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Litigância habitual, abuso do direito de ação

Hendhel Gazeta Erani

É necessário que os tribunais adotem medidas cautelares, a fim de coibir a judicialização de forma habitual, uma vez que essa má prática processual lesa todo o Judiciário brasileiro.

quarta-feira, 13 de março de 2024

Atualizado às 11:18

A litigância habitual é caracterizada pelo ajuizamento reiterado de demandas contendo teses genéricas, desprovidas de especificidades de caso concreto, alterando-se apenas as informações pessoais da parte. Caracteriza-se também pela propositura de ações, ao mesmo tempo, em várias comarcas ou varas, muitas vezes em nome de pessoas vulneráveis, o que contribui para a celeridade e a eficiência da prestação jurisdicional, porém promovendo a sobrecarga do judiciário ante a necessidade de concentrar mais forças de trabalho por conta da quantidade de ações temerárias.1 

Grande parte dessas ações é ajuizada com pedidos de nulidade de empréstimos consignados lastreados em benefícios previdenciários dos autores, frequentemente analfabetos ou semianalfabetos, que não solicitaram qualquer tipo de empréstimo junto à instituição financeira demandada. Desse modo, estariam sendo feitos descontos ilegais em suas aposentadorias em razão de contrato bancário fraudulento.

Ou seja, há inovação, no sentido de modificar ou alterar as ações, com a intenção de induzir os magistrados a erro, a fim de se obter êxito em cada um dos processos distribuídos. Isso prejudica a administração da Justiça, especificamente no campo da correta aplicação da lei, que não pode ser submetida a artifícios destinados ao falseamento da prova, e, por corolário, aos erros de julgamento a favor ou contra qualquer das partes envolvidas em um litígio.2 

As demandas fabricadas trazem como efeito colateral o aumento exponencial do número de processos apresentados nas unidades judiciais, engessando o Poder Judiciário na análise do direito na própria prestação jurisdicional, diante de feitos desprovidos de documentação necessária e, quase sempre, de fundamentação.

A maioria dos autores não tem conhecimento das ações e de seus objetos. Por exemplo: a parte autora autorizou o ingresso de uma ação revisional, mas, na verdade, houve alteração da informação na procuração para ajuizar uma ação de nulidade contratual.

A litigância habitual revela um atuar indicativo de captação ilícita de clientela, com possível falta de consentimento livre e esclarecido do suposto autor, utilização indevida do direito de ação, abuso do direito de litigar, irregularidade na confecção dos instrumentos procuratórios, falta de litigio real entre as partes, indícios de ausência de pressupostos processuais mínimos, dentre eles a adequada representação processual, a vontade manifesta de litigar, o interesse processual, a individualização do caso concreto, a higidez da documentação e a devida observância da boa-fé processual.3 

A utilização da máquina judicial com abuso do direito, quando se torna eficaz para os operadores irregulares, gera um reforço positivo de seu uso, estimulando ainda mais a utilização do Judiciário, originando um efeito de bola de neve negativo, inclusive convidativo aos advogados habituais do Brasil. A demanda massiva habitual ainda impacta no tempo de resolução de uma demanda real, levando à concepção de Judiciário moroso e ineficiente.

Portanto, resta evidente a necessidade dos tribunais adorarem medidas cautelares, a fim de coibir a judicialização de forma habitual, uma vez que essa má prática processual lesa todo o Judiciário brasileiro.

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1 Nota técnica nº 06/2023 do CIJEPI.

2 MASSON, Cleber. Direito Penal: parte especial arts. 213 a 359-h., 8. ed. São Paulo: Forense, 2018, fl. 1.018.

3 Processo 0801347-38.2021.8.18.0029. Sentença de Extinção Sem Resolução do Mérito. Publicada em 30/08/2023.

Hendhel Gazeta Erani

Hendhel Gazeta Erani

Pós-graduada em Processo Integrado (Civil, Trabalhista e Penal) e atua como Advogada no Reis Advogados.

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