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Direito digital e a suspensão de contas nas redes sociais em período eleitoral

A transformação da comunicação política com a ascensão das redes sociais e os desafios jurídicos que surgem, como a insegurança jurídica e decisões judiciais que podem comprometer a liberdade de expressão e a lisura do processo eleitoral.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Atualizado às 14:04

Nos últimos anos, a evolução dos meios de comunicação tem impactado profundamente a forma como a informação é difundida, especialmente no contexto político-eleitoral. A transição dos tradicionais veículos de comunicação de massa - como rádio, televisão e impressos - para as plataformas digitais configurou um novo paradigma na comunicação política. As redes sociais, em especial, passaram a desempenhar um papel estratégico nas campanhas eleitorais, permitindo que candidatos promovam suas agendas e interajam com o eleitorado de maneira direta e em larga escala, sem a intermediação dos meios convencionais. Esse processo intensificou o alcance e a velocidade da disseminação de informações, alterando significativamente o cenário político. 

Contudo, a expansão desse ambiente digital impõe novos desafios, notadamente no que tange à regulação de conteúdo e à atuação do Poder Judiciário na aplicação de medidas que conciliam a liberdade de expressão com a preservação da lisura e equidade do processo eleitoral.

Através deste viés, o ordenamento jurídico brasileiro, em grande parte construído para lidar com formas tradicionais de comunicação, mostra-se insuficiente para regular adequadamente o ambiente dinâmico e expansivo das plataformas digitais. O avanço acelerado dessas tecnologias, aliado à sua capacidade de impactar diretamente o processo eleitoral, colocou os tribunais diante de situações inéditas, muitas vezes resultando em decisões que carecem de previsibilidade e clareza jurídica.

Ao destacar essa perspectiva, um entrave se apresenta como um dos supostos problemas: a insegurança jurídica. Entre idas e vindas, o Poder Judiciário vem se demonstrando afadigado e, de outro modo, tenta recuperar o seu clamor e respeito adotando comportamentos que não são de sua competência para discorrer. 

Joaquim Falcão, em seu artigo "Tempos de Insegurança Jurídica" destaca:

Sente-se com amargor, de fato, as instituições enfraquecidas, o tecido social esgarçado e a erosão da democracia e da credibilidade. Perderam-se os limites, e as regras são violadas à luz do dia, sem cerimônia e sem qualquer preocupação com as consequências, porque a impunidade está garantida, inclusive por lei.

E ainda completa ao referenciar os atos exclusivistas do nosso STF: "Mas, este quadro da insegurança jurídica fica ainda mais sério e preocupante quando detectamos que a principal fonte da qual esperamos o fornecimento deste precioso insumo vem falhando. [...] Dos 105.827 casos decididos pelo STF em 2023, quase 83% (precisamente 82,81%) foram decididos de forma monocrática. Ou seja: 87.637 decisões em 2023 foram oriundas de um dos 11 ministros e apenas 18.190 decisões foram colegiadas." 

Quando analisados em um contexto macro, têm-se a consciência de que 83% dos casos que chegaram ao conhecimento da Suprema Corte, foram decididos por um só magistrado.

Trazendo para o contexto do Direito Digital, regulado, a exemplo, pelo marco civil da internet (2014), e outras legislações esparsas, é indiscutível que o desconhecimento de parcela significativa do judiciário para lidar com questões modernas e em constante evolução, como o uso de plataformas digitais, reflete uma lacuna significativa no ordenamento jurídico atual, que, também não está plenamente preparado para receber e tratar de demandas inéditas. 

Embora o Poder Judiciário desempenhe um papel fundamental na manutenção da ordem legal, muitos magistrados se deparam com a falta de parâmetros claros para a regulação de novas tecnologias e das dinâmicas próprias do ambiente digital, resultando em decisões que, por vezes, violam garantias legais e até mesmo constitucionais, como o livre acesso à informação e liberdade de expressão dos usuários. 

O elevado número de decisões monocráticas e a sobrecarga de processos no Judiciário, indicam uma tentativa de suprir a incapacidade do sistema de lidar com a complexidade das novas questões, mas ao custo de maior imprevisibilidade e falta de coerência nas decisões. Desse modo, a incapacidade do Judiciário em acompanhar a evolução tecnológica demonstra que há um risco real de que decisões arbitrárias sejam tomadas sem a devida consideração dos impactos nos direitos dos cidadãos e na integridade do processo democrático, assim como foi visualizado nos recentes embates democráticos eleitorais pelas prefeituras municipais. 

Sendo assim, a internet ganhou um espaço significativo entre os usuários, em grande parte devido ao comportamento anacrônico adotado por diversos veículos de comunicação tradicionais. A percepção de que há certa parcialidade na cobertura de notícias, com abordagens que muitas vezes refletem interesses políticos e econômicos específicos, fez com que muitos cidadãos buscassem novas fontes de informação nas plataformas digitais. Assim, as redes sociais, blogs e canais independentes surgiram como alternativas, oferecendo um ambiente mais plural e interativo, onde os usuários podem não apenas acessar, mas também compartilhar, discutir e questionar informações de forma instantânea. Esse cenário transformou a internet no principal canal de comunicação para milhões de pessoas, substituindo a confiança que antes era depositada em mídias tradicionais como jornais, rádios e televisão. Além disso, o espaço online proporciona uma descentralização da produção de conteúdo, permitindo uma maior diversidade de opiniões e vozes, especialmente em tempos eleitorais, onde a transparência e a diversidade de narrativas são fundamentais para o fortalecimento da democracia.

Destarte, Marília Fattori destaca,

"Perdeu-se a fé nos veículos tradicionais pois, além da percepção de que o que era divulgado não correspondia à realidade, a informação era compartilhada entre os usuários, numa via de mão dupla, em que emissor e receptor do conteúdo se tratavam de pessoas comuns, ao contrário da comunicação estabelecida entre mídia tradicional e espectador. A comunicação nas redes sociais acontece de forma que as pessoas se sentem próximas, diferentemente do distanciamento criado pelos meios tradicionais, por se tratarem de corporações."

Valendo-se desta situação, em 2019 o Senado Federal, através do DataSenado - agência de pesquisa interna - divulgou uma apuração realizada com 2,4 mil pessoas, no qual, 79% disseram sempre utilizar essa rede social para se informar. A matéria trazia dados consistentes sobre o papel das redes sociais no poder de decisão do eleitor médio.

Segundo a pesquisa apresentada pelo instituto DataSenado, "a influência crescente das redes sociais como fonte de informação para o eleitor, o que pode em parte explicar as escolhas dos cidadãos nas eleições de 2018. Quase metade dos entrevistados (45%) afirmaram ter decidido o voto levando em consideração informações vistas em alguma rede social

O desconhecimento do Poder Judiciário para lidar adequadamente com a regulação das plataformas digitais, aliado à crescente desconfiança e baixa popularidade da mídia tradicional, intensificou a insatisfação dos eleitores nos últimos anos. Atualmente, as redes sociais figuram como os principais canais de acesso à informação e são essenciais para a comunicação política. Candidatos como Pablo Marçal, em sua campanha à prefeitura de São Paulo, e o Deputado Federal Nikolas Ferreira, ambos com forte presença digital, tiveram suas contas suspensas em período eleitoral por decisões judiciais, gerando um debate acirrado sobre os limites dessas intervenções. As decisões judiciais que restringem o uso de redes sociais levantam questões sobre possíveis arbitrariedades do Judiciário, confrontando princípios constitucionais como a liberdade de expressão, o direito à informação e a proibição de censura prévia. A suspensão de contas de candidatos em plena campanha pode ser interpretada como uma violação do direito de comunicação com os eleitores, comprometendo a lisura do processo eleitoral e suscitando discussões sobre o equilíbrio entre a proteção do processo democrático e a preservação dos direitos fundamentais em uma sociedade altamente conectada.

Isso se deve a um fator evidente: a dificuldade em adaptar as mídias digitais ao ordenamento jurídico sem comprometer princípios constitucionais fundamentais - como a liberdade de expressão, o direito à informação e a participação política. Medidas como a suspensão de contas de candidatos nas redes sociais, embora justificadas pela intenção de manter a integridade do processo eleitoral, frequentemente suscitam questionamentos sobre sua proporcionalidade e conformidade com direitos fundamentais, demonstrando a necessidade urgente de uma abordagem jurídica mais coerente e técnica para integrar essas novas realidades no sistema normativo brasileiro.

Portanto, as decisões judiciais que resultam na suspensão de contas de candidatos em redes sociais, adotadas por tribunais eleitorais em todo o país, muitas vezes revelam uma ausência de razoabilidade que fere o princípio da menor onerosidade. Para fins práticos, qualquer leigo que compreende minimamente o funcionamento de uma rede social como Instagram, "Facebook", ou qualquer outra plataforma que se utilize da metodologia de publicações autônomas do tipo "post", tem conhecimento que um conteúdo suspeito, falso ou enganoso, que fere não somente as regras da própria plataforma, mas viola normas morais da sociedade, pode ser retirado individualmente sem que o perfil seja completamente prejudicado.

Desse modo, visando a medida menos gravosa, em casos de suposta veiculação de propaganda enganosa ou prejudicial a terceiros, a medida proporcional e adequada seria a análise e eventual remoção da publicação específica, mitigando os danos comprovados. No entanto, a suspensão total das contas de candidatos compromete diretamente a comunicação deste com seus eleitores, interferindo em seu direito de se manifestar durante o período eleitoral. 

Portanto, impedir que um candidato tenha acesso a suas redes ou até mesmo de criar novos perfis para continuar suas atividades políticas configura uma medida arbitrária, desproporcional e prejudicial, violando o equilíbrio democrático e as garantias constitucionais de participação política.

Uma vez apontado pelo DataSenado como um dos principais meios de propagação de informação atuais, as redes sociais tornaram-se o meio pelo qual o candidato tem acesso direto aos seus eleitores, sem que necessariamente precise deslocar-se para ouvi-los. Ferramentas disponibilizadas pelas próprias plataformas possibilitam que tais candidatos possam ouvir as solicitações do eleitor de modo facilitado. Uma vez suspenso o perfil corta-se esse vínculo do candidato em receber a demanda de sua base e conhecer os seus eleitores, e do eleitor em ter acesso ao candidato e ter a oportunidade de acompanhar de maneira dinâmica e descomplicada suas propostas. 

Contudo, a falta de proporcionalidade em tais decisões compromete não apenas o direito de comunicação do candidato, mas também suas chances eleitorais, já que ao suspender essas contas de forma total, o Judiciário não apenas atinge o candidato de forma desproporcional, mas também impacta o processo eleitoral, ao reduzir a pluralidade de vozes no debate público, embora preservação da lisura eleitoral seja uma justificativa válida para a intervenção. Em casos como esses, diversas outras medidas menos invasivas e menos danosas seriam adequadas, como a remoção de publicações específicas ou a exigência de retratação pública pelos mesmos meios ao qual se deu a vinculação da (des)informação, sendo portanto, a maneira equilibrada de proteger a integridade do processo eleitoral, sem sacrificar os direitos fundamentais do candidato e nem violar o direito ao acesso à informação do eleitorado.

Partindo portanto de nosso raciocínio e observação de casos concretos, concluímos que em um cenário de constantes mudanças e de insegurança jurídica, nunca se fez tão necessário uma gestão de riscos jurídicos antecipados e focada no mundo digital. As percepções e experiências que as áreas tradicionais do direito trouxeram ao longo dos anos não mais representam a extensão das relações jurídicas que se formam com a sociedade digital.

O contexto de novas relações e efeitos nos pleitos eleitorais passam pelo direito digital o qual irá ganhar cada vez mais importância, especialmente na próxima eleição que é nacional, e que atinge em diferentes graus a sociedade de informação.

Encerramos esclarecendo que se busca através dessa reflexão textual abrir portas para uma discussão prática ao que ocorreu no último pleito eleitoral e que poderá ocorrer nas próximas, além disso, chamar atenção para que os candidatos, empresas e partidos observem a importância de estarem plenamente assessorados no campo do direito digital e possam atuar de forma eficaz em casos de excessos ou medidas inadequadas do judiciário.  

Matheus Xavier

Matheus Xavier

Atuante na matéria e defesa da Propriedade Intelectual e Direito Digital. Graduado em Direito e Pós-graduando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Arthur Crialesse Pereira

Arthur Crialesse Pereira

Advogado pós graduado em diversas áreas, atuando há mais de seis anos com o direito digital em todo o Brasil e mundo. Professor, mentor e palestrante de direito digital e negócios digitais.

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