Redutor de custo ou receita tributável? O embate jurídico no Carf sobre PIS e Cofins
Tributação de reembolsos de custos: Controvérsias no Carf expõem insegurança jurídica e geram riscos financeiros para empresas que utilizam esses ajustes no seu modelo de negócio.
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Atualizado às 11:48
A tributação por PIS e Cofins de ingressos financeiros classificados como "reembolsos de custos", tais como reembolsos de marketing e hold back, tem se intensificado no cenário tributário brasileiro, especialmente perante o Carf.
A ausência de um consenso sobre a matéria é patente no âmbito do Carf - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, conforme se depreende da análise de recentes acórdãos.
Isto pois, no acórdão 3102-002.798, que analisou a incidência de PIS e Cofins sobre os valores recebidos a título de "Reembolso de MKT", prevaleceu a tese defendida pela Fazenda Nacional. E, por meio de voto de qualidade, estabeleceu-se que tais ingressos devem ser incluídos na base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins.
De forma similar, o acórdão 3402-011.075, que analisou a tributação do sistema de Hold Back, evidenciou a mesma controvérsia no Carf. Apesar da aparente unanimidade em alguns pontos, a decisão registrou votos divergentes quanto a tributação de tais redutores pelas contribuições ao PIS e à Cofins.
Esta insegurança jurídica gera riscos financeiros imensuráveis para empresas de diversos setores, particularmente para distribuidoras e revendedoras de veículos automotores, onde tais mecanismos de reembolso e hold back constituem práticas comerciais essenciais. As consequências dessa incerteza podem representar contingências tributárias expressivas, impactando diretamente o fluxo de caixa e os resultados operacionais das companhias.
Diante desse cenário de decisões divergentes, o presente artigo se propõe a analisar a controvérsia em torno da tributação desses valores, explorando os argumentos apresentados nas decisões do Carf à luz do conceito fundamental de receita no direito tributário brasileiro. Para tanto, serão examinadas as diferentes interpretações da legislação pertinente, bem como os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que permeiam a definição de receita bruta para fins de incidência do PIS e da Cofins.
Em suma, o objetivo deste trabalho é elucidar a instabilidade jurídica que envolve a tributação de reembolsos e hold backs, demonstrando como essa indefinição impacta diretamente os resultados econômicos e o planejamento financeiro das empresas, especialmente aquelas do setor automotivo, que necessitam administrar adequadamente os riscos tributários em suas operações comerciais.
O conceito de receita bruta para fins de tributação por PIS e Cofins
Nos termos do art. 1º da lei 10.833/03 e 10.637/02, a base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins é o faturamento mensal, que é entendido como o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil1.
Por sua vez, salienta-se que o STF, no julgamento do recurso extraordinário 606.107, fixou a tese de que o conceito constitucional de receita bruta pode ser definido como "o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições2".
Nesta senda, ingressos que se destinam à recomposição do patrimônio não podem ser confundidos com receitas, pois lhes falta a característica de receita nova, consoante leciona, inclusive, o professor Ricardo Mariz de Oliveira3. Este entendimento é fundamental para a análise das operações de reembolso e hold back, pois estabelece uma diferenciação técnica importante entre meros ingressos e efetivas receitas tributáveis.
Nessa mesma linha, o professor Geraldo Ataliba entende que nem todo ingresso novo pode ser tomado como receita, mas somente aquele dotado da marca da definitividade e desde que assegure um acréscimo líquido ao patrimônio4.
José Antônio Minatel5 corrobora este entendimento, enfatizando o requisito da definitividade para a caracterização da receita. Ele ainda esclarece que o ajuste contábil para diminuição do valor do custo não pode transformar a parcela excedente em receita tributável.
Vale destacar que tais conclusões encontram respaldo no próprio entendimento da Receita Federal do Brasil, pois a solução de divergência COSIT 23/13, ao abordar o rateio de despesas entre empresas do mesmo grupo econômico, concluiu que valores caracterizados como ressarcimento de dispêndios não constituem receita. Esta conclusão fundamenta-se na ausência do elemento essencial caracterizador desse tipo de ingresso: o ganho potencial para gerar acréscimo patrimonial. Isto porque tais valores representam simplesmente o reembolso dos valores adiantados, sem qualquer caráter de definitividade ou incremento líquido do patrimônio6.
Ademais, o próprio acórdão 3102-002.798 reconheceu que para ser considerado receita, o ingresso deve necessariamente representar um aumento nos benefícios econômicos durante o período contábil. Esta definição é de extrema importância, pois estabelece que a efetiva recuperação de custos e despesas não constitui receita, tratando-se apenas de um mero estorno de dispêndios anteriores. O próprio acórdão reconhece que tais recomposições patrimoniais decorrentes de acertos contratuais não caracterizam a aquisição de um direito novo, elemento essencial para a configuração de receita tributável.
Neste sentido, a correta tributação de PIS e Cofins sobre tais valores exige uma análise criteriosa da natureza jurídica do ingresso financeiro. É fundamental determinar se este representa efetivamente um acréscimo novo e definitivo ao patrimônio ou se constitui mera recomposição de custos ou reembolso de despesas anteriormente incorridas.
Esta distinção técnica não é meramente acadêmica, pois é importante para o tratamento tributário adequado de valores como reembolsos de marketing e hold back, práticas comerciais recorrentes no setor automotivo que serão analisadas à luz desses conceitos a seguir.
Reembolso de marketing
Como destacamos alhures, recentemente o Carf, por meio do acórdão 3102-002.798 considerou válida a incidência de PIS e Cofins sobre os reembolsos de marketing, ainda que consoante as considerações do voto vencido, o contribuinte tenha demonstrado que se tratava de meros reembolsos de custo com o objetivo de garantir margem à autuada.
No voto vencedor, prevaleceu o entendimento de que o reembolso de despesas de marketing configura receita tributável pelo PIS e pela Cofins, sob o argumento central de que esse reembolso, realizado em razão de um reajuste de preço para assegurar uma margem de lucro mínima ao distribuidor, não se trata de um mero ingresso redutor de custo não dedutível, mas sim de uma nova receita para ajustar as margens de lucro pretendidas entre as partes, devendo, pois, integrar a base das contribuições ao PIS e à Cofins e afastando a aplicação da solução de divergência COSIT 23/13 no caso concreto.
Por outro lado, é importante salientar que, conforme demonstrado nos autos do processo em análise, a política de preços de transferência do grupo multinacional buscava garantir uma margem de lucro mínima para as distribuidoras, o que acaba influenciando a forma como os reembolsos são realizados.
Isto porque o ajuste de preço através do reembolso de marketing seria um mecanismo para atingir essa margem operacional mínima, garantindo, como consequência, um lucro, ainda que modesto, à distribuidora. Conforme consta do voto, a análise da margem líquida das operações de distribuição dos produtos importados levou à conclusão de que ajustes eram necessários, os quais poderiam ser implementados por meio da devolução dos preços pagos ou pelo reembolso das despesas efetivamente incorridas com propaganda e promoção, tendo sido adotada esta última a opção.
Fato é que, independentemente da forma de contabilização adotada para os reembolsos auferidos pelo contribuinte autuado, a natureza jurídica do ingresso financeiro permanece inalterada: trata-se essencialmente de um redutor de custos. Isto ocorre porque tal mecanismo busca exclusivamente recompor à distribuidora valores correspondentes a custos já efetivamente incorridos, não configurando, portanto, um acréscimo patrimonial novo e definitivo.
À luz de tais esclarecimentos, resta evidente que, conforme demonstrado anteriormente, para configurar receita tributável por PIS e Cofins, o ingresso deve necessariamente representar um acréscimo novo e definitivo ao patrimônio - requisito ausente no caso analisado, afinal, o reembolso de marketing destina-se exclusivamente a recompor custos ou ajustar preços da distribuidora para viabilizar uma margem mínima operacional, sem gerar qualquer novo incremento patrimonial.
Tal constatação revela que a tributação desses valores como receita não apenas descaracteriza sua verdadeira natureza jurídica, mas também afronta diretamente o disposto nos arts. 1º, §1º das leis 10.637/2002 e 10.833/2003. Mais grave ainda, tal interpretação parece contrariar frontalmente a tese firmada pelo STF no julgamento do recurso extraordinário 606.107, onde se consolidou o entendimento sobre os elementos essenciais do conceito constitucional de receita.
Hold back
De forma semelhante ao reembolso de despesas de marketing tratado acima, temos ainda a emblemática figura do hold back, comumente utilizado pelo setor automotivo como forma de também garantir margem de lucro das concessionárias. Este mecanismo consiste na retenção, por parte da montadora, de uma parcela do valor de venda dos veículos à concessionária, com a promessa de devolução desse montante após determinado período.
Tal prática, amplamente disseminada no setor, funciona como um instrumento essencial para viabilizar a rentabilidade mínima das operações de revenda, especialmente em um mercado caracterizado por margens estreitas e alta competitividade. Em sua essência jurídica, o hold back representa um ajuste de preço diferido, cuja natureza está intrinsecamente ligada à composição do preço final do produto, não representando um acréscimo patrimonial novo à concessionária, mas sim a devolução parcial de valores anteriormente pagos.
Ora, se estamos diante de um incremento que não é novo, pois tais valores nunca deixaram de fazer parte do patrimônio da concessionária, sendo momentaneamente desviados e que, ao serem devolvidos, apenas restauram o patrimônio da concessionária ao seu status quo, é certo que não se caracterizam como receita, mas sim como redutores de custo.
Esta conclusão decorre logicamente da própria natureza jurídica da operação, onde não se verifica o requisito essencial da definitividade nem a característica de acréscimo novo ao patrimônio. O hold back, assim como o reembolso de marketing, representa uma recomposição patrimonial, um mero retorno de valores temporariamente separados do patrimônio da concessionária por imposição contratual da montadora.
Corrobora este entendimento, inclusive, precedente do TJ/RS7que considera o hold back como uma restituição de valores à concessionária e, portanto, um redutor de custo.
Ao encontro das considerações acima, vale destacar que o Carf no acórdão 3402-011.075, ao tratar da tributação do hold back, considerou que a referida bonificação é uma parcela redutora do custo e não um bônus de desempenho ou produtividade da concessionária, afastando, assim, a tributação de tais valores pelas contribuições ao PIS e à Cofins.
É importante destacar, também, que no próprio acórdão 3402-011.075 também se analisou diversos tipos de reembolsos, como os de publicidade, ações de emplacamento e outros, concluindo, por unanimidade, que os reembolsos decorrentes de adiantamentos relativos a despesas de responsabilidade de terceiros não têm natureza de receita.
Tratamento contábil dos reembolsos de custo à luz dos pronunciamentos do CPC
Por fim, mostra-se relevante destacar que a análise detalhada do tratamento contábil dos reembolsos de marketing e hold back, conforme os pronunciamentos técnicos CPC 16 (estoques) e CPC 47 (receita de contrato com cliente), reforça a tese de que estes valores possuem natureza de redutores de custo, e não de receita tributável.
Isto porque o CPC 168, estabelece no item 11 que "O custo de aquisição dos estoques compreende o preço de compra, os impostos de importação e outros tributos (exceto os recuperáveis junto ao fisco), bem como os custos de transporte, seguro, manuseio e outros diretamente atribuíveis à aquisição de produtos acabados, materiais e serviços.". O mesmo pronunciamento determina ainda, que "Descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes devem ser deduzidos na determinação do custo de aquisição".
Nesse sentido, valores como o hold back, que representam uma parcela do preço inicialmente retida pela montadora e posteriormente devolvida, enquadram-se claramente como redutores do custo de aquisição dos veículos pela concessionária[9]. Contabilmente, quando ocorre a devolução desses valores, o registro correto seria um ajuste no custo de aquisição e não um registro de receita, pois não há um "ingresso novo e positivo", mas sim um ressarcimento de valores que, economicamente, sempre pertenceram à concessionária.
De igual modo, o CPC 47, traz mudanças significativas na forma de reconhecimento de receitas. Isso porque o item 15 do CPC 47 define que quando (ou à medida que) uma obrigação de performance for satisfeita, a entidade deve reconhecer como receita o valor do preço da transação que é alocado a essa obrigação de performance.
Contudo, analisando os reembolsos de marketing e o hold back sob essa ótica, percebe-se que eles não representam o cumprimento de uma obrigação de performance separada que gere um aumento nos benefícios econômicos, mas sim ajustes nos preços de transações anteriores ou ressarcimentos de despesas incorridas pela concessionária.
Salienta-se, ainda, que o mesmo pronunciamento, em seu Apêndice A, define receita como "Aumento nos benefícios econômicos durante o período contábil, originado no curso das atividades usuais da entidade, na forma de fluxos de entrada ou aumentos nos ativos ou redução nos passivos que resultam em aumento no patrimônio líquido, e que não sejam provenientes de aportes dos participantes do patrimônio".
Dessa forma, no contexto das relações entre montadoras e concessionárias, tanto os reembolsos de marketing quanto o hold back podem ser interpretados como formas de contraprestação variável que afetam o preço da transação, e não como receitas autônomas. Esse entendimento contábil reforça a tese de que tais valores não integram o conceito constitucional de receita bruta para fins de tributação pelo PIS e pela Cofins, alinhando-se com o posicionamento do STF no RE 606.107.
Assim, o tratamento contábil adequado desses valores como redutores de custo ou ajustes de preço, conforme os pronunciamentos técnicos CPC 16 e CPC 47, parece sustentar a não tributação pelas contribuições ao PIS e à Cofins sobre tais redutores.
Conclusão
Neste sentido, à luz de tais considerações pode-se concluir que tal insegurança jurídica, gera graves consequências econômicas e financeiras para os contribuintes, especialmente no setor automotivo.
Diante de tais divergências e insegurança jurídica, quem perde é o contribuinte, que acaba tendo maiores custos de conformidade fiscal e, na maioria das vezes, acaba tendo que recorrer ao Poder Judiciário para defender seus direitos, aumentando a litigiosidade.
Por fim, vale salientar que a reforma tributária já é uma realidade para os contribuintes brasileiros. Resta saber se, com ela, discussões como esta serão encerradas ou acentuadas.
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1 Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. § 1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os seus respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
2 RE 606.107, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-231 DIVULG 22-11-2013 PUBLIC 25- 11-2013
3 OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Conceito de Receita como Hipótese de Incidência das Contribuições para a Seguridade Social (para Efeitos da Cofins e da Contribuição ao PIS), 1ª Quinzena de Janeiro de 2001 - nº 1/2001 - Caderno 1. São Paulo: IOB, p. 21.
4 ATALIBA, Geraldo. ISS e Base Imponível. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, 1° vol, Revista dos Tribunais, São Paulo: 1978, p. 88.
5 Em atendimento à regra contábil em destaque, se o registro do "custo" da operação de compra está majorado frente ao pacto negocial firmado com o fornecedor, porque não foi considerada a "bonificação" na modalidade de "desconto" financeiro que reduz o valor da obrigação ou contribui para liquidá-la, há necessidade de ajustes para redução do valor do custo inicialmente registrado. Esse ajuste é efetivado mediante registro a crédito em conta retificadora daquela que registra o respectivo "custo de aquisição". No entanto, não pode essa conta "redutora de custo" ser tomada indevidamente como conta de "receita" pela sua vocação natural de apresentar saldos credores (que serão confrontados com os saldos devedores dos custos para apuração do custo líquido efetivo), pois não parece lógico, nem racional, que o ajuste contábil para diminuição do valor do "custo" possa transformar a parcela excedente (do custo) em "receita". (MINATEL, José Antônio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico Para Sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005.)
6 Solução de Divergência Cosit nº 23, de 23 de setembro de 2013. Disponível em: SD Cosit 23/13, acessado em 17/4/25.
7 (...) Contudo, as bonificações recebidas pela concessionária demandante não configuram comissões de vendas, mas decorrem de uma prática comum neste ramo comercial, em que há a concessão de descontos ao consumidor final por meio da rede de concessionárias. Logo, o bônus é concedido pelas concessionárias ao consumidor final, previamente autorizado pela montadora/fabricante, referindo-se, assim, ao preço menor de aquisição do veículo. Espelha, portanto, a relação de compra e venda entre a fabricante/montadora e a concessionária e não uma prestação de serviços. (Apelação Cível, Nº 70077546810, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em: 25/7/18)
8 CPC 02 - MINUTA M1, acessado em 22/4/25.
9 CPC 16: Mensuração de estoque: 9. Os estoques objeto deste Pronunciamento devem ser mensurados pelo valor de custo ou pelo valor realizável líquido, dos dois o menor. Custos do estoque: 10. O valor de custo do estoque deve incluir todos os custos de aquisição e de transformação, bem como outros custos incorridos para trazer os estoques à sua condição e localização atuais.


