para o bom funcionamento de uma sociedade limitada. Ele estabelece regras claras e diretrizes para a gestão da empresa, bem como os direitos e responsabilidades de cada sócio.

E um advogado com conhecimento do tema pode adaptar o acordo às necessidades específicas da sociedade, considerando fatores como capital social, distribuição dos lucros, direitos e responsabilidades dos sócios. O advogado pode antecipar situações problemáticas e incluir cláusulas que evitem disputas, como regras para tomada de decisões e resolução de conflitos. O apoio jurídico garante que os direitos e interesses dos sócios signatários do acordo sejam protegidos.

Por fim, é preciso destacar que não importa o tamanho da sociedade empresária constituída, o seu capital social e o número de sócios. Se há mais de um parceiro comercial na sociedade, o Acordo de Sócios é instrumento fundamental e eficaz à clareza da relação entre os sócios, à boa gestão da empresa, contribuindo sobremaneira para o êxito da atividade empresarial. 

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1 Mamede, G., Mamede, E. C.(2021). Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios,6th Edition. [[VitalSource Bookshelf version]].Retrieved from vbk://9786559770861.

2 Cód. Civil. Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Henrique Von Ancken Erdmann Amoroso

Henrique Von Ancken Erdmann Amoroso

Sócio do escritório "von Ancken & Guidolin Advogados". Pós-graduado em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura. Foi Assessor Jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo de 1999 a 2007.

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