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O dilema da ADC 49: ajuste nas regras dos créditos sobre os bens do ativo imobilizado

A decisão da ADC 49 do STF cria incerteza nos negócios devido à falta de harmonização entre os Estados sobre a não incidência de ICMS em transferências.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Atualizado às 13:55

Contextualização do cenário atual

A decisão do STF no tema tratado na ADC 49 vem deixando o ambiente de negócios ainda com dúvidas quanto a efetividade do direito conferido na decisão. Afinal, diante de tantas orientações e legislações desarmonizadas entre os Estados, o ambiente é de instabilidade para empresas.

Entre comunicados, portarias, avisos, leis e convênios ICMS publicados, o que persiste é o imbróglio da não incidência do ICMS sobre operações de transferências entre estabelecimentos, situados, ou não, em unidades federadas distintas.

Nesse sentido, enquanto os Estados se manifestam, inclusive quanto a internalização dos convênios ICMS 178/23, 225/23 e 228/23, bem como acerca da LC 204/23, observa-se uma realidade pouco prática em relação ao direito que se pensava usufruir a partir da decisão do STF, o que sujeita as empresas a um cenário incerto, passível de autuações pelos Estados, caso observe tão somente a ADC 49.

Dentre as normas observamos diversas situações. Nos deparamos, inclusive. com uma espécie de "modulação da modulação" instituída pelos próprios Estados. Ou seja, enquanto a modulação dada pelo STF determinou que a partir de 1º de janeiro de 2024 as empresas já poderiam transferir suas mercadorias sem fazer incidir o ICMS no documento fiscal, mantendo-se os créditos e facultando a possibilidade de transferi-los, os Estados impuseram um novo prazo de "modulação" até 1º de maio de 2024. A justificativa, conforme convênio ICMS 228/23, é para que os Estados avaliem como orientarão as empresas na emissão dos documentos fiscais.

Em outros casos, há Estado que se encaminha no sentido de conferir tratamento tributário às remessas por transferência como se fossem circulações jurídicas, lançando a cobrança de ICMS diferencial de alíquotas, ou mesmo a incidência do ICMS substituição tributária sobre essas entradas recebidas por transferências.

A pergunta inevitável é: A decisão do STF na ADC 49 teria tratado apenas do ICMS destacado no documento fiscal de transferência, ou deve ser compreendida de forma mais ampla? 

A LC 204/23, que altera a LC 87/96 (lei Kandir), também deu sua parcela de contribuição para a celeuma. Se o objetivo da LC 204/23 era de acomodar a decisão do STF na LC 87/96, ela falhou. A referida lei pouco avançou sobre todos os dispositivos necessários que tratam da manutenção de créditos, e assim, contribuiu com as dúvidas ao dispor sobre o valor dos créditos passíveis de transferências entre os estabelecimentos, os quais se limitam aos percentuais estabelecidos pelas resoluções do Senado Federal de nºs 22/89 e 13/12 (alíquotas de 4%, 7% ou 12%). 

Fato é que a LC 204/23 se omitiu em regulamentar importantes dispositivos da LC 87/96 que tratam sobre a apuração do imposto e circunstâncias em que os créditos poderão ser transferidos entre estabelecimentos, notadamente os arts. 24 e 25 da lei Kandir.

Já em relação aos incisos inseridos no § 4º do art. 12 da LC 87/96, os quais tratam do limite das transferências de créditos nos casos das transferências interestaduais, tais disposições se acomodariam melhor ao art. 25 da mesma lei, mais especificamente no §2º, caso se observe as orientações da LC 95/90, que dispõe sobre a elaboração das leis.

Sem os devidos ajustes no art. 25 da lei Kandir, dentre outros dispositivos da legislação complementar, como se verá a seguir, o teor do acórdão do STF na decisão da ADC 49 continua sendo a única baliza passível de ser considerada nas operações a partir de janeiro de 2024.

Repercussão sobre os créditos de bens do ativo imobilizado transferidos entre os estabelecimentos

Não bastasse as omissões citadas acima, há, também, disposições sobre créditos de ICMS dos bens do ativo imobilizado, quando são transferidos entre os estabelecimentos, que mereciam ajuste legislativo adequado.

O crédito de ICMS de tais itens são controlados no livro "CIAP" (Livro Controle de Créditos do Ativo Permanente), conforme previsto pela própria lei Kandir no seu art. 20, §5º, inciso VI.

As alterações na lei Kandir deixaram de contemplar relevante impacto que a decisão na ADC 49 possui alcance, qual seja, o disposto no §5º do art. 20, que trata da sistemática dos créditos do imposto sobre as aquisições de bens destinados ao ativo imobilizado da empresa. Estas disposições da lei Kandir também devem reavaliadas à luz da decisão proferida pelo STF.

Quanto a não incidência do ICMS nessas transferências de bens do ativo imobilizado entre estabelecimentos, desde a LC 102/00 e LC 120/05, combinado com o Art. 4º da lei Kandir, entendemos que não resta discussões, no sentido de não ter sido alvo direto da ADC 49. Nesse aspecto, entendemos ser ponto pacífico.

Porém, um efeito prático da decisão recai sobre o afastamento da aplicação do inciso V, do §5º, do Art. 20 da lei Kandir, nesses tipos de transferências dos bens de capital da empresa. Este dispositivo da lei Kandir trata, exatamente, da interrupção do crédito no caso de "alienação dos bens do ativo permanente" antes de decorrido o prazo de quatro anos, que é o período em que o crédito é realizado através do livro CIAP.

Ou seja, qualquer restrição pelos Estados quanto ao querer interromper a continuidade do aproveitamento de créditos de ICMS dos bens do ativo imobilizado em transferências interestaduais deveria ser, também, afastada à luz da ADC 49.

Assim como o art. 25, já comentado antes, o art. 20 da LC 87/96 não foi devidamente tratado na oportunidade da alteração legislativa. Não obstante, e considerando que a transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte não passa de mera troca de endereço da mesma pessoa jurídica, não restam dúvidas de que a transferência do bem do ativo imobilizado não poderia ser equiparada a uma "alienação" (operação de circulação jurídica), a impedir a continuidade dos créditos gravados no livro CIAP.

Neste sentido, por exemplo, se um estabelecimento matriz que adquira um bem do ativo imobilizado, e aproveite as primeiras parcelas do crédito de ICMS, decida transferir o referido bem a outro estabelecimento (filial) da mesma empresa, situado em outro Estado, estaria autorizado, com base na decisão do STF na ADC 49, a transferir os créditos remanescentes de ICMS sem que se reinicie a contagem do prazo de 48 parcelas, como ocorreria se essa empresa realizasse operação de venda.

Isto é, se o estabelecimento matriz aproveitou o equivalente a oito parcelas do total de crédito possível, o estabelecimento filial recebedor do bem transferido, localizado em outro Estado, poderia continuar com os créditos das 40 parcelas restantes, sem que se reinicie a contagem de quatro anos.

A decisão do STF na ADC 49 preserva, substancialmente, o princípio da não cumulatividade previsto no inciso I, do §2º, do art. 155 da CF/88. Referido princípio se impõe nesta decisão sobre todas as transferências, a fim que se corrija limitações do Fisco quanto ao direito de crédito do ICMS. Tanto as mercadorias para revenda e matérias primas, como os bens do ativo imobilizado, não mudam de proprietário a ensejar limitações ao direito de crédito ou reinício do prazo para fins de crédito.

Embora a ADC 49 tenha atraído a atenção de todos sobre as operações ditas tradicionais, com mercadorias para revenda ou industrialização, a mudança é ampla. Os créditos de ICMS, mesmo quando observa metodologia específica, como é o caso do livro CIAP, devem estar assegurados pela empresa no local for necessário a sua utilização.

Enfim, o direito do contribuinte quanto ao uso integral dos créditos de ICMS (facultativo), conforme interpretação do STF nos embargos da ADC 49, deve ser assegurado sem quaisquer influências de equiparações às circulações jurídicas.

Cleberson Vasconcelos Araujo

VIP Cleberson Vasconcelos Araujo

Especialista e Coordenador em tributos indiretos. Atua como gestor tributário em indústria calçadista. É Bacharel em Administração de Empresas e acadêmico do curso de Direito.

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