Do rompimento da legítima expectativa na fase pré-contratual
A configuração da responsabilidade civil pré-contratual e o dever de indenizar pelo rompimento da legítima expectativa.
terça-feira, 22 de abril de 2025
Atualizado em 23 de abril de 2025 08:53
A pactuação de um contrato se encadeia como um processo, o qual é dividido em três fases: (i) fase pré-contratual; (ii) fase de execução do contrato e; (iii) fase pós-contratual. No presente artigo, o objetivo central é analisar as etapas da fase pré-contratual, a fim de compreender se, neste momento de formação do contrato, existe a construção de um vínculo obrigacional e se tal liame é requisito para configuração do dever de indenizar, na hipótese de rompimento das negociações.
O objetivo da separação do processo de formação do contrato é proporcionar uma pactuação coesa, baseada na conduta ética, de modo a respeitar a vontade das partes, a autonomia e boa-fé. Na primeira fase, cuja nomenclatura deixa evidente que se trata de um momento prévio à formalização do contrato, as partes interessadas em firmar o negócio jurídico iniciam as negociações preliminares.
Como assevera o doutrinador Pablo Stolze, a fase de puntuação (negociações preliminares), se trata de um momento prévio, no qual as partes discutem sobre as possibilidades vinculadas ao negócio jurídico, tratando das obrigações e direitos que serão inseridos no documento, bem como das demais minúcias exigidas na elaboração de um contrato.1
Os respectivos atos preparatórios, portanto, antecedem o contrato definitivo, sendo a ocasião ideal para se discorrer detalhadamente sobre o objeto, os seus interesses, os benefícios envolvidos, assim como quais serão os limites intransponíveis na negociação, os quais poderão interferir diretamente na formalização futura do instrumento.
Superada a fase de negociações preliminares, as partes adentram na proposta que consiste na realização de oferta. Compreende-se por oferta a manifestação de vontade de uma parte que tem por objetivo conquistar a aceitação, para o fim de ser formalizado o negócio por meio de um contrato. A oferta possui caráter vinculativo, isto é, por se tratar de declaração de vontade, o ofertante está, salvo ressalva, atrelado à proposta até que haja a aceitação, retratação ou recusa2, nos termos do art. 427 e 428, I, II, III e IV, do Código Civil3.
Cumpre ressaltar que existe a possibilidade de uma das partes formalizar oferta para pessoa determinada presente ou ausente, sendo que este último enseja peculiaridades que precisam ser analisadas. Enquanto o indivíduo presente pode manifestar sua vontade imediatamente, o ausente não pode ser contatado com tanta facilidade e/ou celeridade, o que impede uma resposta imediata.
Diante do cenário tecnológico, denota-se que a oferta a uma pessoa ausente se tornou habitual. O doutrinador Paulo Lôbo traz que "o direito brasileiro optou pelo sistema da expedição, a partir da qual se vincula o ofertante, independentemente de o destinatário ter recebido a oferta, ou de ter sido informado dela. (...)". Outrossim, complementa que "O destinatário tem de estar a par do que lhe chega; o ofertante tem o dever de fazer tudo para que o destinatário possa conhecer a oferta, que são situações distintas."4
Ainda, no que diz respeito à oferta feita para pessoas ausentes, é importante salientar que o art. 428, II e III, do Código Civil dispõe expressamente acerca das hipóteses em que a proposta deixa de ser obrigatória em face do proponente. Se a proposta não possuir prazo de resposta, a obrigatoriedade será afastada após o decurso de tempo suficiente para que tenha sido dada resposta pela outra parte. Em contrapartida, caso a proposta tenha prazo determinado, o vínculo da oferta rompe-se com a finalização do prazo concedido pelo proponente.
No que concerne ao prosseguimento da fase pré-contratual, na hipótese de recusa, as partes podem retornar para fase de puntuação, discutindo novos termos da proposta para que seja possível a reavaliação pela outra parte, visando a aceitação para, posteriormente, ser redigido o contrato. Todavia, existe a possibilidade de haver a recusa imediata, sem o retorno das tratativas, ocasião em que será extinta a fase pré-contratual, sendo o ofertante desvinculado da proposta.
Se houver, todavia, a imediata aceitação da pessoa presente, as partes poderão avançar para elaboração do contrato com os termos previamente estabelecidos nas negociações preliminares. A premissa da aceitação para pessoas ausentes baseia-se na teoria da expedição mitigada, sendo consagrada a lógica no art. 434 do Código Civil, cuja disposição evidencia que os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos mediante a aceitação expedida.5
Diante da análise do funcionamento da fase pré-contratual, surge o questionamento acerca da possibilidade de configuração da responsabilidade civil e, sendo factível, em quais hipóteses poderia haver a imputação do dever de indenizar.
Conforme assegura o doutrinador Orlando Gomes, as negociações preliminares não se confundem com as negociações contratuais, uma vez que, em regra, as primeiras não possuem força vinculante, pois o objetivo das partes resume-se na apuração de viabilidade de pactuação do negócio jurídico. No entanto, o cenário torna-se distinto quando as negociações preliminares adquirem relevância ao ponto de gerar uma expectativa na outra parte, logo, um rompimento inesperado pode ensejar o dever de reparação pelos danos sofridos.6
Denota-se que, excepcionalmente, as negociações preliminares criam um vínculo obrigacional, portanto, o que se espera dos envolvidos é um comportamento dotado de boa-fé (art. 422 do Código Civil). Entretanto, se houver a demonstração de inobservância de tal preceito, ao ponto de provocar a frustração na parte contrária, o lesante deve ser compelido a indenizar o lesado pelos prejuízos sofridos.
Ressalta-se que tal entendimento advém da teoria in contrahendo, a qual busca garantir à parte lesada pelo rompimento da expectativa de contratar, sem motivação aparente, a devida reparação pelo descumprimento dos preceitos de boa-fé e lealdade exigidos na formação do contrato.7
A inexistência de vínculo obrigacional nas negociações preliminares, por si só, não é capaz de impedir a configuração do dever de indenizar por perdas e danos, pois são institutos independentes. A obrigação de reparar os prejuízos causados está embasada na responsabilidade civil extracontratual, a qual não exige um vínculo jurídico preexistente, bastando apenas o preenchimento dos pressupostos de ato ilícito (ação/omissão); dano; culpa e nexo de causalidade, para que seja configurado o dever de reparação, nos termos do art. 186 e 927, caput, do Código Civil8.
A simples desistência de uma parte durante as negociações preliminares não acarreta no direito de recebimento de indenização. Isto porque, como já explicitado anteriormente, a fase pré-contratual é o momento adequado para as partes debaterem sobre os seus interesses e possíveis termos para pactuação do negócio jurídico, todavia, sem gerar qualquer obrigação preestabelecida.
Em situações excepcionais, a fase de negociações preliminares extrapola a mera análise de viabilidade do negócio, eis que avança ao ponto de gerar convicções relevantes, diante do comportamento adotado por uma das partes. Ademais, nestas hipóteses não se trata de uma frustração simplista, que não enseja consequências, mas sim de um prejuízo devidamente demonstrado.
Cumpre ressaltar, entretanto, que as negociações preliminares diferem da proposta e aceitação, principalmente no que diz respeito às consequências, eis que estas últimas se tratam de declarações de vontade, isto é, são compostas por uma natureza vinculativa.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.051.065/AM9, reforça o entendimento acerca do dever de reparação dos danos provocados pelo rompimento da expectativa gerada na fase de pré-contratual.
Com isso, surgem questionamentos a respeito da identificação da legítima expectativa. A partir de qual momento a expectativa é definitivamente gerada e como identificar se a convicção não se trata de uma interpretação equivocada da parte supostamente lesada.
Na fase pré-contratual aplicam-se as disposições da responsabilidade civil extracontratual, a qual exige o preenchimento de determinados pressupostos para sua configuração.
Neste processo deve ser apurada, inicialmente, a existência ou não de ato ilícito (ação/omissão). Nas tratativas, além de adotar a boa-fé objetiva, deve ser aferido se a parte buscou estabelecer limites bem definidos, se assegurou que naquele momento prévio, as discussões deveriam se ater unicamente a viabilidade de pactuação do negócio e não a formação propriamente dita do contrato. Ademais, se o comportamento assumido pela parte estava em consonância com a veracidade, lealdade e os bons costumes (art. 18710 do Código Civil).
A expectativa necessita ser justa, no sentido de ter sido reforçada pelo comportamento categórico da parte.
Na hipótese de a parte contrária aferir que não foram atendidos os requisitos supramencionados, sendo possível configurar a existência de ato ilícito, torna-se plausível avançar para as fases posteriores, quais sejam, análise de culpa, dano e nexo de causalidade.
Neste ponto, deve ser apurado se o rompimento das expectativas de fato provocou prejuízo à outra parte.
O dano deve ser tangível, no sentido de não existir apenas no âmago subjetivo da parte supostamente lesada, isto é, o dano deve ser certo, determinado e não meramente presumido. De igual modo, deve ser verificado qual a espécie de dano que foi provocado, bem como quais foram as consequências provocadas por este evento danoso.
A jurisprudência11 reconhece que a quebra do padrão de conduta baseada na boa-fé objetiva, mediante a ocorrência de dano, configura o dever de indenizar, principalmente se já houver sido despendido valores para concretizar o negócio jurídico. O objetivo principal é afastar a ideia de que, por se tratar de fase pré-contratual, cujo vínculo obrigacional ainda não está adequadamente formado, os envolvidos podem adotar qualquer comportamento sem observar os deveres que antecedem a formalização do contrato.
No terceiro momento, se adentra na parte do nexo causal, o qual exige uma conexão entre o ato ilícito e o dano. Ou seja, o dano somente existe em razão da ação ou omissão da parte, eis que se não houvesse o ato ilícito, não haveria como resultado o evento danoso.
No caso, é necessária uma prévia reflexão: (i) se a parte tivesse agido com boa-fé, lealdade e em observância aos bons costumes, teria sido gerada uma expectativa de formalização do contrato? (ii) se não houvesse o rompimento ilegítimo das tratativas, o dano teria se concretizado?
Assim, configurado o nexo de causalidade, se concentra, por fim, no pressuposto da culpa.
Da reflexão anterior extrai-se, igualmente, a configuração da culpa pela inobservância dos princípios da boa-fé objetiva e lealdade. Isto porque, uma das partes, de forma voluntária, escolheu conduzir as tratativas com a falta de cuidado e cautela, ainda que fosse possível prever o resultado de evento danoso em razão da convicção de formação do contrato gerada à outra parte.12
Diante disso, conclui-se que a responsabilidade pré-contratual surge não do fato das negociações terem sido dissolvidas, mas pela conduta previamente assumida por uma das partes (contrária à boa-fé objetiva). Em razão de terem sido alimentadas expectativas legítimas, o desfazimento inesperado das tratativas pode ocasionar prejuízos à outra parte, cabendo a esta comprovar o preenchimento dos pressupostos de responsabilidade civil extracontratual para reparação de danos.
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1 GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga P. Novo Curso de Direito Civil - Vol.4 - Contratos - 8ª Edição 2025. 8. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2025. E-book. p. 73. Capa. ISBN 9788553627424. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553627424/. Acesso em: 21 mar. 2025.
2 LÔBO, Paulo. Direito Civil - Contratos - Vol.3 - 11ª Edição 2025. 11. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2024. E-book. p. 56 Capa. ISBN 9788553624850. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553624850/. Acesso em: 21 mar. 2025.
3 Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.
4Idem.
5 LÔBO, Paulo. Direito Civil - Contratos - Vol.3 - 11ª Edição 2025. 11. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2024. E-book. p. 59 Capa. ISBN 9788553624850. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553624850/. Acesso em: 21 mar. 2025.
6 GOMES, Orlando. Contratos - 28ª Edição 2022. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p.92-93, ISBN 9786559645640. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559645640/. Acesso em: 21 mar. 2025.
7 Idem, 2022, p. 93
8 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (Vide ADI nº 7055) (Vide ADI nº 6792)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. (Vide ADI nº 7055) (Vide ADI nº 6792).
9 STJ. 3ª Turma. Recurso Especial n. 1.051.065/AM, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 21/02/2013, DJe 27/02/2013.
10 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
11 TJSP; Apelação Cível 1007802-38.2019.8.26.0011; Relator (a): Morais Pucci; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/03/2022; Data de Registro: 03/03/2022; TJSP; Apelação Cível 0001327-71.2014.8.26.0201; Relator (a): Gilson Delgado Miranda; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de Garça - 1ª Vara; Data do Julgamento: 30/03/2017; Data de Registro: 30/03/2017.
12 FILHO, Sergio C. Programa de Responsabilidade Civil - 16ª Edição 2023. 16. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2023. E-book. p.Capa. ISBN 9786559775217, p. 48. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559775217/. Acesso em: 21 mar. 2025.
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GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga P. Novo Curso de Direito Civil - Vol.4 - Contratos - 8ª Edição 2025. 8. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2025. E-book. p. Capa. ISBN 9788553627424. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553627424/. Acesso em: 21 mar. 2025.
LÔBO, Paulo. Direito Civil - Contratos - Vol.3 - 11ª Edição 2025. 11. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2024. E-book. p. Capa. ISBN 9788553624850. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553624850/. Acesso em: 21 mar. 2025.
GOMES, Orlando. Contratos - 28ª Edição 2022. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. E-book. p.1. ISBN 9786559645640. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559645640/. Acesso em: 21 mar. 2025.
FILHO, Sergio C. Programa de Responsabilidade Civil - 16ª Edição 2023. 16. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2023. E-book. p.Capa. ISBN 9786559775217. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559775217/. Acesso em: 21 mar. 2025.


