Demandas contra planos de saúde: Doenças e lesões preexistentes
Declarações de saúde preenchidas a grosso modo, resultam em ingerências sobre a vida dos beneficiários, sendo tidas como fator determinante para a tomada de decisões.
sexta-feira, 10 de janeiro de 2025
Atualizado em 9 de janeiro de 2025 14:09
A instituição do Estado Democrático de Direito se deu a partir da promulgação da Constituição da República de 19881, sendo instituídas garantias de direitos fundamentais, dentre eles, o princípio axiológico da dignidade da pessoa humana2 e consequentemente, os direitos sociais3, compreendendo em consectário lógico, o direito à saúde4.
A proteção à pessoa humana e à vida5, como é assim pactuado no ordenamento jurídico brasileiro, deriva do Estado do Bem-Estar Social, momento em que houve a latente necessidade do intervencionismo estatal, tornando-se o indivíduo credor das obrigações positivas prestadas e não prestadas em favor da sociedade.
Com a instauração do paradigma social do Direito, despontou-se a máxima: Todos devem ser tratados de forma desigual na medida da sua desigualdade.
Logo, percebe-se que o ideal de criação do Estado Democrático de Direito é, em teoria, justo. Mas, na prática, qual seria a razão de decidir do julgador, para sobreposição principiológica e construção do seu entendimento, em demandas judiciais relativas ao direito da saúde?
O sistema constitucional brasileiro não atribui às garantias e aos direitos individuais eficácia absoluta6, todavia, em caráter abstrato, não se pode olvidar da força do direito à vida, o qual é permeado pelo direito à saúde.
São apresentadas, portanto, diretrizes interpretativas para toda a população, bem como para os membros da administração pública, seja direta ou indireta. Sendo disponibilizado aos referidos, meios de resolução da colisão dos princípios, por meio da aplicação da proporcionalidade e razoabilidade ao caso concreto.
Isto posto, ao acessar o Judiciário para resguardar o direito à saúde de beneficiários em face de operadoras, tão logo é reconhecido o embate do direito à vida, em favor dos beneficiários, e o negócio jurídico perfeito, representado pelo princípio da força obrigatória dos contratos, em favor das operadoras.
Com o aumento do número de judicialização das demandas, o Poder Judiciário comedidamente, para resolução do problema, sumulou o entendimento 6087 do STJ, entendendo pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor8 aos contratos de plano de saúde. Interpretação esta, que, sem embargos, traz algumas benesses ao beneficiário, uma vez que é posto qual o limite legal interpretativo.
Entretanto, o que se percebe é a utilização do limite legal como forma de cerceamento de direitos do beneficiário da saúde quando necessita do tratamento, seja por medicamento ou cirurgia para o exercício da sua vida plena, pois, as operadoras de planos de saúde, apresentam, sem pestanejar negativas aos seus beneficiários, por terem conhecimento da relativização do entendimento sumulado do STJ ao 6099.
A lacuna existente, a qual gera a prevalência do negócio jurídico perfeito, tem raízes sociais. O Estado falha no seu dever de conscientização da população brasileira, por não alertarem quanto às especificidades e riscos em razão da assinatura da declaração de saúde e do termo de adesão. E pior, os riscos de aceitação da cobertura parcial temporária e assinatura de outros termos aditivos.
Para ser legítima e devida a negativa por doenças ou lesões preexistentes, deveriam as operadoras solicitarem aos seus futuros beneficiários a realização de exames médicos, mas não o fazem em razão do seu caráter patrimonial. Pelo contrário, incluem nas letras miúdas do termo de declaração de que o beneficiário dispensou a orientação médica para o preenchimento. Novamente, com a intenção de imputação de responsabilidade civil a ele.
Muitas vezes, o beneficiário não sabe se assinou ou não essa declaração de saúde, ou o que ali constou, uma vez que é costumeiro o preenchimento pelos vendedores de planos de saúde. Neste momento, ressalvadas as situações em que há comprovação de má-fé10, o beneficiário não tem a intenção de fraudar o plano de saúde, criando situações de necessidade de uso, tendo em vista a presunção da boa-fé.
A cobertura de procedimento eletivo gera conflito no Poder Judiciário, tal como a cirurgia bariátrica, antes de completar os 24 (vinte e quatro) meses de carência. Por si só, o procedimento eletivo não é causador de danos irreparáveis, ou seja, o não atendimento aos requisitos para concessão de uma liminar11 ou, porventura, a procedência de uma demanda judicial. Não obstante, sabe-se que a obesidade, CID E6612 pode gerar diversas outras comorbidades, como diabetes e hipertensão, tendo, inclusive, potencial limitante e risco à vida do beneficiário.
Cria-se pelas operadoras, uma cortina de fumaça ao Poder Judiciário ao justificarem a negativa pautada, exclusivamente, nas cláusulas do termo de adesão, confeccionadas em seu único benefício, sem análise devida do ser humano por detrás do beneficiário contratante, afinal o tempo a ser transcorrido de 24 (vinte e quatro) meses é extenso e o estado de saúde pode ser agravado, como assim deve ser comprovado pelo acompanhamento médico.
Razão pela qual, apesar da adesão ao plano de saúde, deverá cada caso ser devidamente analisado e, consequentemente, aplicado pelos julgadores os princípios balizadores da proporcionalidade e razoabilidade a fim de que seja salvaguardada a vida do beneficiário diante de sua necessidade, sem que sofra retaliações indevidas.
_________________
1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Senado Federal, 1988. Disponível em:
2 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana; (grifo nosso)
3 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)
4 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (grifo nosso)
5 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (grifo nosso)
6 STF, DJ 12 mai. 2000, MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello: "Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto".
7 "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão." (Súmula n. 608, Segunda Seção, julgado em 11/4/2018, DJe de 17/4/2018.)
8 BRASIL. Lei 8.078, 11 set. 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF. Senado Federal, 2019. Disponível em:
9 "A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado." (Súmula 609, Segunda Seção, julgado em 11/4/18, DJe de 17/4/18.)
10 Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. (BRASIL. Lei 13.105, 16 mar. 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF. Senado Federal, 2015. Disponível em:
11 Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (BRASIL. Lei 13.105, 16 mar. 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF. Senado Federal, 2015. Disponível em:
12