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A responsabilidade médica sob a ótica dos tribunais

Medicina, obrigação de meio e responsabilidade civil: Descubra os critérios aplicados pelos Tribunais Estaduais e pelo STJ.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Atualizado às 11:26

A atividade médica, no contexto jurídico, é tradicionalmente enquadrada como uma obrigação de meio, e não de resultado. Tal distinção é fundamental para a correta compreensão dos limites da responsabilidade civil dos profissionais da saúde. A obrigação de meio consiste na atuação diligente e técnica voltada à obtenção de determinado resultado, sem, contudo, garantir que este seja alcançado. Diferente da obrigação de resultado, em que o profissional se compromete com a efetiva obtenção de um efeito final específico, na obrigação de meio o dever reside na atuação com zelo, perícia e prudência.

No âmbito da responsabilidade civil, essa distinção tem implicações diretas sobre o ônus da prova e a caracterização do dever de indenizar. O art. 14, §4º, do CDC expressamente dispõe:

"A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa."

Ainda que o vínculo entre médico e paciente possa ser enquadrado na relação de consumo, a responsabilização do profissional liberal exige a demonstração de culpa, em uma de suas formas clássicas: negligência, imprudência ou imperícia. Trata-se, pois, de responsabilidade subjetiva, sendo imprescindível a comprovação de conduta culposa para o reconhecimento do dever de indenizar.

Essa compreensão é reiteradamente adotada pelos Tribunais Estaduais, que têm reafirmado que:

"Atividade médica se constitui em obrigação de meio e não de resultado, somente respondendo por danos decorrentes da prestação de serviços quando comprovado que incorreu em negligência, imperícia ou imprudência." (TJ/MG - AC: 51581372220198130024, Relator.: Des.(a) Marco Aurélio Ferrara Marcolino, Data de Julgamento: 24/8/23, 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/8/23)

"A resposta insatisfatória a tratamento médico escolhido não significa erro médico. A medicina não é ciência exata, não sendo erro médico quando o resultado não é o previsto. O segundo tratamento prescrito por médico diverso não significa erro do primeiro médico." (TJ/SP - Recurso Inominado Cível: 1033962-68 .2022.8.26.0602 Sorocaba, Relator.: Fábio Fresca - Colégio Recursal, Data de Julgamento: 17/4/24, 4ª turma recursal de Fazenda Pública, Data de Publicação: 17/4/24)

"Inexiste vestígio de que tenha ocorrido negligência, imperícia, ou imprudência ou qualquer conduta culposa dos profissionais médicos, quando do atendimento prestado pelos réus. Inexiste prova de erro médico. Obrigação do médico é uma obrigação de meio." (TJ/RJ - APELAÇÃO: 00049476120188190067 202400143182, Relator.: Des(a). LUCIA HELENA DO PASSO, Data de Julgamento: 21/8/24, DECIMA PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 27ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 23/8/24).

Cumpre observar, entretanto, que essa regra comporta exceções pontuais, como nos casos das cirurgias plásticas com finalidade exclusivamente estética, nas quais a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, reconhece a existência de obrigação de resultado. Sobre o tema, destaca-se o seguinte precedente:

" 1. A cirurgia plástica eletiva tem natureza obrigação de resultado, o que atrai a presunção de responsabilidade do médico no caso de erro atestado por perícia médica, devendo o profissional comprovar alguma excludente de sua responsabilização pelos danos causados ao paciente."

(STJ - AgInt no AREsp: 2580895 RO 2024/0068130-0, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 19/8/24, T4 - 4ª TURMA, Data de Publicação: DJe 2/9/24)

Do mesmo modo, alguns serviços radiológicos, pela natureza técnica e previsível do resultado, também podem ser compreendidos como obrigação de resultado. Contudo, na grande maioria das intervenções médicas, especialmente aquelas com escopo curativo ou de tratamento clínico, a jurisprudência tem sido firme em exigir a demonstração do elemento culpa para eventual responsabilização do profissional, conforme afirmado em diversos acórdãos:

"Os médicos, enquanto pessoas naturais prestadoras de serviços, assumem obrigação de meio, com raras exceções como, por exemplo, a das intervenções estéticas embelezadoras e serviços radiológicos." (TJ/GO 01039156120158090051, Relator.: REINALDO ALVES FERREIRA - (DESEMBARGADOR), 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 17/7/24)

"Os médicos enquanto pessoas físicas prestadoras de serviços assumem obrigação de meio, com raras exceções como, por exemplo, a das intervenções estéticas embelezadoras e serviços radiológicos." (TJ/RS - AC: 70083107714 RS, Relator.: Carlos Eduardo Richinitti, Data de Julgamento: 29/4/20, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: 3/9/20)

Portanto, à luz do entendimento dos Tribunais Estaduais e do STJ, a responsabilidade do profissional médico continua sendo pautada pela análise do caso concreto, exigindo-se prova robusta da ocorrência de falha técnica, omissão ou conduta imprudente que tenha causado dano ao paciente, afastando-se qualquer presunção automática de culpa em razão de resultado insatisfatório do tratamento prestado.

Pedro Henrique Brisolla Caetano

Pedro Henrique Brisolla Caetano

Advogado com atuação no direito civil, especializado em Direito Imobiliário pela PUC-Rio. Pós-graduando em Advocacia Empresarial pela UERJ. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.

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