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O home care e os insumos: Obrigatoriedade de cobertura

O plano de saúde tem o dever de custear insumos indispensáveis na internação domiciliar, comentários aos REsp. 2.017.759 - MS (2022/0241660-3).

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Atualizado às 08:45

Introdução

O objetivo do presente trabalho é comentar a decisão da 3ª turma do STJ, no REsp 2.017.759 - MS, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, no qual, a principal controvérsia era decidir sobre a obrigação de a operadora de plano de saúde custear os insumos necessários ao tratamento médico da usuária, na modalidade de home care.

Importante também que o leitor saiba o conceito de home care e seus limites diante do Poder Judiciário.

Home care é internação domiciliar, por isso, deve respeitar alguns requisitos, tais como: a indicação médica; que a internação domiciliar seja substitutiva da internação hospitalar e; que o custo do atendimento domiciliar deve ser limitado ao custo diário em hospital.

De modo que, é abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar, o STJ já formou precedente para esses casos.

Também é o entendimento da 3ª turma do STJ no sentido de que a internação domiciliar, na modalidade home care, deve abranger os insumos, ou seja, aqueles mesmos insumos a que teria direito o paciente, caso estivesse internado em hospital, sob pena de desvirtuar a finalidade do atendimento em domicílio, já que, como dito acima, é essa modalidade substitutiva à permanência em hospital.

A sentença e a decisão do TJ/MS

Apenas para que o leitor entenda o contexto, trata-se de pessoa idosa, acometida de tetraplegia, apresentando grave caso clínico, com dependência de tratamento domiciliar especializado, conforme prescrição feita pelo médico.

A sentença proferida pelo juiz de primeira instância foi julgada parcialmente procedente e condenou a operadora a fornecer: nutrição enteral e bomba de infusão, consultas ou sessões de fisioterapia e fonoterapia motora e respiratória, psicológica e nutricional, conforme prescrição médica.

O plano de saúde recorreu e o Tribunal de Justiça reformou a sentença, decidindo em favor do plano de saúde.

Em síntese, a operadora de planos de saúde alegou o seguinte: "não há previsão na lei que imponha o dever das operadoras de plano de saúde em prestar atendimento domiciliar" e que "o home care é uma liberalidade da operadora para pacientes que efetivamente apresentem necessidade do tratamento em regime de internação domiciliar, porquanto não possui cobertura contratual".

A decisão do Tribunal do Mato Grosso do Sul entendeu que a operadora de planos de saúde não pode negar o custeio da internação domiciliar, na modalidade home care, mas entendeu que os insumos pleiteados na inicial são da esfera particular e não encontram previsão contratual, não havendo amparo contratual ou legal que seja capaz de imputar ao réu (plano de saúde) o dever de fornecer o tratamento integral, tal como pretendido pela parte contrária.

Diante da decisão do Tribunal de Justiça, as partes recorreram ao STJ.

E aqui, uma crítica sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.

Os insumos são uma consequência lógica de quem está internado, seja em regime domiciliar, seja em hospital. Basta pensar que, se a beneficiária estivesse internada em hospital, teria ela direito aos insumos e, segundo ponto: se o atendimento domiciliar é deficiente, levará a paciente a uma internação hospitalar, o que obrigará a operadora ao custeio integral de todos os procedimentos e eventos dela decorrente.

O voto da ministra Nancy Andrighi

Antes de começar a traçar os contornos do voto da E. ministra, quero aqui destacar o brilhantismo de suas decisões, especialmente quando o tema envolve os planos de saúde e suas obrigações legais e contratuais.

As alegações da beneficiária, em síntese são as seguintes: "a internação domiciliar constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto; considerando a condição médica de paraplegia que acometeu a recorrente, evidente a sua impossibilidade de receber alta, devido a dependência de recursos hospitalares e; uma vez instalado o home care, é direito do paciente a cobertura de todas as despesas médicas e hospitalares, nos termos previstos no art. 12 da lei 9.656/98".

Antes de comentar aos argumentos constantes no voto da relatora do referido REsp, cabe ressaltar que, com muita frequência as operadoras de planos de saúde pretendem se intrometer no tratamento proposto pelo médico, tentando se eximir de responsabilidades afirmando que o método sugerido pelo médico não tem base científica ou ainda, que o tratamento proposto não tem previsão no rol de procedimentos da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Contudo é pacífico na jurisprudência o seguinte entendimento: a operadora de planos de saúde pode até limitar as coberturas em seus contratos, mas não podem se intrometer na relação médico-paciente, ou seja, cabe apenas ao médico determinar o tratamento ou o método utilizado para alcançar a cura ou melhora de seus pacientes.

Agora sim, sem mais se estender, vamos destacar os principais argumentos utilizados no voto da eminente ministra Nancy Andrighi para o caso em apreço.

Por primeiro e para demonstrar a obrigatoriedade de cobertura de todas as despesas médicas e hospitalares ao usuário que se encontra em tratamento na modalidade de home care, a ministra fez menção ao parecer técnico 05/GEAS/GGRAS/DIPRO/2021 da ANS, o qual se transcreve abaixo;

"Destaca-se que, na saúde suplementar, os Serviços de Atenção Domiciliar - SAD, na modalidade de internação domiciliar podem ser oferecidos pelas operadoras como alternativa à internação hospitalar. Somente o médico assistente do beneficiário poderá determinar se há ou não indicação de internação domiciliar em substituição à internação hospitalar e a operadora não pode suspender uma internação hospitalar pelo simples pedido de internação domiciliar. Caso a operadora não concorde em oferecer o serviço de internação domiciliar, deverá manter o beneficiário internado até sua alta hospitalar. Ademais, quando a operadora, por sua livre iniciativa ou por previsão contratual, oferecer a Internação Domiciliar como alternativa à Internação Hospitalar, o Serviço de Atenção Domiciliar - SAD deverá obedecer às exigências mínimas previstas na Lei n.º 9.656/1998, para os planos de segmentação hospitalar, em especial o disposto nas alíneas "c", "d", "e" e "g", do inciso II, do artigo 12, da referida Lei".

E, seguiu o voto relembrando a tônica do STJ sobre a abusividade da cláusula contratual que veda a internação domiciliar, senão vejamos;

"Acrescenta-se a isso que, nos termos da jurisprudência desta Corte, "é abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar" (AgInt no AREsp 2.107.542/RJ, Quarta Turma, julgado em 3/10/2022, DJe de 21/10/2022; AgInt no REsp 2.019.084/SP, Terceira Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 26/10/2022; AgInt no REsp 2.007.152/CE, Terceira Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 24/11/2022; AgInt no AREsp 1.725.002/PE, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/04/2021, DJe de 23/04/2021)".

A ministra ainda destacou o seguinte: o grave estado clínico da mulher; a dependência de tratamento domiciliar especializado e; ser ela pessoa idosa, circunstância que, decisão em contrário, tornaria ainda mais fragilizado o seu já crítico estado de saúde.

Ao comentar a decisão do Tribunal Estadual, a relatora do caso ressaltou ainda o seguinte ponto;

"Fê-lo o TJ/MS com base em laudo que atestou que a recorrente se encontra acometida de tetraplegia e que o atendimento domiciliar se seguiu à alta hospitalar, com recomendação, pelo médico assistente, de "extrema atenção e cuidados de equipe multidisciplinar com maior intensidade no atendimento" e prescrição de "cuidados intensivos da equipe de home care" (fl. 542, e-STJ), ressaltando, ademais, a inexistência de "provas de que ocorrerá uma afetação do equilíbrio contratual em prejuízo do plano de saúde (fl. 544, e-STJ)".

Como dito antes, o Tribunal estadual (2ª instância) reconheceu o direito à cobertura do tratamento na modalidade de home care, mas que os insumos deveriam ser custeados pela autora da ação.

Ressalte-se ainda as palavras do médico contidas no laudo que atestou a paraplegia da recorrente: "a paciente necessita de extrema atenção e cuidados de equipe multidisciplinar com maior intensidade no atendimento" e prescrição de "cuidados intensivos da equipe de home care" (fls. 544, e-STJ).

Sobre a obrigatoriedade de fornecimento dos insumos, é o argumento da ministra;

"É dizer, a cobertura de internação domiciliar, em substituição à internação hospitalar, deve abranger os insumos necessários para garantir a efetiva assistência médica ao beneficiário; ou seja, aqueles insumos a que ele faria jus acaso estivesse internado no hospital, sob pena de desvirtuamento da finalidade do atendimento em domicílio, de comprometimento de seus benefícios, e da sua subutilização enquanto tratamento de saúde substitutivo à permanência em hospital".

"Por sinal, o atendimento domiciliar deficiente, nessas hipóteses, levará, ao fim e ao cabo, a novas internações hospitalares, as quais obrigarão a operadora, inevitavelmente, ao custeio integral de todos os procedimentos e eventos delas decorrentes".

E é nessa perspectiva que a ministra Nancy Andrighi acatou os argumentos da beneficiária do plano de saúde e, a contrário sensu do entendimento do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, condenou a operadora de planos de saúde ao custeio integral dos insumos indispensáveis ao tratamento de saúde da paciente, vamos ver o dispositivo da decisão;

"Forte nessas razões, conheço do recurso especial e dou -lhe provimento para condenar a recorrida ao custeio dos insumos indispensáveis ao tratamento de saúde da recorrente, na modalidade de home care, conforme a prescrição feita pelo médico assistente, limitado ao custo diário em hospital".

Conclusão

Apesar dos esforços da operadora de planos de saúde para não custear a internação domiciliar - home care - ou até mesmo os insumos utilizados no tratamento, o trabalho demonstrou que, presentes alguns requisitos citados alhures, mormente: a determinação do médico; que a internação domiciliar seja substitutiva da internação hospitalar e; que o custo do home care deve ser limitado ao custo de uma internação hospitalar, o Poder Judiciário tem entendimento favorável ao consumidor.

E, mesmo o Tribunal Estadual entendendo de modo diverso, o STJ tem elementos robustos para decidir em favor da paciente que, em estado clínico grave e idosa, teria um agravo em sua situação caso fosse decidido de maneira diversa.

E ainda que, a própria agência reguladora (ANS) na condição de autarquia Federal, responsável por editar normas e fiscalizar o mercado de planos de saúde, tem parecer favorável aos beneficiários no que diz respeito aos serviços de atenção domiciliar.

O presente trabalho teve a finalidade de comentar e trazer os contornos da decisão proferida no REsp 2.017.759 - MS (2022/0241660-3), julgado pela 3ª turma do STJ sob relatoria da eminente ministra Nancy Andrighi.

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Resp n. 2.017.759 - MS

Leandro Moreira Xavier

VIP Leandro Moreira Xavier

Advogado, pós Graduando em Direito dos Contratos pela FGV LAW. Atua nas áreas de Direito Civil e Empresarial, Contratos Empresariais e da Distribuição, Direito da Saúde. Cel (11) 99853-9981.

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