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O paradoxo do seguro-garantia judicial no cumprimento provisório de sentença

Seguro-garantia judicial no cumprimento provisório exige adaptação para preservar direitos do credor e evitar distorções na execução da sentença.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Atualizado em 29 de abril de 2025 13:57

O art. 835, § 2º, do CPC de 20151, equiparou o seguro-garantia judicial ao dinheiro quando necessária a substituição da penhora. Nos termos do CPC/15, o seguro-garantia judicial deve ser de montante não inferior ao do débito constante na inicial, acrescido de trinta por cento - para assegurar juros, custas, multa, honorários e demais despesas judiciais.

Em princípio, resta ao segurador garantir o pagamento do valor devido, líquido e certo decorrente de sentença judicial condenatória transitada em julgado, na eventualidade de o Executado não realize o pagamento. Dessa forma, a cobertura realizada pelo seguro - de valor limitado - terá efeito. Nessa seara, oportunizou que o executado de cumprimento provisório de sentença pudesse garantir, o pagamento do débito ao Exequente sem grandes riscos.

Todavia, tal procedimento não é lógico se analisada a função do cumprimento provisório de sentença. Para Araken de Assis:

"Embora de uso corrente, a palavra 'provisório' não representa adequadamente o fenômeno, porque se cuida de adiantamento ou antecipação da eficácia executiva."2

Ou seja, a existência do cumprimento provisório de sentença se baseia na antecipação de execução fundada em sentença sujeita apenas a recursos sem efeito suspensivo.

Sendo assim, carece de lógica a utilização do seguro-garantia judicial com apólice que libere o valor assegurado apenas após o trânsito em julgado da sentença judicial - método utilizado corriqueiramente, fruto de expressa cláusula contratual. Em casos concretos, portanto, desvirtuaria a natureza provisória e acarretaria verdadeiro cumprimento definitivo de sentença, afastando do objetivo buscado pelo exequente.

Observa-se que o cumprimento definitivo de sentença consiste em executar o devedor após a ocorrência de trânsito em julgado de sentença. Sendo assim, se o seguro-garantia judicial, utilizado no cumprimento provisório, certificasse o pagamento apenas após o trânsito em julgado, igualaria os institutos de execução da sentença, prejudicando o exequente, pois tardaria seu direito de receber o montante devido. Destarte, não seria efetivado o princípio da máxima eficácia da execução para o credor.

Ainda, há a possibilidade de constar na Apólice prazo de validade determinado. Assim, caso o trânsito em julgado ocorresse após a data convencionada, não haveria garantia alguma ao Exequente, que, por vez, ostentaria menor confiabilidade e liquidez.3

Por outro lado, poder-se-ia argumentar que a utilização do seguro-garantia Judicial propicia a aplicação do princípio da menor onerosidade ao executado. Contudo, tendo em vista que o Exequente fica responsável por eventuais danos sofridos pela parte Executada - por exemplo, em caso de mudança na Sentença por recursos sem efeito suspensivo - o princípio ainda restaria assegurado. Em mesmo sentido, rege o art. 520, incisos I a III e § 4º, CPC/15.4

O STJ tem entendimento a respeito do tema. Em tutela cautelar antecedente 672 - SP (2024/0350923-1), argumentou-se que o art. 835, § 2º, CPC/15, equiparou o dinheiro ao seguro-garantia judicial, ou seja, em tese, o seguro produziria os mesmos efeitos que os do dinheiro. Todavia, em cumprimento provisório de Sentença, os efeitos diferem, pois os gerados pelo dinheiro não possuem efeitos acidentais, já no seguro-garantia judicial, existem efeitos acidentais que tardam o pagamento da dívida, principalmente se condicionado ao trânsito em julgado.

Ainda, em REsp 2.025.363/STJ, a 3ª turma entendeu por viável a apólice de seguro-garantia judicial que condicione a cobertura ao trânsito em julgado e que possua prazo de validade.

Em conclusão, contrária ao STJ, é fundamental a adaptação do seguro-garantia judicial quando realizados em cumprimentos provisórios de sentença. Por exemplo, manter uma ordem de prioridade, sendo o seguro-garantia judicial utilizado após a tentativa de penhora no cumprimento provisório de sentença. Ressalvada a possibilidade da utilização do seguro, pela parte Executada, para interromper as medidas constritivas, já que na ponderação de princípios resta a menor onerosidade ao devedor.

Ou, ainda, pode-se considerar também que o judiciário poderia apenas não aceitar o seguro condicionado ao trânsito em julgado, já que seria o mesmo que negar vigência ao cumprimento provisório. A grande diferença da interpretação dessa forma é que não abalaria a relação privada seguradora-segurado e deixaria de prejudicar o exequente do cumprimento provisório.

_______

1 Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

...

§ 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

2 Assis, Araken de. Manual da Execução / Araken de Assis. - 22. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. p. 444.

3 Em mesmo sentido, é o Agravo de Instrumento n. 20771586320248260000, do e. Tribunal de Justiça de São Paulo.

4 Art. 520. O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime:

I - corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

II - fica sem efeito, sobrevindo decisão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos;

III - se a sentença objeto de cumprimento provisório for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução;

...

§ 4º A restituição ao estado anterior a que se refere o inciso II não implica o desfazimento da transferência de posse ou da alienação de propriedade ou de outro direito real eventualmente já realizada, ressalvado, sempre, o direito à reparação dos prejuízos causados ao executado.

Carlyle Popp

Carlyle Popp

Mestre em Direito Público pela UFPR. Doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná, da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, do Conselho Editorial da Juruá Editora, do Instituto de Direito Privado, da ALUBRA e do IBERC. Foi professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação (mestrado) do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) até 2012. Advogado Sócio de Popp Advogados Associados. Ex-professor da PUC/PR. É escritor.

Ágata Mohd Popp

Ágata Mohd Popp

Acadêmica de Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

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