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Sobre o crime político e a política do crime

Esta semana começou a ser julgado em um júri que definirá o desfecho de um desses episódios de violência política que ocorreu nas eleições de 2022.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Atualizado às 10:44

A escalada de violência que assola o campo político no Brasil não é mais uma temática distante no país e segue fazendo vítimas, de modos recentes. No dia 11/2/25 começou a ser julgado em um júri que definirá o desfecho de um desses episódios de violência política que ocorreu nas eleições de 2022, um ex-policial penal bolsonarista, acusado de matar um guarda municipal e militante petista.

O emblemático episódio, um aniversário, cuja temática era o ex-presidente Lula, terminou de forma trágica, após um antagonista político invadir e efetuar disparos de arma de fogo, que matou o aniversariante. A delegada de polícia do caso, afirmou à época que não se tratava de crime político.

Ora, como um homicídio com motivação claramente política não é um crime político? Por vezes o Direito tem dessas coisas, possui sua lógica própria. Essa mágica criada pelos Códigos nem sempre é palatável, mas desta vez devemos dar razão ao Direito.

A classificação de um crime como político não se limita apenas à motivação do criminoso, mas sim aos efeitos, reais ou potenciais, da ação. Assim, exige-se que crime ponha em risco a soberania nacional, democracia, integridade territorial ou o chefe de algum dos poderes da União. O terrível homicídio pode ter tido motivação política, mas os efeitos pretendidos pelo criminoso estavam limitados à festa e aos participantes desta.

Não há norma que trate exclusivamente da motivação política. Desta forma, esse tipo de motivação se enquadra na ideia de torpeza, que é, na linguagem do Direito Penal, um crime especialmente repulsivo e infame. Sendo o homicídio qualificado pela torpeza, o crime é mais severamente punido. Assim, não há crime político, mas crime na política.

Ultrapassa a questão do infame crime na política, há outra dimensão, muito mais complexa, que merece reflexão: a política do crime.

Conforme noticiado, o agressor transitava com esposa e filho, quando se desentendeu com seus antagonistas políticos. Deixou ambos em segurança e voltou para a desforra. Dentro da perspectiva do homicida, certamente ele não era um assassino, mas um patriota, ou algum tipo de herói a enfrentar o vilão.

O entendimento maniqueísta da vida, projetado para a política, permite conflitos familiares, rupturas de amizades e até mesmo de casamentos, conforme amplamente noticiado. Arvorar-se como detentor da verdade absoluta permite o enfrentamento do inimigo, como o herói que deve derrotar o vilão. Esse tipo de compreensão absoluta é típico das religiões, cujos dogmas são pautados pelo amor, a caridade e a tolerância.

Já a política possui outros dogmas, pois é o palco para a disputa de poder e de ideias. Arvorar-se como detentor da verdade sagrada, fora do palco religioso, geralmente é o combustível para a generalidade de atrocidades históricas. A política do crime só nasce na ausência de padrões culturais educacionais mínimos, por substituir o conhecimento pela convicção.

Não há outro remédio para inibir a política do crime senão revisitar as próprias convicções, abrir espaço para ouvir a opinião alheia, tanto quanto se quer convencer o outro sobre suas opiniões. Na política, tanto quanto na ciência, as convicções são as maiores inimigas do consenso, e sem algum consenso mínimo, não há nação, mas um punhado de pessoas se baleando entre si.

Mariana da Silva Cotta

Mariana da Silva Cotta

Advogada,OAB DF (OAB DF -82.358) Pós graduada em penal e Processo penal (EPD). Pós graduada em Direito Publico,pela EBRADI.

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