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Goffredo Telles Júnior: Professor, mas sobretudo um humanista

Nas minhas jornadas intelectuais, descobri Goffredo Telles Júnior como um professor excepcional, mais do que apenas um transmissor de conhecimento, mas um formador de cidadãos conscientes e integrados à sociedade.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Atualizado às 13:36

Em minhas jornadas intelectuais (além daquelas trazidas por aquele quem pesquiso enfaticamente, Pontes de Miranda), deparei-me com a figura de um professor, figura essa que para mim era então uma novidade, mesmo após bacharel em Direito. Interessei-me por ele já nos primeiros instantes ao deparar-me com um documentário sobre sua trajetória. Os alunos dele ao falarem do mestre exalavam a dedicação, o envolvimento com o qual o professor ensinava.

Constatei que se tratava não apenas de um professor na acepção burocrática do termo, mas de verdadeiro preparador de cidadãos, privilegiados os que tiveram contato direto com ele. Se ensinar não é apenas a disseminação de conteúdos, mas a comunicação de experiências para o formar de um cidadão, um indivíduo pensante, integrado à sociedade, como crê este subscritor, Goffredo Telles Júnior é um dos maiores exemplificadores essa postura.

Seu discurso (ainda que não "ipsis litteris") de que o direito é, em síntese, o estudo da convivência humana tocou-me de forma profunda. Pois, repensando a questão, é o que constato. Direito é o ensino da interação do homem em sociedade, é a proteção do vulnerável, é a distribuição contra a concentração, é a regra que nivela os homens, que nivela as relações sociais. Sábio mestre, a quem sou grato por conhecer o legado, legado esse com o qual alio-me. É, pelo que se constata sem esforço, a personificação de um democrata brasileiro.

Nessa toada de pesquisas sobre o professor, conheço o poema "Heroica pancada". Tobias Barreto, da histórica Faculdade de Direito do Recife, autor dessa magistral poesia. "Quando se sente bater, no peito heroica pancada, deixa-se a folha dobrada, enquanto se vai morrer (...)". Trata-se de entimema, um lugar comum dos filhos das Arcadas, mas que aqui se pede a licença poética de repeti-lo.

Quão enriquecido se torna o direito quando a literatura vem para orná-lo, para emergir que o direito não é a norma posta apenas, o que se chama direito positivo, mas que o direito é também, verdadeiramente, sustenta-se, um processo de adaptação social do homem, tal qual falava Pontes de Miranda. A cultura, a história, elementos que nos situam no tempo-espaço, de modo que sabendo de onde viemos, somente, saberemos para onde vamos.

Enalteço-me, em constatar esses singulares expoentes do direito brasileiro comungando valores. É mesmo uma responsabilidade ímpar estar no universo jurídico tendo criaturas desse profundo calado. Pois, tal qual as naus que desbravaram mares revoltosos, singrando para a terra firme, que sigamos e tenhamo-los como a terra firme, um repouso seguro de intelecto para as problemáticas com as quais temos de lidar. "Viver é lutar", frase essa que nos traz ao pensamento o poeta Gonçalves Dias, em Canção do Tamoio e também o jurista Rudolf von Jhering, com A luta pelo direito.

É mister recordar um dos pontos mais marcantes da carreira do professor, a Carta aos brasileiros, lida em agosto de 1977, no pátio da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. "Estado de Direito, já!", que assim a concluíra. 

Naquele mesmo ano, em abril de 1977, o então presidente Ernesto Geisel valendo-se do AI-5 (editado em dezembro de 1968), a institucionalização do Estado de exceção, do arbítrio determinou o fechamento do Congresso Nacional, no denominado pacote de abril.

Sabemos o valor dos homens quando o que tem a perder é muito, e ainda assim sustentam o que creem, o que defendem. Foi o caso do professor nesse contexto, chamando de ditadura, às claras, o que de fato via-se no Brasil de então (desde abril de 1964, a bem da verdade).

A defesa do direito, nas salas de aula, consubstanciou-se na defesa do direito porta da sala de aula à fora. Não são belas palavras que impactam, que influenciam. O que importa mesmo é o exemplo, é o exemplo que arrasta. Exemplo que ele deixou para a eternidade, para os estudiosos e inquietos tais qual ele.

Em mãos, recém adquirido o título "Iniciação na ciência do direito", terceira edição, ano 2006. Examinando o índice, constato que o professor fora fiel ao seu discurso, e vejo ali mesmo os basilares de um estudo que trata da convivência humana, chegando a ser, de fato, um curso de cidadania, colocando o operador do direito como verdadeiro cientista social, não mero técnico alheio aos anseios de uma efetiva democratização, alheio a uma efetiva integração social.

Que ele não seja apenas uma longínqua lembrança, que seja um próximo presente e guarneça os pensamentos dos juristas brasileiros que como outrora tiveram-no por perto. Que não sejamos alheios à Constituição, que não é texto puro. Ela tem a sua razão de ser e para ser. 

Que, reitera-se, enquanto juristas do nosso tempo entendamos o que nos cabe, que não nos olvidemos das nossas responsabilidades enquanto verdadeiros cientistas sociais e que façamos do direito, sobretudo da Constituição Federal, carta política que teve a sua razão de passar a existir e tem a sua razão de continuar existindo, propósito diário de nossas vidas.

Ednardo Claudio Benevides

VIP Ednardo Claudio Benevides

Advogado. Pesquisador da bibliografia de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.

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