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Pagar para interpor recurso na execução penal no RJ?

O artigo defende ser inconstitucional cobrar custas para agravo em execução penal no RJ, por ausência de previsão legal e violação aos princípios da isonomia e do acesso à justiça.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Atualizado às 14:58

A Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou a portaria CGJ 1.946/22, a qual, em seu anexo III, alínea "D", estabelece a exigência de recolhimento de custas para a interposição do recurso de agravo em execução penal - denominado "Agravo em VEP". Essa exigência, contudo, revela-se flagrantemente inconstitucional e ilegal.

De acordo com a portaria, todo custodiado no Estado do Rio de Janeiro que pretenda interpor tal recurso deve arcar com o pagamento de custas no valor equivalente ao do agravo de instrumento cível, atualmente fixado em R$ 822,46. Trata-se de imposição normativa que contraria frontalmente o ordenamento jurídico pátrio.

É notório no meio jurídico que não há previsão legal para cobrança de preparo ou custas no âmbito do processo penal. O art. 197 da lei de execução penal (lei 7.210/84) dispõe expressamente:

"Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo."

Nota-se, portanto, que a legislação Federal não condiciona a admissibilidade do agravo em execução ao pagamento de quaisquer valores, inexistindo autorização legal para a exigência de custas nesse contexto. A imposição pela via infralegal, por meio de portaria administrativa, constitui nítida inovação indevida ao ordenamento jurídico, em afronta à reserva legal.

A doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de que o agravo em execução penal segue o procedimento do recurso em sentido estrito (arts. 581 a 592 do CPP). Como não se exige preparo para este último, a mesma lógica se aplica ao agravo em execução. Nesse sentido, leciona o professor Aury Lopes Jr.:

"Não há que se falar em preparo no agravo em execução, não apenas porque inexiste previsão legal sobre custas deste recurso, mas também porque já se esgotou o processo de conhecimento (em que, se iniciado pela ação penal de iniciativa privada, obrigaria ao pagamento das custas). Em sede de execução criminal, não há que se falar em custas 'processuais ou recursais'."

Permitir que cada Estado da federação regulamente, de forma autônoma e por meio de atos administrativos, a cobrança de custas em recursos penais implicaria violação dos princípios da isonomia e da legalidade. Custodiados no Estado do Rio de Janeiro são submetidos a uma exigência inexistente em outras unidades da federação, como São Paulo e o Distrito Federal, que expressamente reconhecem a gratuidade do agravo em execução penal. Mesmo réus presos em estabelecimentos Federais não são obrigados ao recolhimento dessas custas.

A previsão contida no anexo III, alínea "D", da portaria CGJ 1.946/2022 do TJ/RJ, portanto, extrapola os limites da atuação administrativa, invadindo a seara do Poder Legislativo e afrontando dispositivos constitucionais e legais.

É importante registrar que, até o momento da redação deste artigo, não se tem notícia de que qualquer das entidades legitimadas tenha proposto ação de controle concentrado de constitucionalidade com o objetivo de sustar os efeitos da referida norma infralegal. Ainda assim, destaca-se que o CNJ, ao julgar o procedimento de controle administrativo 0005421-92.2023.2.00.0000, entendeu, com o devido respeito, pela legalidade da portaria, negando provimento ao pedido formulado.

Apesar dessa decisão administrativa, persistem sólidos fundamentos jurídicos que evidenciam a inconstitucionalidade e a ilegalidade da cobrança. A exigência de preparo para o agravo em execução penal atenta contra os princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, do acesso à justiça e da individualização da pena, todos assegurados pela CF/88.

Conclui-se, assim, que deve ser imediatamente revogada, ao menos em parte, a portaria CGJ 1.946/22, no que tange à exigência de custas para interposição do agravo em execução penal. Tal revogação é medida imperativa para garantir a plena efetividade dos direitos fundamentais dos custodiados, resguardando-se o Estado Democrático de Direito.

Luiz Gabriel de Oliveira e Silva Cury

VIP Luiz Gabriel de Oliveira e Silva Cury

Especializado em Advocacia Criminal | Sócio do LG Cury Advogados Associados | Delegado da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da Seccional da OAB-RJ. https://lgcuryadv.com.br/links/

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