Decisões do STF contribuem para avanço da informalidade e "pejotização"
A recente decisão do STF, que suspendeu todos os processos trabalhistas ligados à pejotização até que uma tese nacional seja fixada.
quinta-feira, 24 de abril de 2025
Atualizado às 13:54
A recente decisão do STF, que suspendeu todos os processos trabalhistas ligados à pejotização até que uma tese nacional seja fixada, marca um ponto de virada nas relações de trabalho no Brasil. O julgamento deve enfrentar três questões centrais: se a pejotização pode ser considerada uma forma válida de terceirização; se a Justiça do Trabalho é competente para julgar esses casos; e quem deve arcar com o ônus da prova - o trabalhador ou a empresa.
A decisão pode trazer segurança jurídica para empresas, mas também escancara a necessidade de uma regulação mais clara. A prática da pejotização - contratação de pessoas como pessoa jurídica em vez de via CLT - vem crescendo nos últimos anos. Em alguns setores, como tecnologia e comunicação, já se tornou o modelo predominante. O problema é que muitos contratos mascaram vínculos empregatícios, transferindo riscos ao trabalhador e enfraquecendo o financiamento da seguridade social.
Nos Estados Unidos, um modelo semelhante já é realidade. Profissionais atuam como autônomos - os chamados "trabalhadores 1099", em referência ao formulário fiscal entregue ao IRS - Internal Revenue Service, equivalente à Receita Federal, para declarar rendimentos recebidos sem vínculo formal. Diferente dos trabalhadores contratados sob o regime W-2, com carteira assinada e cobertura legal, os trabalhadores 1099 não têm vínculo empregatício e assumem integralmente seus tributos e responsabilidades. Isso permite flexibilidade, mas também gera insegurança: eles não têm direito a férias, seguro-desemprego ou aposentadoria custeada pelo empregador. Além disso, precisam contratar por conta própria seguros contra acidentes e arcar com 100% das contribuições previdenciárias. E embora o sistema seja mais liberal, há movimentos - tanto judiciais quanto legislativos - para coibir abusos e garantir proteções mínimas.
No Brasil, o risco é semelhante. O trabalhador pejotizado perde uma série de garantias: décimo terceiro salário, férias remuneradas, FGTS, licença-maternidade, seguro-desemprego e estabilidade em casos como acidente ou gravidez. Além disso, com a pejotização, a contribuição ao INSS costuma ser menor ou inexistente, gerando impacto direto nas contas públicas e criando uma geração de futuros aposentados desprotegidos.
A CLT, criada em 1943, é amplamente reconhecida por seu papel histórico na construção de um sistema robusto de proteção ao trabalho digno no Brasil e na América Latina. No entanto, a tentativa de flexibilizar esse sistema por vias indiretas - como a normalização da pejotização - põe em risco conquistas que foram arduamente obtidas ao longo de décadas, deixando uma nova geração de trabalhadores exposta aos desamparos do passado.
É legítimo buscar novas formas de contratação que atendam a um mercado mais dinâmico. Mas é fundamental que o país defina limites claros para evitar abusos. O STF, neste julgamento, não poderá criar leis - mas sua decisão terá repercussão geral e balizará a atuação dos tribunais. A expectativa é que se reconheça a pejotização legítima, mas se imponham critérios para evitar fraudes. O que não podemos permitir é a completa desresponsabilização das empresas e a transformação do Brasil em uma terra sem direitos trabalhistas nem proteção social.
Mais do que uma discussão jurídica, trata-se de uma decisão que impactará diretamente o futuro do trabalho, da Previdência Social e da dignidade profissional e financeira dos brasileiros. Em um país com alta informalidade, baixa educação financeira e pouca cultura de poupança, o risco é a formação de uma geração que chegará à velhice sem aposentadoria adequada e sem reservas mínimas para garantir qualidade de vida. O enfraquecimento das contribuições previdenciárias afeta também as contas públicas, que poderão ser sobrecarregadas no futuro por uma população idosa desprotegida. Ignorar esse alerta agora pode custar caro amanhã - para o Estado e para toda a sociedade.


