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A inconstitucionalidade da lei 15.109/25

A lei 15.109/25 dispensa advogados do adiantamento de custas, mas viola a isonomia tributária, o pacto federativo e tem vício de iniciativa, sendo potencialmente inconstitucional.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Atualizado às 09:45

Introdução

A lei 15.109, de 25/3/25 acrescentou no §3º no art. 82 do CPC regra que prevê a dispensa os advogados do recolhimento antecipado das custas processuais nas ações de cobrança e execução de honorários advocatícios.

Muito embora a norma possa representar um avanço na garantia do acesso à justiça para a categoria profissional, sua constitucionalidade é amplamente questionável. Por tal razão, o presente estudo se propõe a examinar os eventuais vícios formais e materiais da novel legislação, analisando sua compatibilidade com princípios fundamentais do Direito Constitucional e Tributário.

A discussão abrange a possível caracterização da norma como uma espécie de isenção tributária ou uma suspensão de exigibilidade, ambas exigindo requisitos específicos para sua validade constitucional.

Além disso, a presente análise destaca o vício de iniciativa na tramitação da lei, dado que, segundo a jurisprudência do STF no julgamento da ADIn 3.629/AP, a competência para legislar sobre custas judiciais é reservada aos órgãos superiores do Poder Judiciário.

Outro ponto crucial abordado está na violação ao princípio da isonomia tributária, prevista no inciso II do art. 150 da CF/88, visto que a norma concede um privilégio fiscal exclusivo aos advogados sem uma justificativa adequada.

Além disso, a lei 15.109/25 enfrenta questionamentos quanto à sua conformidade com o pacto federativo, uma vez que interfere na competência tributária dos Estados ao estabelecer uma isenção que impacta nas receitas estaduais sem a devida autorização legislativa dos entes federativos competentes.

Por fim, o texto examina as implicações dessa norma para o princípio da inafastabilidade da jurisdição e sua possível compatibilidade com o controle difuso de constitucionalidade.

Diante dessas questões, presente estudo busca demonstrar os riscos da aplicação da norma no sistema jurídico brasileiro, considerando precedentes relevantes do STF que reforçam a tese de inconstitucionalidade da lei 15.109/25 e seus impactos no equilíbrio federativo e no princípio da isonomia tributária.

Do vício de iniciativa

Malgrado a lei 15.109, de 25/3/25 contemple regra que dispensa o advogado do adiantamento das custas processuais nas ações de cobrança e em execuções de honorários advocatícios, o novo fundamento revela-se inviável pelas seguintes razões.

Se o referido dispositivo for interpretado como uma isenção tributária, a ele não se aplicaria às custas judiciais instituídas pelos Estados, mas apenas pela União, à luz do art. 151, inciso III da CF/88.

Por sua vez, se o dispositivo for interpretado como causa de suspensão de exigibilidade tributária, a norma está maculada por vício de inconstitucionalidade formal1, porquanto depende de previsão em lei complementar, à luz do art. 146, inciso III, da CF/88.

Entretanto, o que se observa é que a norma contém vício de iniciativa, visto que uma lei concessiva de isenção de taxa judiciária deve ser de iniciativa restrita aos órgãos superiores do Poder Judiciário, conforme já decidiu o STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.629:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 933/2005, do Estado do Amapá, de origem parlamentar. Concessão de isenção de taxa judiciária para pessoas com renda de até dez salários-mínimos. 3. Após a EC 45/2004, a iniciativa de lei sobre custas judiciais foi reservada para os órgãos superiores do Poder Judiciário. Precedentes. 4. Norma que reduz substancialmente a arrecadação da taxa judiciária atenta contra a autonomia e a independência do Poder Judiciário, asseguradas pela Constituição Federal, ante sua vinculação ao custeio da função judicante. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF, ADIn 3.629/AP. Rel. Min. Gilmar Mendes. Dj. 02.03.2020 - Grifo nosso).

No mesmo sentido foi o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.859/RS no ano de 2023:

Direito constitucional e financeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Leis estaduais que tratam de cancelamento de saldo financeiro, recomposição de conta de depósitos judiciais e isenção de custas processuais. 1. Ação direta contra os arts. 2º a 5º e 10 da Lei nº 15.232/2018 e contra a Lei nº 15.476/2020, ambas do Estado do Rio Grande do Sul, por violação à autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário e por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre a matéria. 2. O primeiro diploma legal (i) determina o cancelamento e a compensação com recursos orçamentários de saldo financeiro mantido em conta vinculada ao Poder Judiciário estadual (arts. 2º e 3º), como forma de regular os reflexos da declaração de inconstitucionalidade da Lei estadual nº 11.667/2001 (ADI 2.909, Rel. Min. Ayres Britto); (ii) regula a recomposição do saldo dos depósitos judiciais (arts. 4º e 5º) utilizados pelo Poder Executivo com fundamento na Lei estadual nº 12.069/2004 (e alterações posteriores), também declarada inconstitucional (ADIs 5.456 e 5.080, Rel. Min. Luiz Fux); e (iii) concede isenção de custas processuais a advogados na execução de seus honorários (art. 10). Já a Lei nº 15.476/2020 suspende o dever de recomposição dos depósitos judiciais durante a vigência do estado de calamidade pública decorrente da crise ocasionada pela pandemia da Covid-19. 3. Não conhecimento da ação quanto aos arts. 2º e 3º da Lei nº 15.232/2018 e quanto à Lei nº 15.476/2020. A concretização do ato de cancelamento de saldos financeiros, o encerramento do cronograma de compensação dos recursos e o fim do estado de calamidade pública evidenciam que os dispositivos de lei em questão já tiveram seus efeitos exauridos. Perda parcial do objeto da ação direta. Precedentes. 4. Inexistência de violação à autonomia do Poder Judiciário. Ainda que fosse viável conhecer da impugnação aos arts. 2º e 3º da Lei nº 15.232/2018, caberia concluir que a medida questionada não se imiscui na autonomia administrativa do Poder Judiciário, nem compromete a sua autonomia financeira. O rearranjo financeiro-contábil não impactou a capacidade do Judiciário de organizar a sua estrutura e o seu funcionamento e não o impediu de honrar suas despesas, tendo em vista que os valores foram integralmente recompostos. 5. Além disso, o cancelamento do saldo financeiro não decorreu de ato unilateral do Poder Executivo, mas foi consequência da declaração de inconstitucionalidade, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, da previsão legal de apropriação dos rendimentos obtidos com depósitos judiciais pelo Tribunal de Justiça. 6. Competência dos Estados em matéria de direito financeiro (art. 24, I e § 2º, da CF). Ao contrário das leis impugnadas nas ADIs 5.455 (Rel. Min. Luiz Fux), 5.353 (Rel. Min. Alexandre de Moraes), 5.409 (Rel. Min. Edson Fachin), 5.392 (Relª. Minª. Rosa Weber) e em diversos outros precedentes desta Corte, a Lei nº 15.232/2018 não institui modelo de gestão de depósitos judiciais, mas regula os efeitos concretos da declaração de inconstitucionalidade de modelos criados por leis anteriores. 7. Dessa forma, seu conteúdo não versa sobre matéria de direito civil ou processual civil, não trata de sistema financeiro nacional, nem dispõe norma geral de direito financeiro. Trata-se, em vez disso, de normas específicas para regulação das finanças estaduais, exigidas pelo tratamento inconstitucional que se deu aos depósitos judiciais ao longo de quase vinte anos. 8. É de se ressaltar, contudo, que o dever do Estado do Rio Grande do Sul de assegurar a solvabilidade do sistema de depósitos judiciais independe da Lei nº 15.232/2018, já que decorre da sua posição de depositário desses valores. Tal obrigação não foi excluída pela modulação de efeitos realizada no julgamento das ADIs 5.456 e 5.080. De modo que cabe ao Estado, de toda forma, garantir que a restituição dos valores aos seus depositantes aconteça sempre que houver ordem judicial de pagamento, independentemente do saldo existente no fundo de reserva. 9. Vício de iniciativa e violação à igualdade tributária. Esta Corte decidiu que, após a Emenda Constitucional nº 45/2004, a concessão de isenção de taxa judiciária é matéria de iniciativa reservada aos órgãos superiores do Poder Judiciário (ADI 3.629, Rel. Min. Gilmar Mendes). 10. Sobre o tema, este Tribunal também já decidiu que viola a igualdade tributária lei que concede isenção de custas judiciais a membros de determinada categoria profissional pelo simples fato de a integrarem (ADI 3.260, Rel. Min. Eros Grau). 11. Ação conhecida parcialmente e, nessa parte, pedidos julgados parcialmente procedentes, para declarar a inconstitucionalidade do art. 10 da Lei nº 15.232/2018. Tese de julgamento: "1. Não viola a competência privativa da União lei estadual que dispõe sobre a recomposição de saldo de conta de depósitos judiciais. 2. É inconstitucional norma estadual de origem parlamentar que concede isenção a advogados para execução de honorários, por vício de iniciativa e afronta à igualdade". (STF, ADIn 6.859/RS. Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Dj. 22/02/2023 - Grifo nosso).

É cediço que as custas judiciais têm natureza de tributo, mais precisamente de taxa de serviço, nos termos do art. 145, inciso II, da CF/88, conforme orientação jurisprudencial consolidada (nesse sentido, cf. STF, ADIn 3.694; STF, ADIn 2.653; STJ, REsp 1.893.966/SP).

Por tal razão, à luz do princípio da legalidade, previsto no art. 150, inciso I, da Carta Magna, c/c o art. 97 do CTN, a instituição da exigência de custas judiciais depende de previsão em lei a ser editada pelo ente federado tributante.

Com efeito, ao dispensar os advogados do recolhimento adiantado das custas processuais nas ações de cobrança ou execução de honorários advocatícios, a lei processual positivou algo que se assemelha a uma isenção tributária, isto é, uma dispensa legal de pagamento de tributo, na modalidade de exclusão tributária, nos termos do art. 175, inciso I, do CTN.

Da violação ao princípio da isonomia tributária

O princípio da igualdade constitui a base do Estado Democrático de Direito, bem como se traduz em desdobramento do princípio republicano, que prima pelo interesse da maioria, com a garantia da isonomia, livre de qualquer tipo de discriminação, bem como se exprime na proibição de medidas arbitrárias.

Em matéria tributária, o entendimento de que "todos são iguais perante a lei" revela que não se pode dispensar tratamento fiscal desigual a indivíduos que se achem nas mesmas condições. Com isso há uma movimentação e objetivo de se evitar o abuso do poder de tributar e os privilégios daqueles que estão com maior riqueza.2

No Direito Tributário, o princípio da isonomia possui natureza estrutural e formal, de maneira a respeitar a capacidade contributiva e assim obter-se a justiça fiscal. Nesse sentido é a lição de Ives Gandra Martins e Aires Fernandino Barreto:

O princípio da isonomia é maculado sempre que dois empreendimentos idênticos passam a ter incidências tributárias distintas, mas se compõe na força maior de conjunção dos dois primeiros princípios, pois nem a capacidade contributiva do mais onerado é atingida pelo encargo acrescido, por pressupor maior potencialidade de suporte, nem a redistribuição de riquezas deixa de se fazer, pela incidência menor, a justificar a procura do desenvolvimento pretendido.3

A CF/88, buscando satisfazer o anseio de promover a justiça social, postulado dos ideais republicanos, determina a aplicação do princípio da isonomia, bem como o respeito à capacidade contributiva dos contribuintes.

Dessa forma, o princípio da isonomia tributária, previsto no art. 150, inciso II, da CF/88 se traduz em manifestação específica do princípio geral da igualdade (art. 5º, caput) no campo tributário, o qual veda tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

Por sua vez, o §3º do art. 82 do CPC concede tratamento tributário privilegiado a uma categoria profissional específica, qual seja, os advogados dispensando-os do adiantamento de custas processuais quando atuarem em causa própria na cobrança ou execução de honorários, enquanto outros profissionais liberais, em situação equivalente, continuam obrigados ao recolhimento antecipado de tais valores.

Tem-se, assim, que o texto constitucional é cristalino ao proibir qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função exercida pelo contribuinte. A despeito do referido comando constitucional, a lei 15.109/25 estabelece tratamento diferenciado especificamente em razão da ocupação profissional de advogado, o que configura flagrante violação à norma constitucional, conforme já decidiu o STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.260:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 271 DA LEI ORGÂNICA E ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE --- LEI COMPLEMENTAR N. 141/96. ISENÇÃO CONCEDIDA AOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, INCLUSIVE OS INATIVOS, DO PAGAMENTO DE CUSTAS JUDICIAIS, NOTARIAIS, CARTORÁRIAS E QUAISQUER TAXAS OU EMOLUMENTOS. QUEBRA DA IGUALDADE DE TRATAMENTO AOS CONTRIBUINTES. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 150, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A lei complementar estadual que isenta os membros do Ministério Público do pagamento de custas judiciais, notariais, cartorárias e quaisquer taxas ou emolumentos fere o disposto no artigo 150, inciso II, da Constituição do Brasil. 2. O texto constitucional consagra o princípio da igualdade de tratamento aos contribuintes. Precedentes. 3. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 271 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte --- Complementar n. 141/96. (STF, ADIn 3.260-7/RN. Rel. Min. Eros Grau. Dj. 29/03/2007 - Grifo nosso).

É possível observar que o critério distintivo adotado pela lei, qual seja, a profissão de advogado, não guarda correlação lógica com a finalidade da norma processual que regula o adiantamento de custas judiciais, o que caracteriza privilégio injustificado, em clara afronta ao princípio da isonomia tributária, sendo essa uma das razões que esvaziam o tratamento previsto no §3º do art. 82 do diploma processual civil.

Nesse sentido, Aliomar Baleeiro4 aduz que um tratamento tributário desigual deve se basear em relevantes razões objetivas, ou na proibição de discriminações que não correspondam a critérios razoáveis e compatíveis com o sistema da Constituição. No mesmo sentido são as considerações de Andrei Pitten Velloso:

Não será viável conceder isenções objetivas e nem mesmo subjetivas contrárias à isonomia horizontal se não houver uma razão suficientemente forte a justificá-las, i.e., uma razão que possua, no caso concreto, um peso superior ao do princípio de igualdade tributária.5

Com efeito, é possível observar que não há qualquer justificativa constitucional minimamente plausível para que os advogados, quando atuam em interesse próprio na cobrança de seus honorários, recebam tratamento mais benéfico do que outros profissionais liberais que também necessitam utilizar o Poder Judiciário para a cobrança de seus créditos profissionais.

Da usurpação de competência tributária e da violação do pacto federativo

É cediço que a CF/88 estabelece um sistema rígido de repartição de competências tributárias, corolário do princípio federativo adotado como cláusula pétrea, prevista no art. 60, §4º, inciso I da CF.

Nesse sentido, a repartição constitucional de competências tributárias é expressão máxima do pacto federativo, não podendo ser violada nem mesmo por emenda constitucional, conforme dispõe o art. 60, §4º, inciso I, da CF/88.

Conforme afirmado anteriormente, as custas judiciais têm natureza jurídica de taxa, espécie tributária de competência do ente federativo ao qual está vinculado o órgão jurisdicional prestador do serviço, nos termos do art. 145, inciso II, da CF/88.

Por sua vez, no âmbito estadual, as custas judiciais constituem receita dos Estados-membros e do Distrito Federal, conforme o caso, sendo vedado à União legislar sobre isenção de tributos da competência dos demais entes federativos, conforme dispõe o inciso III do art. 151 da CF/88.

Ao dispensar os advogados do adiantamento de custas processuais em determinadas ações, a lei Federal 15.109/25 acabou concedendo por via oblíqua uma espécie de isenção tributária sobre tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, configurando clara violação ao princípio federativo e à autonomia financeira dos entes federados.

Malgrado a dispensa do adiantamento de custas processuais não configure isenção tributária propriamente dita, possui efeito prático equivalente, na medida em que desobriga o contribuinte do pagamento antecipado do tributo, transferindo esse ônus para a parte adversa, sem que tenha havido autorização legislativa do ente competente para instituir o tributo, o que afronta o art. 150, inciso I, da CF, c/c o art. 97 do CTN.

Com efeito, revela-se com clareza que o tratamento tributário concedido aos advogados por força do §3º do art. 82 do CPC é inconstitucional, porquanto a lei 15.109/25 foi sancionada ao arrepio da cláusula pétrea prevista no art. 60, §4, inciso I da Magna Carta.

Da violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição e do controle difuso de constitucionalidade

O art. 5º, inciso XXXV, da CF/88 estabelece que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", consagrando o princípio da inafastabilidade da jurisdição. As custas judiciais, enquanto contraprestação pelos serviços Judiciários, estão amparadas por critérios uniformes que não devem criar distinções injustificadas entre os jurisdicionados, sob pena de violação do acesso igualitário à justiça.

Por sua vez, é possível que a norma prevista no §3º do art. 82 do CPC seja submetida ao controle difuso de constitucionalidade. O referido controle, também chamado concreto ou incidental, pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal no curso de um processo judicial quando a inconstitucionalidade é levantada como questão prejudicial, conforme o art. 97 da CF/88.

Nesse sentido, vale mencionar as considerações de Anderson Rosa Vaz:

A CF/88 adotou dois critérios de controle de constitucionalidade: o controle difuso e o controle concentrado. O primeiro critério verifica-se pela competência que se atribui a todos os órgãos do Poder Judiciário, desde a primeira instância, para declaração de inconstitucionalidade de atos normativos. Fala-se, então, em via de exceção. Qualquer modalidade de ato normativo sujeita-se a esse controle difuso: leis, atos administrativos e até as súmulas vinculantes.6

Com efeito, é possível observar que o controle de constitucionalidade da lei 15.109/25 é de suma relevância para o deslinde das questões apresentadas neste estudo, razão pela qual revela-se necessária a apreciação dos vícios de inconstitucionalidade formais e materiais suscitados a seguir.

A lei 15.109/25 estabeleceu em seu art. 2º que:

Art. 2º: Nas ações de cobrança por qualquer procedimento, comum ou especial, bem como nas execuções ou cumprimentos de sentença de honorários advocatícios, o advogado ficará dispensado de adiantar o pagamento de custas processuais, e caberá ao réu ou executado suprir, ao final do processo, o seu pagamento, se tiver dado causa ao processo.

Em primeira análise, verifica-se que o dispositivo legal cria um privilégio fiscal para uma determinada categoria profissional, qual seja, os advogados, dispensando-os do adiantamento de custas processuais em determinadas situações, sem que haja justificativa constitucional plausível para tal tratamento diferenciado.

Entretanto, a dispensa do adiantamento das custas processuais apenas para advogados em ações específicas cria um sistema processual de "duas classes", privilegiando uma categoria profissional em detrimento das demais, o que compromete a isonomia processual e o acesso equitativo à justiça.

Tem-se, que a referida distinção não se justifica à luz do princípio da proporcionalidade, porquanto não há relação de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito entre o meio empregado (dispensa do adiantamento das custas judiciais para uma categoria profissional específica) e o fim almejado (garantia de acesso à justiça).

Por sua vez, é cediço que o art. 151, inciso III, da CF/88 proíbe a União de instituir isenções heterônomas, que são as isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos municípios. Com efeito, as normas de isenção tributária, devem ser editadas pelo ente federado com competência tributária para a instituição do tributo.

Nesse diapasão, as custas judiciais decorrentes dos serviços prestados pela União (Justiça Federal, Justiça Eleitoral, Justiça Militar Federal) devem ser instituídas e isentadas, se o caso, por lei Federal. Seguindo a mesma lógica, as custas judiciais decorrentes dos serviços prestados pelos Estados e suas respectivas Justiças Estaduais devem ser instituídas e isentadas por lei estadual.

Sob outro enfoque, caso a lei 15.109/25 seja interpretada como causa de suspensão de exigibilidade das custas judiciais (moratória, nos termos do art. 151, inciso I, do CTN), haveria vício de inconstitucionalidade formal, visto que as normas gerais em matéria tributária devem constar de lei complementar, nos termos do art. 146, inciso III, da CF/88.

Ao apreciar uma lei estadual com conteúdo análogo, o STF já reconheceu que a concessão de isenção de recolhimento de taxa judiciária por advogados contém, ainda, outros dois vícios, sendo um de ordem formal e outro de ordem material (Vide ADIn 6.859/RS).

Em se tratando do plano formal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.629, o plenário do STF reconheceu que, "após a EC 45/2004, a iniciativa de lei sobre custas judiciais foi reservada para os órgãos superiores do Poder Judiciário" (Vide ADI 3.629, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 3/3/2020).

Por sua vez, no plano material, no julgamento da ADIn 3.260, o plenário do STF já havia reconhecido a violação da isonomia tributária prevista no art. 150, inciso II da CF/88, de lei que concede isenção de custas judiciais a membros do Ministério Público pelo simples fato de eles integrarem a referida categoria profissional (Vide ADIn 3.260, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno j. 29/3/2007).

Nesse sentido, cumpre salientar que ambas as orientações foram recentemente ventiladas no julgamento da ADIn 6.859, oportunidade em que o plenário do STF fixou a seguinte tese: "É inconstitucional norma estadual de origem parlamentar que concede isenção a advogados para execução de honorários, por vício de iniciativa e afronta à igualdade" (Vide ADI 6.859/RS, Plenário, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 22.2.2023).

Com efeito, resta cristalino por diversas razões, que a lei 15.109/25 é inconstitucional, visto que fere múltiplos dispositivos constitucionais, entre os quais uma cláusula pétrea.

Conclusão

A análise da lei 15.109/25 revela que o seu texto apresenta múltiplos vícios que comprometem sua validade constitucional e sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro.

Os problemas formais e materiais identificados revelam que a dispensa do recolhimento antecipado de custas judiciais para advogados, embora possa parecer uma medida benéfica à categoria, acarreta graves implicações jurídicas e institucionais.

A legislação em questão fere princípios fundamentais, como a isonomia tributária, o pacto federativo e a reserva de iniciativa legislativa a respeito das custas judiciais, colocando em risco a segurança jurídica e o equilíbrio financeiro dos entes federados.

O princípio da isonomia tributária é especialmente afetado, visto que a lei privilegia os advogados em detrimento de outras categorias profissionais, sem justificativa constitucional plausível. A concessão desse benefício exclusivo representa uma quebra da equidade fiscal, contrariando decisões anteriores do STF que já declararam inconstitucionais normas semelhantes.

Além disso, a violação do pacto federativo, ao estabelecer uma espécie de isenção sobre tributos estaduais sem autorização dos entes federados competentes, compromete a autonomia financeira dos Estados e do Distrito Federal.

Outro aspecto preocupante é a interferência da norma na repartição de competências legislativas, considerando que a iniciativa de leis sobre custas judiciais cabe aos órgãos superiores do Poder Judiciário. Ao ser sancionada nova lei desatendendo a essa prerrogativa, a norma entra em vigência maculada por vício de iniciativa, tornando sua aplicação juridicamente questionável.

Ademais, a previsão de um regime diferenciado para uma única classe profissional atenta contra o princípio da inafastabilidade da jurisdição e da isonomia tributária, criando um tratamento desigual entre jurisdicionados e limitando o acesso equitativo à justiça.

Nesse diapasão, os precedentes do STF reforçam a tese no sentido de se reconhecer a inconstitucionalidade da lei 15.109/25, ao estabelecerem que isenções concedidas com base na ocupação profissional, sem justificativa razoável, violam o princípio da igualdade tributária. A jurisprudência da Suprema Corte, especialmente nas ADIns 3.629, 3.260 e 6.859, consolidou o entendimento de que esse tipo de benefício fiscal, quando concedido sem fundamentos legais sólidos, deve ser declarado inconstitucional.

Diante desse cenário, a revisão e o eventual reconhecimento da inconstitucionalidade da lei 15.109/25 através de controle concentrado de inconstitucionalidade se revela como medida essencial para preservar a coerência do sistema jurídico nacional.

A manutenção de normas incompatíveis com a Constituição compromete a estabilidade institucional e pode gerar impactos negativos na arrecadação e no funcionamento do Poder Judiciário. Com efeito, garantir a conformidade das disposições legais com os preceitos constitucionais é fundamental para resguardar a igualdade tributária e a integridade do sistema federativo brasileiro.

_________

1 VAZ, Anderson Rosa. Comentário ao art. 97 da Constituição Federal. In: COSTA MACHADO, Antônio Claudio da; FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 3. ed. Barueri: Manole, 2012. p. 566.

2 TORRES, Heleno Taveira. Direito processual tributário. v. 2. Coleção doutrina, processos e procedimentos. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2015. p. 59.

3 A respeito do vício de inconstitucionalidade formal, vale trazer à colação a lição de José Luiz de Anhaia Mello: "Assim, pela natureza do vício, a inconstitucionalidade pode ser formal ou extrínseca, material ou intrínseca, segundo surja em consequência da irregularidade no processo de elaboração da lei ou ato, ou resulte do próprio conteúdo da lei, ainda que formalmente regular". (MELLO, José Luiz Anhaia. Da separação dos poderes à guarda da Constituição. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 1968. p. 82). No mesmo sentido, assinala André Ramos Tavares: "Basicamente, duas são as possíveis ocorrências da inconstitucionalidade. Numa primeira, há a incongruência entre o conteúdo da lei e o conteúdo da Constituição. Numa segunda modalidade, há o desatendimento do modelo previsto para a elaboração da lei. Neste caso, o conteúdo da lei não está em desacordo com o da Constituição, apenas seu procedimento de formação não obedeceu ao procedimento previsto na Constituição'. 'A primeira ocorrência recebe a denominação de inconstitucionalidade material, substancial ou intrínseca. A segunda, por seu turno, é denominada de inconstitucionalidade formal, ou extrínseca" (TAVARES, André Ramos. Teoria da inconstitucionalidade das leis: causas e consequências da antinomia entre lei e Constituição, São Paulo: PUC (Tese), 1998. p. 86-87).

4 MARTINS, Ives Gandra; BARRETO, Aires Fernandino. IPTU: Por ofensa a cláusulas pétreas, a progressividade prevista na emenda nº 29/2000 é inconstitucional. Rtrib. 44/278, maio-jun. 2002.

5 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 48.

6 VELLOSO, Andrei Pitten. A teoria da igualdade tributária e o controle de proporcionalidade das desigualdades de tratamento. Rtrib. 76/36, set. 2007.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

COSTA MACHADO, Antônio Claudio da; FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 3. ed. Barueri: Manole, 2012.

MARTINS, Ives Gandra; BARRETO, Aires Fernandino. IPTU: Por ofensa a cláusulas pétreas, a progressividade prevista na emenda nº 29/2000 é inconstitucional. Rtrib. 44/278, maio-jun. 2002.

MELLO, José Luiz Anhaia. Da separação dos poderes à guarda da Constituição. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 1968.

TAVARES, André Ramos. Teoria da inconstitucionalidade das leis: causas e consequências da antinomia entre lei e Constituição, São Paulo: PUC (Tese), 1998).

TORRES, Heleno Taveira. Direito processual tributário. v. 2. Coleção doutrina, processos e procedimentos. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2015.

VELLOSO, Andrei Pitten. A teoria da igualdade tributária e o controle de proporcionalidade das desigualdades de tratamento. Rtrib. 76/36, set. 2007.

Roberto Alves de Oliveira Filho

VIP Roberto Alves de Oliveira Filho

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Professor de Direito Civil e advogado.

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