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O aproveitamento e o direito subjetivo de aprovados de preencher as vagas do edital

Há risco ao direito subjetivo dos aprovados em concurso público diante de interpretação equivocada do instituto do aproveitamento de candidatos.

quinta-feira, 27 de março de 2025

Atualizado às 11:05

A realização de concursos públicos é uma expressão do princípio da impessoalidade e da eficiência na administração pública. A partir do momento em que um candidato é aprovado dentro do número de vagas previstas no edital, consolida-se seu direito subjetivo à nomeação, conforme reiteradamente reconhecido pelo STF. No entanto, em determinadas circunstâncias, interpretações administrativas têm distorcido essa garantia, especialmente no que diz respeito ao aproveitamento de candidatos por outros órgãos.

O aproveitamento ocorre quando um candidato aprovado em um concurso é convocado por outro órgão da administração pública, especialmente federal, sem a necessidade de se submeter a um novo certame. Embora essa prática seja reconhecida como válida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), sua aplicação deve ser compatível com o direito subjetivo dos candidatos aprovados dentro das vagas previstas no edital.

O que se observa, no entanto, é que determinados órgãos têm tratado o aproveitamento como se fosse um preenchimento da vaga no concurso de origem, negando a convocação de outros candidatos classificados. Neste sentido, é a decisão colegiada proferida pelo CSJT no processo nº TST-PCA-2451-31.2024.5.90.0000, na qual se reconhece que os candidatos aproveitados comporiam o número de aprovados do TRT-2.

A jurisprudência do STF, ao longo dos anos, tem estabelecido critérios objetivos para assegurar que os princípios da moralidade e da legalidade sejam respeitados nos concursos públicos. O entendimento consolidado no Tema 161 da Suprema Corte determina que o candidato aprovado dentro das vagas previstas no edital tem direito subjetivo à nomeação. Mais do que isso, o Tema 784 ampliou essa garantia, prevendo que a preterição de candidatos, seja por meio da convocação indevida de outros menos qualificados ou pela omissão da administração em nomear dentro da validade do concurso, pode configurar lesão ao direito dos aprovados.

A partir desses precedentes, fica evidente que, quando um candidato é aproveitado por outro órgão, sua vaga original deve ser considerada disponível para o próximo classificado. A administração pública não pode utilizar essa movimentação como um artifício para reduzir o número de nomeações, pois isso compromete a previsibilidade e a estabilidade das regras do certame. Trata-se, portanto, de uma interpretação que não apenas contraria a jurisprudência da Corte Constitucional, mas também gera insegurança jurídica aos candidatos que aguardam convocação.

Outro princípio fundamental que deve ser observado nessas situações é o da confiança legítima. A administração pública não pode alterar regras ou critérios administrativos de forma abrupta, especialmente quando isso afeta negativamente os direitos dos candidatos. Muitos tribunais e órgãos públicos estabelecem, no próprio edital, que os aprovados poderão ser aproveitados por outros órgãos, mas sem especificar que isso impactará no número de vagas originalmente previstas. A ausência dessa informação no edital reforça a ilegitimidade de qualquer interpretação que implique em redução do quantitativo de nomeações. A situação pode ser de tal monta que se todos os candidatos forem aproveitados por outro órgão nenhum terá direito de ser nomeado para o que elaborou o concurso. No final do dia, estar-se-á prestando concurso para órgão diverso - o que afronta a própria lógica do certame.

Abre-se um precedente perigoso que pode permitir que concursos sejam utilizados para prover cargos de outros órgãos, sem que os candidatos e a sociedade tenham clareza sobre essa finalidade.

Diante disso, é essencial que qualquer decisão administrativa que envolva o aproveitamento de candidatos seja analisada sob a ótica dos princípios constitucionais que regem o concurso público. A interpretação mais coerente com a jurisprudência do STF é aquela que reconhece que o aproveitamento de um candidato equivale à sua desistência no concurso de origem, o que implica na obrigatoriedade de convocação dos próximos classificados, de modo a serem preenchidas todas as vagas disponibilizadas no edital, relativas ao órgão responsável pelo certame.

Carolina Soares Vahia de Abreu

VIP Carolina Soares Vahia de Abreu

Advogada. Sócia do escritório Galdi, Alonso e Vahia Advogados. Pós-graduada pela Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro.

João Manoel Galdi

João Manoel Galdi

Bacharel em Direito pela UERJ, advogado especializado em Direito Público. Procurador do Estado. Mestrando em Direito Público UERJ.

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