Fraudes no INSS e o Tema 326 da TNU: A proteção do segurado em xeque
A contradição da eficiência seletiva.
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Atualizado às 13:56
O escândalo revelado ontem, 23/4/25, pela operação conjunta da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União expõe uma realidade perturbadora sobre o INSS - Instituto Nacional do Seguro Social. A mesma autarquia que se mostra implacável em suas revisões de benefícios, cortando direitos muitas vezes de forma questionável, demonstra uma surpreendente fragilidade quando se trata de proteger os segurados contra esquemas fraudulentos operados dentro de sua própria estrutura.
A investigação, que resultou no afastamento do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e de outros cinco servidores, trouxe à tona um esquema monumental de descontos associativos não autorizados em benefícios previdenciários, que teria movimentado aproximadamente R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024. Enquanto isso, milhões de brasileiros aguardam na fila por meses, às vezes, anos, para ter acesso a benefícios legítimos.
Como compreender essa dicotomia? Por um lado, uma máquina burocrática voraz, capaz de indeferir benefícios por minúcias documentais, exigir prova sobre prova do segurado e conduzir revisões massivas que frequentemente resultam em cortes indevidos. Por outro, uma estrutura incapaz de impedir que recursos dos mais vulneráveis - aposentados e pensionistas - sejam desviados em um esquema que, pela sua magnitude, exigia sofisticação e, possivelmente, conivência interna.
O Tema 326 da TNU e a responsabilidade objetiva
É neste cenário que o Tema 326 da TNU - Turma Nacional de Uniformização, ainda pendente de julgamento definitivo, ganha relevância crítica. A questão central colocada para a TNU é clara: "Definir se o INSS é civilmente responsável nas hipóteses em que se realizam descontos de contribuições associativas em benefício previdenciário sem autorização do segurado, bem como se, em caso positivo, quais os limites e as condições para caracterização dessa responsabilidade."
A tese que vem se consolidando, e que muitos tribunais já aplicam, é a da responsabilidade objetiva do INSS. Isto significa que a autarquia responderia pelos descontos indevidos independentemente de culpa, bastando a comprovação do dano (o desconto não autorizado) e do nexo causal (falha no dever de vigilância).
Esta posição jurisprudencial reconhece duas realidades incontestáveis: primeiro, o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, essenciais para a subsistência digna de milhões de brasileiros; segundo, o dever de vigilância inerente ao INSS, que deveria possuir sistemas e procedimentos capazes de prevenir fraudes massivas como a que agora vem à tona.
Um abismo entre a retórica e a prática
A revelação deste esquema bilionário de fraudes escancara o abismo entre o discurso oficial de modernização e eficiência e a realidade institucional do INSS. Como pode uma instituição que exige do segurado rigor absoluto na comprovação de seus direitos falhar tão monumentalmente em seu dever básico de proteger os benefícios que administra?
A resposta provavelmente reside em uma perversa combinação de fatores: sucateamento da máquina pública, precarização dos serviços, redução de pessoal qualificado, apadrinhamento político em cargos que deveriam ser técnicos, e uma cultura institucional que parece priorizar a contenção de gastos sobre a proteção dos direitos previdenciários.
O resultado é uma assimetria cruel: o ônus da prova e o rigor burocrático recaem pesadamente sobre os segurados, enquanto a própria autarquia falha em aplicar o mesmo rigor ao controle de seus sistemas internos.
O papel crucial do advogado previdenciarista
Diante deste cenário desolador, o papel do advogado previdenciarista se expande para além das tradicionais demandas por concessão e revisão de benefícios. Fica em evidência um novo e importante "nicho" de atuação: a proteção do segurado contra descontos indevidos e a responsabilização do INSS por falhas em seu dever de vigilância.
A operação deflagrada ontem representa apenas a ponta do iceberg. É provável que milhares de segurados em todo o Brasil estejam sofrendo descontos não autorizados em seus benefícios sem sequer perceberem. A dimensão do escândalo é tão avassaladora que apenas na operação "Sem Desconto" foram identificados desvios estimados em R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, com a escandalosa constatação de que 97% dos aposentados e pensionistas entrevistados afirmaram jamais ter autorizado os descontos.
A população mal conseguiu digerir esse escândalo e, no 24/4/25, a Polícia Federal deflagrou nova operação contra fraudes no INSS - a Operação "Cessatio", que investiga esquemas de obtenção fraudulenta do BPC-Loas - Benefício Assistencial à Pessoa Idosa por venezuelanos em Roraima.
Uma sucessão de casos que expõe não apenas esquemas criminosos pontuais, mas falhas estruturais no sistema de proteção dos benefícios previdenciários, revelando o quão vulneráveis estão os segurados diante da ganância de quem deveria proteger seus direitos e sobrecarregando ainda mais o já congestionado sistema Judiciário.
Nesse contexto, cabe ao advogado previdenciarista:
- Orientar os segurados a verificarem minuciosamente seus extratos previdenciários, identificando quaisquer descontos desconhecidos, por menores que sejam;
- Solicitar administrativamente a suspensão imediata de descontos não reconhecidos e a restituição dos valores indevidamente retirados;
- Propor ações judiciais buscando não apenas a restituição dos valores, mas também indenização por danos morais, amparados na tese da responsabilidade objetiva do INSS;
- Documentar adequadamente o dano material e o dano moral sofrido pelo segurado, demonstrando como o desconto indevido comprometeu seu sustento e dignidade.
Vigilância permanente: O novo imperativo
Os escândalos revelados hoje e ontem nos impõem um novo imperativo: a vigilância permanente. Se o próprio INSS, que deveria ser o guardião dos direitos previdenciários, falha em proteger os benefícios contra fraudes internas, cabe ao segurado e seu advogado exercerem um monitoramento constante.
Cada centavo descontado sem autorização de um benefício previdenciário representa não apenas uma perda financeira, mas um ataque à subsistência digna de quem, muitas vezes, tem nesse benefício sua única fonte de renda. É dinheiro que deixa de comprar alimentos, medicamentos e garantir o mínimo existencial.
O custo sistêmico: Sobrecarregando o Judiciário
Situações como esta fazem nascer uma verdadeira enxurrada de ações judiciais que apenas abarrotam ainda mais o Poder Judiciário e fazem crescer a já extensa fila de processos. O segurado, já lesado pela fraude, será forçado a reivindicar seus direitos pela via judicial, arcando com custos emocionais e temporais, enquanto a própria previdência social, ironicamente, acabará gastando muito mais recursos com sua defesa e eventuais condenações do que gastaria com a implementação de controles eficientes.
O ciclo é perverso: falhas na gestão e fiscalização geram fraudes; fraudes geram prejuízos aos segurados; segurados recorrem à Justiça; o sistema Judiciário se congestiona; a União é condenada a pagar valores ainda maiores em juros, correção monetária e honorários; e, ao final, todos perdem - os segurados, o Judiciário, o erário público e a credibilidade das instituições.
Conclusão: Por uma previdência que proteja, não que precarize
O julgamento definitivo do Tema 326 pela TNU poderá representar um marco na defesa dos direitos previdenciários no Brasil, desde que o Poder Judiciário decida a questão com base em critérios técnicos, sem o viés político que tem se tornado comum em algumas turmas de cortes superiores. A confirmação da responsabilidade objetiva do INSS por descontos indevidos criará um importante precedente de proteção aos segurados e imporá à autarquia um dever de diligência que, aparentemente, tem faltado.
Enquanto isso não ocorre, cabe à advocacia previdenciarista assumir seu papel histórico na defesa dos mais vulneráveis, exigindo não apenas a reparação dos danos já causados, mas uma reforma profunda no modo como o INSS opera e se relaciona com os cidadãos.
A previdência social, pilar fundamental do Estado de bem-estar social brasileiro, não pode continuar sendo um sistema que se mostra implacável com os segurados e complacente com os fraudadores. O escândalo da semana é um chamado à ação para todos aqueles comprometidos com a justiça previdenciária e a dignidade dos aposentados e pensionistas brasileiros.


