Desburocratizar sem diálogo: Avanço técnico, retrocesso democrático?
Reflexão sobre a ausência da advocacia na elaboração do novo Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro de MG e a defesa de seu papel essencial na justiça extrajudicial.
sexta-feira, 11 de abril de 2025
Atualizado às 13:37
A entrada em vigor do novo Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro de Minas Gerais, por meio do provimento conjunto 142, publicado em 28/1/25, representa, sem dúvida, um avanço importante para a modernização dos mecanismos extrajudiciais no âmbito do Estado de Minas Gerais. Com foco na desburocratização, celeridade e segurança jurídica, o novo texto consolida mudanças significativas que impactam diretamente a vida dos cidadãos - e, naturalmente, o cotidiano da advocacia.
Entre as alterações promovidas, merece destaque a possibilidade de lavratura de inventário mesmo na presença de herdeiros menores ou incapazes, desde que atendidos os critérios legais. A inovação representa uma alternativa viável para a resolução extrajudicial de conflitos sucessórios, reduzindo a judicialização e promovendo soluções mais rápidas e eficazes. Também relevante é a adjudicação compulsória diretamente no cartório, que confere agilidade e efetividade a situações que, até então, dependiam exclusivamente da via judicial para a regularização da propriedade.
Outras medidas, como a possibilidade de escolha de regime de bens diferente da separação obrigatória para maiores de 70 anos, a conversão da união estável em casamento diretamente no cartório, a flexibilização da retificação de área de imóveis e a dispensa da apresentação de certidão negativa de débitos da Receita Federal em determinadas hipóteses, ilustram avanços relevantes e alinhados à realidade prática da advocacia extrajudicial.
É preciso reconhecer, com clareza, que a desburocratização é um caminho necessário e urgente não apenas para melhorar o acesso aos serviços públicos, mas também para aliviar o congestionamento do Poder Judiciário, cuja morosidade é uma queixa recorrente da sociedade.
A título de exemplo, conforme dados atualizados pelo portal Justiça em Números do CNJ até 28/2/25, o tempo médio entre o início do processo e o primeiro julgamento nos tribunais estaduais, em ações de conhecimento na esfera cível (excluindo-se matéria criminal), é de 632 dias - o equivalente a 1 ano e 8 meses. No caso específico do TJ/MG, esse tempo sobe para 771 dias, ou 2 anos e 1 mês. São prazos que, embora decorram de múltiplos fatores, reforçam a necessidade de alternativas extrajudiciais mais acessíveis, eficientes e seguras.
Nesse contexto, os avanços promovidos pelo novo Código merecem ser reconhecidos. O que se questiona, no entanto, não é o mérito da norma, mas a forma como ela foi construída: sem a participação institucional da advocacia mineira, representada pela OAB/MG.
A CF/88, em seu art. 133, afirma que "o advogado é indispensável à administração da justiça". E essa justiça, cada vez mais, não se limita aos tribunais. Com a valorização dos meios extrajudiciais de solução de conflitos, a presença da advocacia em cartórios se tornou fundamental. São os advogados e advogadas que acompanham as famílias em inventários, que formalizam negócios jurídicos, que contribuem para assegurar a legalidade de escrituras, registros e contratos. Ignorar esse papel no processo normativo é um equívoco muito além de institucional, é uma afronta à validade do art. 133 da CF/88.
Não se trata de busca por protagonismo corporativo, mas de coerência democrática. A participação da advocacia mineira poderia ter enriquecido ainda mais o novo Código, trazendo contribuições técnicas e vivências práticas que só quem está na ponta do atendimento ao cidadão consegue oferecer. Normas mais justas, aplicáveis e sensíveis às realidades locais certamente seriam alcançadas com esse diálogo aberto.
Ao se criar um novo Código de Normas sem ouvir a advocacia que atua diariamente nessas frentes, corre-se o risco de elaborar diretrizes desconectadas da realidade prática, ignorando obstáculos enfrentados na ponta e, por consequência, enfraquecendo a efetividade das próprias medidas de modernização propostas.
Ignorar a experiência prática da advocacia que, por sua vez, vivencia cotidianamente os gargalos, as dificuldades e os pontos de conflito entre a lei, a norma e a realidade social é perder valiosa oportunidade de ouvir quem conhece a ponta do sistema.
A OAB/MG, enquanto entidade representativa de uma das funções essenciais à administração da justiça, deveria ter ocupado assento nesse processo, ao lado de magistrados, delegatários e servidores do Tribunal de Justiça mineiro. Sua ausência institucional contrasta com o espírito de diálogo republicano que deve pautar todas as construções normativas que afetam diretamente a sociedade e os profissionais do Direito.
É preciso reconhecer que essa omissão pode e deve ser corrigida. O momento é propício para que a OAB/MG, por meio de suas comissões especializadas, promova um debate aberto sobre os impactos do novo Código e proponha ajustes técnicos, complementações e aprimoramentos visando aproximar a norma da realidade cotidiana experimentada pela advocacia e pela sociedade.
Mais do que apontar uma falha, o papel da advocacia é contribuir - como sempre fez - para o fortalecimento das instituições e para a promoção da justiça em sua forma mais ampla. Que o diálogo se restabeleça, e que a indispensabilidade da advocacia não seja lembrada apenas nos discursos solenes, mas também nos espaços onde as regras do jogo são escritas.


