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Pensão alimentícia sob a ótica de perspectiva de gênero

E quando os filhos ficam 90% do tempo na companhia da mãe? Eis que entra o trabalho invisível da mulher.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Atualizado às 13:26

Muito tem me intrigado a fixação da pensão alimentícia baseada de forma simplista no trinômio necessidade x possibilidade x razoabilidade, ou seja, quem ganha mais paga mais e pai e mãe devem contribuir proporcionalmente. Certo! Mas e quando os filhos ficam 90% do tempo na companhia da mãe? Eis que entra o trabalho invisível da mulher. E, graças a Deus e a evolução da espécie nossos Tribunais têm adotado decisões alinhadas com o protocolo de perspectiva de gênero e têm saído boas decisões valorando este trabalho invisível e pouco valorizado.

A Adoção do protocolo de gênero foi incentivada pelo CNJ ano passado, por meio da edição da recomendação 128 e depois se tornou obrigatória pela resolução 492 CNJ. Em recente decisão o Tribunal de Justiça do Paraná em agravo de instrumento 0013506-22.2023.8.16.0000, em 29/9/23, readequou valor de alimentos provisórios com fundamento no "Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero" do CNJ, majorando a quantia, considerando no cálculo da proporcionalidade dos alimentos o trabalho doméstico de cuidado diário e não remunerado da mulher. 

A fixação dos alimentos deve obedecer a uma perspectiva solidária entre pais e filhos, pautada na ética do cuidado e nas noções constitucionais de cooperação, isonomia e justiça social, uma vez que se trata de direito fundamental inerente à satisfação das condições mínimas de vida digna, especialmente para crianças e adolescentes que, em virtude da falta de maturidade física e mental, são seres humanos vulneráveis, que necessitam de especial proteção jurídica. Exegese dos arts. 3º, inc. I, 6º e 229 da CF/88, conjugado com os arts. 1.566 , inc. IV, 1.694 e 1.696 do CC, e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, recomendação 123/22 do CNJ e precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos - Caso de los "Niños de la Calle" (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala (1999).

O arbitramento judicial dos alimentos, devidos pelos pais para a manutenção dos filhos, deve observar a equação necessidades do alimentado, capacidade financeira ou possibilidade econômica dos alimentantes e a proporcionalidade dos recursos de cada genitor. Exegese dos arts. 1.566, inc. IV, 1.694, § 1º, e 1.703 do CC.

Pela concepção finalística (e não institucional) e eudemonista, adotada na CF/88, a família, como refúgio afetivo, é um meio de proteção dos direitos humanos-fundamentais, um instrumento à serviço da promoção da dignidade e do desenvolvimento humano, baseado no respeito mútuo, na igualdade e na autodeterminação individual, devendo assegurar a realização pessoal e a busca da felicidade possível aos seus integrantes. Interpretação do art. 226, § 8º, 1ª parte, da CF/88. As relações familiares, porque marcadas pelo princípio da afetividade e sua manifestação pública (socioafetividade), devem estar estruturadas no dever jurídico do cuidado (que decorre, por exemplo, da liberalidade de gerar ou de adotar filhos) e na ética da responsabilidade (que, diferentemente da ética da convicção, valida comportamentos pelos resultados, não pela mera intenção) e da alteridade (que se estabelece no vínculo entre o "eu" e o "outro", em que aquele é responsável pelo cuidado deste, enquanto forma de superação de egoísmos e narcisismos, causadores de todas as formas de situações de desentendimentos, intolerância, discriminações, riscos e violências, que trazem consequências nocivas principalmente para os seres humanos mais vulneráveis, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, meninas/mulheres e idosos).

Incidência dos arts. 229 da CF/88 e 1634, inc. I, e 1.694 do CC. 

Cada vez mais se faz necessário o olhar atento para as mães, que, na maior parte das vezes, exercem a dupla jornada, o que gera estresse, sobrecarga e em realidade não muito distante desenvolvem doenças autoimunes, depressão, fadiga, fibromialgias, porque, por óbvio, todo excesso esconde uma falta e, definitivamente, não faz bem a ninguém, nem aos filhos. Outro dia escutei minha caçulinha falando para a mãe de uma amiguinha: "minha mae está com dor nas costas. O peso que ela está carregando está muito grande". Isto não é um elogio para mim e sim um sinal de alerta de que a equação precisa mudar, ou com mais grana ou com mais presença.

Ana Carolina Vilela Guimarães Paione

Ana Carolina Vilela Guimarães Paione

Advogada com especialização em direito de família e processo penal, Membro da Comissão de Familia e Sucessões da OAB Santo Amaro, Membro da Comissão de Adoção da OAB Santo Amaro, Professora da ESA.

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